Por: Luiz Carlos Mucci Neto[1] eBruno Yoji Ogata[2]                                                                           

 

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Breves notas acerca a Lei n. 8.137/90; 3. Do grave dano a coletividade, artigo 12, inciso I, da Lei n. 8.137/90.

 

RESUMO: Os crimes tributários previstos na Lei n. 8.137/90 são recorrentemente abordados quando o assunto é direito penal econômico, sobretudo, os reflexos causados pelas normas penais brancos. O propósito deste ensaio é retratar o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça estabelecido no Resp. n. 1.849.120/SC para fixação da causa de aumento de pena do grave dano à coletividade, contida no artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/90.

 

Palavras-chave: Crimes tributários; Princípio da legalidade; Grave dano à coletividade.

 

ABSTRACT: Actually, the tax crimes provided in Law n. 8.137/90 are recurrently debated when de subject is economic criminal law, especially in regarding the consequences causes by criminal norms. The purpose of this essay is to approach the recent understanding of the Superior Court of Justice established in Resp. n. 1.849.120/SC, to establish the cause of the aggravate in the penalty of serious damage tax collection, contained in the article 12, item I, of the law 8.137/90.

 

Key words: Tax crimes; Legality principle; Damage tax collection.

 

  1. INTRODUÇÃO

 

É certo que os crimes contra a ordem tributária previstos na Lei n. 8.137/90, não são mais novidade legislativa, contudo, assumem o protagonismo nos debates jurídicos devido à interdisciplinaridade com outros ramos do direito, especialmente, o direito administrativo e tributário.

Sendo assim, o presente trabalho ocupa-se em abordar a causa de aumento de pena referente ao grave dano à coletividade, prevista no artigo 12, inciso I, da Lei n. 8.137/90, utilizando como parâmetro a recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça em sede do Resp. n. 1.849.120/SC[3], à luz do princípio da legalidade penal.

 

  1. BREVES NOTAS ACERCA DA LEI N. 8.137/90

 

Os delitos tributários são considerados como desdobramento do “Direito Penal Tributário”[4] devido à mescla de conceitos do Direito Penal, que funciona como a ultima ratio na pacificação social por meio do ius punniend, com as lições do Direito Tributário, responsável por infrações de deveres perante a autoridade fazendária[5].

Desde a década de 90, experimenta-se o fenômeno denominado como “direito penal do risco”[6]. O legislador brasileiro passou a utilizar o poder punitivo para expandir o controle social, a fim de prover sensação de segurança social, irradiando-se para outros ramos da vida privada, como por exemplo: tributário e meio ambiente[7].

Os crimes tributários previstos no artigo 1º, incisos I ao V, da Lei n. 8.137/90[8], tutelam o bem jurídico supraindividual da ordem tributária, prezando pela correta arrecadação fiscal dos entes federados[9].

Ademais, os crimes e os ilícitos tributários possuem particular esfera de responsabilização. No entanto, exige-se a “dupla tipicidade” para caracterização da imputação penal fiscal, isso porque, a infração ao dever de pagar tributo é pressuposto para caracterização dos crimes fiscais[10].

No mais, a técnica legislativa empregada para elaboração dos delitos fiscais foi o abundante uso das normas penais em branco[11], justamente em razão da intersecção com institutos tributários, exigindo do intérprete juízo de valor que extrapola a lei penal[12].

Tendo em vista que os crimes tributários são basicamente compostos por elementos normativos, surge ponto de tensão entre o princípio da legalidade e a imprecisão na definição do conceito de grave dano à coletividade.

 

  1. DO GRAVE DANO À COLETIVIDADE DO ARTIGO 12, INCISO I, DA LEI N. 8.137/90

 

A expressão “grave dano à coletividade” constituía conceito jurídico aberto e indeterminado, pois exigia que a fraude tributária fosse extraordinária, no entanto, não estabelecia critérios objetivos capazes de quantificar a lesão substancial à arrecadação tributária[13].

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça em decisão paradigmática proferida em sede do Resp. 1.849.120/SC, definiu os parâmetros legais a serem seguidos para a correta exasperação da pena.

