Camila Rodrigues Forigo[i]

Helena Schünemann Buschmann[ii]

Com a ascensão da pauta de crimes ambientais envolvendo pessoas jurídicas no Brasil, imperiosa é a análise sobre essa questão, que deve considerar não só a responsabilização (ou não) da pessoa jurídica que comete a infração, mas também sobre a reparação do dano em crimes ambientais. Trabalhando com casos recentes e de amplo conhecimento nacional[iii], apresentaremos brevemente alguns pontos controversos no direito penal econômico sobre a temática.

Vale destacar a atualidade do tema, tendo em vista o crescente risco de destruição ambiental e o grande poder de devastação pelas novas tecnologias[iv], o que aponta para a necessidade de uma reanálise do tratamento das questões ambientais e, com isso, o estabelecimento de medidas de prevenção mais eficazes e de diretrizes para a recomposição dos danos ambientais quando já ocorridos.

A fim de discutir a temática, podem-se destacar os emblemáticos desastres ambientais de Mariana e Brumadinho. A tragédia de Mariana[v] ocorreu em 05 de novembro de 2015 e consistiu no rompimento da barragem de Fundão, estrutura que continha diversos tipos de minérios e rejeitos, atingindo a cidade de Bento Rodrigues, além de contaminar o rio Doce e sua bacia hidrográfica que abrange diversos municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo. Além do grave dano ambiental, o desastre tirou a vida de 19 (dezenove) pessoas.

Já em Brumadinho[vi], em 2019, a barragem da Mina Córrego do Feijão se rompeu e ocasionou a morte de 270 pessoas, além de diversos atentados ao meio ambiente.

No caso de Mariana, já foram oferecidas denúncias tanto em face das pessoas jurídicas quanto das pessoas físicas[vii]. Especificamente quanto às pessoas jurídicas, foram imputados crimes previstos na Lei 9.605/98, como a poluição qualificada, crimes contra a fauna, flora, contra o ordenamento urbano e patrimônio cultural e crimes contra a administração ambiental. Além disso, as pessoas físicas foram também denunciadas pelos crimes de inundação, desabamento/desmoronamento e homicídio, previstos no Código Penal.

Vale destacar que algumas ações apresentadas em face das pessoas físicas foram trancadas pelo TRF1, via habeas corpus, pela ausência de causalidade normativa entre o descumprimento do dever de agir e o resultado[viii].

Em âmbito administrativo a questão já foi encerrada[ix]. A Samarco Mineração S/A foi notificada 73 vezes e recebeu 25 autos de infração do Ibama, num valor total de multa de R$350,7 milhões[x] e buscou o afastamento dessas multas aplicadas pelo Ibama, através de ação judicial[xi].

Observe-se que logo após o acidente, o Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública[xii] contra a Samarco Mineração S/A, Vale S/A e BHP Billiton Brasil LTDA, além de diversos entes públicos, como a União, o Estado de Minas Gerais e o Estado do Espírito Santo, pleiteando a reparação pelos danos morais e patrimoniais, entre outros.

Recentemente, em julho de 2020, foram proferidas decisões[xiii] pela 12ª Vara Federal de Belo Horizonte definindo indenizações por danos morais e materiais, até o valor de R$ 94.585,00 para determinadas categorias de trabalhadores que foram afetados pelo desastre.

Relativamente ao caso de Brumadinho, em janeiro de 2020, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia[xiv] contra o ex-presidente da Vale, e mais 14 pessoas pelo crime de homicídio qualificado pelas 270 mortes. As pessoas jurídicas denunciadas foram a Vale S/A e Tüv Süv Bureau de Projetos e Consultoria LTDA por crimes contra a fauna, flora e de poluição.

Até o momento, de acordo com a Semad (Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais), foram aplicados 11 autos de infração contra a Vale S/A, no total de R$ 104,9 milhões “por infrações variadas como poluição de recursos hídricos, degradação de ecossistemas, entrega de laudo ou relatório ambiental falso, não atendimento de determinação dos órgãos ambientais, entre outras.” O próprio Ibama também aplicou multas que chegaram ao montante de R$250 milhões. E, ainda multas de R$100 mil por dia até que a Vale apresentasse um plano de salvamento da fauna silvestre e doméstica[xv].

