Súmula vinculante 24 e o início do prazo prescricional: uma necessária reavaliação.

 

Por Daniel Zalewski

 

A súmula vinculante 24 foi muito celebrada por todos aqueles que militam no direito penal empresarial, mais especificamente por aqueles que atuam nos crimes contra a ordem tributária. E não poderia deixar de ser, pois, por uma questão simples, tal súmula impediu diversas persecuções criminais, colocando um limite claro entre o poder do Estado e o direito do cidadão.

 

In verbis, a súmula reproduz que: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.

 

Criou-se assim, talvez, uma das principais súmulas com estrutura “defensiva”, a qual passou a integrar o rol de súmulas preferidas pela advocacia criminal, como a súmula nº 11 e nº 14, por exemplo.

 

Todavia, “nem tudo são rosas nas terras da Dinamarca[i]”, a presente Súmula traz algumas problemáticas, travestidas de garantias, que necessitam de uma nova discussão sobre a sua aplicabilidade nos casos concretos.

 

Uma das mais emblemáticas, porém, já adormecida nos debates acadêmicos, doutrinários e jurisprudenciais, mas que necessita de uma nova discussão, é sobre o início da contagem do prazo de prescrição. O atual entendimento é de que o prazo prescricional começa a ser contado a partir do lançamento definitivo do tributo.

Todavia, o entendimento que deve permanecer é de que o delito se consuma no momento da efetiva suspensão ou redução do tributo pago. O processo administrativo nada mais é do que um meio de se chegar a um mero indício do que já ocorreu no mundo dos fatos. Dessa forma, o prazo de contagem para fins de prescrição deveria começar a correr no momento do efetivo cometimento do delito (suspensão ou redução do tributo), não após o término do processo administrativo.

 

Ainda, o contribuinte deve ser responsabilizado pela sua conduta e não mais do que isso. Frise-se que o lançamento definitivo não é feito pelas mãos do contribuinte, e sim pelo fisco. Nesse sentido, o Código Penal estabelece em seu artigo 4°: “Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”.

 

O resultado ocorre tão somente após o lançamento definitivo. Contudo, o crime, para fins prescricionais, começa na ação ou omissão do contribuinte.

 

Como lembra o pesquisador André Vinícius Monteiro[ii]:

 

“Em interessante paralelo com o delito de homicídio, Janaína Conceição Paschoal e Jorge Coutinho Paschoal afirmam estar o lançamento definitivo relacionado à tipicidade, mas não sob o enfoque da consumação, e sim sob o da materialidade. Tal qual o exame necroscópico realizado dias após o homicídio não modifica o instante de consumação do delito, mas apenas constata a materialidade delitiva, assim o é a decisão do processo fiscal. “Da mesma forma, o fato de o fisco atestar a existência do tributo devido apenas quando da prolação da decisão administrativa não altera o momento da consumação do crime. A decisão definitiva funcionaria como um exame de corpo de delito.[iii]

 

Sendo assim, o prazo prescricional deveria ser contado a partir da efetiva suspensão ou redução do tributo.

 

Novamente e por fim reitera-se que o atual entendimento (que a prescrição começa a partir do lançamento definitivo) causa uma enorme insegurança jurídica, tendo em vista que torna o prazo prescricional muito distante do ato praticado, criando uma espécie de supra prazo, munindo o Estado da possibilidade de aplicação de uma sanção penal desarrazoada, pelo tempo já passado.

 

Desta forma, vimos que a Súmula Vinculante 24, não obstante tenha colocado um limite bem estabelecido entre o poder do Estado e o direito do cidadão, pondo fim a inconsequentes persecuções penais, também acabou por trazer certas problemáticas, travestidas de garantias, que necessitam de uma nova discussão sobre a sua aplicabilidade aos casos concretos, intuito do presente artigo.


[i] Referencia à citação de Hamlet: “Há algo de podre no reino da Dinamarca” – William Shakespeare

[ii] (Publicado em Revista Criminal vol. 16, p. 29-41) que pode ser lido pelo link https://www.pucsp.br/cienciascriminais/agenda/ordem_tributaria_consumacao_prescricao_andre_monteiro.pdf

 

[iii] Paschoal, Janaína Conceição; Paschoal, Jorge Coutinho. A Constituição do crédito tributário, a consumação do crime tributário e a extinção da punibilidade pela prescrição. In Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 194, p. 2-3.


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