Não obstante o emaranhado legislativo tributário, a quantificação do grave dano à coletividade era regido por um único parâmetro, aplicado indiscriminadamente para todos os tributos, o valor igual ou superior R$ 1.000.000 (um milhão de reais), que representa o cadastro dos grandes devedores, nos termos do artigo 14, da Portaria n. 320 da PGNF[14].

Ocorre que, a competência legislativa tributária não é atribuição exclusiva da União. Pelo contrário, é distribuída entre os demais entes federativos. Dessa forma, quando da análise de sonegações fiscais que envolvam tributos estaduais, como o ICMS, ou até mesmo municipais, por exemplo: o ISS[15], não se mostra adequado aplicar o piso dos grandes devedores da União.

É sabido que a União, os estados-membros, o Distrito Federal e os municípios possuem diferentes níveis de arrecadação tributária, afastando a hipótese de aplicação de critério único, por conseguinte, a efetividade do dano à coletividade deve ser auferida em cada caso, conforme o tributo sonegado[16].

Na hipótese da respectiva Fazenda não dispor de legislação que estabeleça os parâmetros mínimos aptos a caracterizarem o grave dano à coletividade, poderá ser utilizada para exasperar a pena, desde que, no caso concreto, seja demonstrado o substancial dano a arrecadação tributária, não sendo suficiente a mera alusão ao valor do tributo sonegado[17].

Desse modo, vislumbra-se que os entes federativos estão legislando indiretamente em matéria penal, sem invadir a competência privativa da União, do artigo 22, inciso I, da constituinte de 88.

Ademais, destaca-se outro ponto da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça: qual seria o valor sonegado a ser comparado com os parâmetros legais estabelecidos pelos entes federados?

Num primeiro momento, considerava-se apenas a quantia sonegada propriamente dita, isto é, não se computava os acréscimos legais[18]. Todavia, atualmente, o dano tributário é computado integralmente, abrangendo os acréscimos legais – como multa e juros – visto que a sua totalidade representa fielmente parcela negativa da arrecadação dos cofres públicos.

Desse modo, entende-se que o teor da decisão proferida pelo Superior Tribunal Justiça viabiliza a aplicação prática da majorante prevista no artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/90, pois estabelece parâmetros objetivos para definir o conceito do grave dano à coletividade, variando conforme o tributo sonegado, respeitando a arrecadação tributária de cada ente federativo.

 

  1. Considerações Finais

 

No presente ensaio, abordou-se a (in) viabilidade prática da aplicação da causa de aumento de pena do grave dano à coletividade, contida no artigo 12, inciso I, da Lei n. 8.137/90, através do método comparativo entre o anterior e atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, este último firmado em sede Resp. 1.849.120/SC.

O posicionamento adotado pelo tribunal superior abandona conceito unitário de grave dano à coletividade, que levava em consideração o cadastro dos grandes devedores da União, que atingia o montante de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), nos termos do artigo 14 da PGNF, o qual era aplicado independentemente da natureza do tributo.

Atualmente, restou decidido que a quantificação do grave dano à coletividade varia conforme o tributo sonegado. Desse modo, quando a sonegação atingir tributo de competência da União, aplica-se o parâmetro federal; se o delito fiscal tiver como objeto tributo de ordem estadual ou municipal, será considerado para fins de grave dano à coletividade, o montante fixado pela legislação tributária regional ou local, e não havendo disposição normativa, basta demonstrar, no caso concreto, o efetivo dano à arrecadação tributária.

Dito isso, vislumbra-se que aplicação da causa de aumento de pena do artigo 12, inciso I, da Lei n. 8.137/90, deixa de ser considerada como conceito jurídico aberto e indeterminado, respeitando a legalidade penal, como também, protege proporcionalmente a arrecadação tributária dos entes federativos.

 

REFERÊNCIAS

 

ANDRADE, Andressa Paula de; FERREIRA, Pedro Paulo da Cunha. Modernização do direito penal. Revistas dos Tribunais. vol. 4. mar-mai, 2014. p. 305.

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal econômico. v.1. São Paulo. Saraiva Educação, 2016.

BRASIL. STJ. AgRg no HC n. 549.066/SP. Rel. Min. Laurita Vaz. Sexta Turma. Dje: 18.12.2020.