Em junho de 2020[xvi], as Defensorias Públicas dos estados do Espírito Santo e de Minas Gerais, bem como a União, realizaram uma denúncia ao Conselho Nacional dos Direitos Humanos em desfavor da Fundação Renova, Vale, BHP Billiton e Samarco por conta da suspensão de pagamentos dos auxílios financeiros emergenciais, porém, até então, o protocolo foi apenas enviado para análise[xvii].

Além disso, membros da sociedade civil apresentaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)[xviii], alegando que foi a negligência do Estado brasileiro que permitiu a ocorrência das tragédias, além da falta de medidas reparatórias efetivas e a ausência de punição dos crimes. Na audiência que ocorreu em 09 de maio de 2019, decidiu-se por 13 medidas a serem tomadas pelo Estado dentre as quais destacam-se a reversão da tendência de enfraquecimento da legislação trabalhista e ambiental, a imposição de limites na atividade minerária para garantir a preservação do meio ambiente, a promoção da célere responsabilização administrativa civil e penal dos diretores das empresas etc.

Esses acontecimentos trazem à tona a importância de o Estado tomar medidas que, mais do que estabelecer reprimendas penais, possibilitem uma efetiva precaução criminal e possibilite uma recomposição dos danos sofridos. Sobre o princípio da precaução, vale observar que foi estabelecido na Conferência de 1972[xix] como uma importante regra para a prevenção ambiental ao estabelecer aos Estados que, existindo ameaça de danos graves ou irreversíveis ao meio ambiente, “a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”[xx]. Com isso, cria-se uma imposição internacional para que os Estados realizem todas as medidas possíveis para a prevenção de danos ambientais.

Tais elementos reacendem a discussão acerca da responsabilização penal da pessoa jurídica que, muito embora seja prevista para o caso de crimes ambientais, apresenta alguns limites, como a responsabilização síncrona de uma pessoa física e acaba servindo de case para a expansão dessa responsabilização em outros campos.

Todavia, sem pretender apresentar uma resposta para a problemática dessas questões, até pelo limitado espaço do presente artigo, pretende-se problematizar acerca da eficiência e eficácia da responsabilização no que diz respeito à recomposição dos danos causados, especialmente aqueles ambientais.

Não seria mais viável investir em medidas de controle e fiscalização estatal para evitar que tais tragédias ocorram? Será que o estabelecimento de políticas mais rígidas e punições administrativas pesadas em caso de descumprimento não seriam mais eficazes na proteção ambiental?

Uma política sancionatória integral, que considerasse as esferas cível, administrativa e penal não poderia trazer medidas reparatórias mais satisfatórias?

E, após o dano ambiental, sanções administrativas não seriam muito mais efetivas para a recomposição do meio ambiental do que a sanção dos autores desses atos lesivos por meio da tutela penal[xxi]?

Com esses questionamentos, pretende-se apenas levar o leitor à reflexão acerca da discussão de que o direito penal não possui finalidades preventivas e atua apenas quando o dano ocorreu (pos factum), sendo importante considerar que tratando-se de graves e severos danos ambientais, mais importante do que a responsabilização parece ser a recomposição do meio ambiente ao seu estado anterior.


[i] Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Especialista em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal – ICPC. Conselheira do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico. Secretária da Comissão da Advocacia Criminal da OAB-PR (Triênio 2019 – 2021). Advogada.

[ii] Acadêmica de Direito do 10º Período da Faculdade de Educação Superior do Paraná – FESPPR.


[iii] É importante ter em vista que o presente artigo se baseou em notícias e comunicados divulgados na imprensa e em documentos disponíveis nos canais oficiais do Ministério Público Federal e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

[iv] FREELAND, Steven. Direitos humanos, meio ambiente e conflitos: enfrentando os crimes ambientais.  In: Revista internacional de direitos humanos [online]. 2005, vol.2, n.2, pp.118-145. p. 126.

[v] SAMARCO. Rompimento de Fundão. Disponível em: https://www.samarco.com/rompimento-de-fundao/. Acesso em: 04 out. 2020.

[vi] GREENPEACE. O crime da Vale em Brumadinho. Disponível em: https://www.greenpeace.org/brasil/o-crime-da-vale-em-brumadinho/. Acesso em: 04 out. 2020.

[vii] DENÚNCIA. Ministério Público Federal em face de Samarco S.A., Vale S.A., BHP Billiton Brasil Ltda. e demais pessoas físicas envolvidas. Mariana. 2016, p. 120-121. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/docs/denuncia-samarco>. Acesso em: 04 out. 2020.