BRASIL, STJ. AgRg no Recurso Especial n. 1.274.989/RS. Rel. Min. Laurita Vaz. Quinta Turma. Dje: 19.08.2014.

BRASIL, STJ. Habeas Corpus n. 412.205/PE. Rel. Min. Joel Ilan Paciornik. Dje: 02.03.2018.

BRASIL, STJ. Recurso Especial n. 1.849.120/SC. Rel. Min. Néfi Cordeiro. Dje: 11.02.2020.

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Direito Penal Tributário: uma análise lógica, semântica e jurisprudencial. São Paulo: Quartier Latin, 2009.

DELMANTO, Roberto. Leis penais especiais comentadas. 3. São Paulo. Saraiva, 2018.

GUARAGNI, Fábio André. Norma penal em branco e outras técnicas de reenvio em direito penal. São Paulo, Grupo Almeida. 2014.

MENDES, Gilmar Ferreira. Direito penal contemporâneo. 1. São Paulo. Saraiva, 2010.

PAULSEN, Leandro. Crimes federais. ed. 2. São Paulo. Saraiva, 2018.

PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. v. 11. São Paulo. Saraiva, 2019.

PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. ed. 8. Rio de Janeiro. Forense, 2018.


[1] Advogado criminalista, oab/pr n. 97.550. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Campus Londrina. E-mail: muccinetoo@gmail.com.

[2] Advogado criminalista, oab/pr n. 101.022. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Campus Londrina. E-mail: ogatabruno@me.com.


[3] BRASIL, STJ. Recurso Especial n. 1.849.120/SC. Rel. Min. Néfi Cordeiro. Dje: 11.02.2020.

[4]CARVALHO, Aurora Tomazini de. Direito Penal Tributário: uma análise lógica, semântica e jurisprudencial. São Paulo: Quartier Latin, 2009. P. 52.

[5] FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Direito Econômico. 10. Rio de Janeiro. Forense, 2019. P. 509.

[6] O alemão Ulrich beck utiliza-se da expressão “direito penal do risco” como fenômeno característico das sociedades pós-modernas. ANDRADE, Andressa Paula de; FERREIRA, Pedro Paulo da Cunha. Modernização do direito penal. Revistas dos Tribunais. vol. 4. mar-mai, 2014. p. 305.

[7] MENDES, Gilmar Ferreira. Direito penal contemporâneo. 1. São Paulo. Saraiva, 2010. P. 116-120.

[8] Pertinente mencionar que os crimes tributários descritos no artigo 1º, inciso I ao IV, da Lei 8.137/90 são materiais, consumando-se com o definitivo lançamento do tributo, nos termos da Súmula Vinculante 24. Não se pode olvidar que, há também previsão de crime formal previsto no artigo 1º, inciso V, da Lei 8.137/90. PAULSEN, Leandro. Crimes federais. ed. 2. São Paulo. Saraiva, 2018. P. 361-365.

[9] PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. ed. 8. Rio de Janeiro. Forense, 2018. P. 285.

[10] BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal econômico. v.1. São Paulo. Saraiva, 2016. P. 677.

[11] GUARAGNI, Fábio André. Norma penal em branco e outras técnicas de reenvio em direito penal. São Paulo, Grupo Almeida. 2014. P. 27-28.

[12] DELMANTO, Roberto. Leis penais especiais comentadas. 3. São Paulo. Saraiva, 2018. P. 254.

[13] BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal econômico. v. 1. São Paulo. Saraiva, Educação, 2016. P. 809.

[14] BRASIL, STJ. AgRg no Recurso Especial n. 1.274.989/RS. Rel. Min. Laurita Vaz. Quinta Turma. Dje: 19.08.2014.

[15] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. v. 11. São Paulo. Saraiva, 2019. P. 99-101.

[16] BRASIL, STJ. Recurso Especial n. 1.849.120/SC. Rel. Min. Néfi Cordeiro. Dje: 11.02.2020.

[17] BRASIL. STJ. AgRg no HC n. 549.066/SP. Rel. Min. Laurita Vaz. Dje: 18.12.2020.

[18] BRASIL, STJ. Habeas Corpus n. 412.205/PE. Rel. Min. Joel Ilan Paciornik. Dje: 02.03.2018.


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