[viii] Veja, a propósito, decisão proferida pelo TRF1 no habeas corpus nº 1029985-02.2018.4.01.0000, disponível em: < https://www.conjur.com.br/dl/trf-tranca-acoes-homicidio-executivos.pdf>.

[ix] G1. Samarco entra na Justiça para tentar anular multas impostas pelo Ibama após tragédia de Mariana. 2019. Online. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2019/03/13/samarco-entra-na-justica-para-tentar-anular-multas-impostas-pelo-ibama-apos-tragedia-de-mariana.ghtml.  Acesso em: 04 out. 2020.

[x] IBAMA. Rompimento da barragem de Fundão: documentos relacionados ao desastre da Samarco em Mariana/MG. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/cites-e-comercio-exterior/cites?id=117. Acesso em: 04 out. 2020.

[xi] CAMILO, José Vitor. Justiça Federal nega pedido da Samarco para suspensão de multas aplicadas pelo Ibama. Disponível em: https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/justi%C3%A7a-federal-nega-pedido-da-samarco-para-suspens%C3%A3o-de-multas-aplicadas-pelo-ibama-1.734920. Acesso em: 09 out. 2020.

[xii] DENÚNCIA. Ação Civil Pública. Ministério Público Federal em face de Samarco S.A., Vale S.A., BHP Billiton Brasil Ltda. e demais pessoas físicas envolvidas. Mariana. 2016. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/docs/acp-samarco.  Acesso em: 04 out. 2020.

[xiii] Vejam-se: TRF 1. Autos nº 1016742-66.2020.4.01.3800 e 1017298-68.2020.4.01.3800. Disponível em: https://portal.trf1.jus.br/sjmg/comunicacao-social/imprensa/noticias/caso-samarco-justica-federal-determina-o-pagamento-das-indenizacoes-aos-atingidos-pelo-rompimento-da-barragem-de-fundao-em-mariana-mg.htm. Acesso em: 04 out. 2020.

[xiv] RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. Ministério Público Federal em face de Samarco S.A., Vale S.A., BHP Billiton Brasil Ltda. e demais pessoas físicas envolvidas. Disponível em: https://observatorionacional.cnj.jus.br/observatorionacional/index.php/desastre-brumadinho/timeline-brumadinho/412-justica-de-brumadinho-recebe-denuncia-criminal-contra-16-pessoas. Acesso em: 04 out. 2020.

[xv] RODRIGUES, Leo. Agência Brasil. Vale paga multas ao governo mineiro, mas questiono cobranças do Ibama. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-01/vale-paga-multas-ao-governo-mineiro-mas-questiona-cobrancas-do-ibama. Acesso em: 04 out. 2020.

[xvi] Redação Folha Vitória. Fundação Renova por suspensão de pagamentos a afetados por lama no Rio Doce. Disponível em: https://www.folhavitoria.com.br/geral/noticia/07/2020/defensorias-denunciam-fundacao-renova-por-suspensao-de-pagamentos-a-afetados-por-lama-no-rio-doce. Acesso em 08 out. 2020.

[xvii] Fundação Renova é acusada de omissão em relação à denúncia envolvendo o Programa 9 do TAC do Tsulama da Samarco. Disponível em: https://blogdopedlowski.com/2020/08/10/fundacao-renova-e-acusada-de-omissao-em-relacao-a-denuncia-envolvendo-o-programa-9-do-tac-do-tsulama-da-samarco/. Acesso em: 09 out. 2020.

[xviii] CAETANO, Bruna. Brasil de fato. Sociedade civil denuncia Vale na Comissão Interamericana de Direito Humanos. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2019/05/10/sociedade-civil-denuncia-vale-na-comissao-interamericana-de-direitos-humanos. Acesso em: 04 out. 2020.

[xix] BROCHADO NETO, Djalma Alvarez; MONT’ALVERNE, Tarin Cristino Frota. Ecocídio: proposta de uma política criminalizadora de delitos ambientais internacionais ou tipo penal propriamente dito? In: Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, nº 1, 2018. p.214.

[xx] NAÇÕES Unidas – Brasil. Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio de Janeiro, 1992. Disponível em http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf. Acesso: 05 jun. 2020.

[xxi] Acerca dessa questão: HASSEMER, Winfried. A preservação do ambiente através do direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 6, n. 22, p. 27-35., abr./jun. 1998 e COSTA, Helena Regina Lobo da; Proteção ambiental, direito penal e direito administrativo. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007.


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