Por Daniel Zalewski Cavalcanti

Há mais de uma década os criptoativos geram expressivas operações em uma indústria bilionária. Os ativos virtuais, que funcionam por meio da tecnologia da Blockchain, sendo negociados nas Exchanges, convivem com a insegurança da falta de regulamentação.

Porém, referido mercado bilionário poderá sofrer uma reviravolta regulamentadora sem precedentes, com grande impacto no Direito Penal, tendo em vista que já tramitam perante o Congresso Nacional dois Projetos de Leis, um perante a Câmara dos Deputados, (PL) nº 2.303/2015, e o outro pelo Senado Federal, (PL) nº 4.401/2021.

As inovações pretendidas pelos projetos de lei, como de costume,  são punitivistas, elevando a pena consideravelmente para condutas criminosas quando realizadas através dos ativos virtuais.

Faz-se abaixo uma breve análise dos principais tipos:

Estelionato com a utilização de ativos virtuais.

No capítulo VI do Código Penal – Do estelionato e outras fraudes – poderá ser criado um tipo específico de estelionato – “Fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros”. Essa previsão irá, caso sancionada, processar as fraudes de quem organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais. Ou seja, é a busca da punição para aqueles que efetuam  gestão de ativos virtuais, com objetivo de obter vantagem ilícita:

 “Art. 171-A. Organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”. 

Observa-se que a pena prevista é a de reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, sendo essa muito superior à aplicada no caso de um estelionato simples, previsto no caput do artigo 171 do CP, que possui pena de um a cinco anos. Porém, neste novo tipo criado, a pena é semelhante a da fraude eletrônica, prevista no artigo 171, VI, § 2°, que é de quatro a oito anos de reclusão.

Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional:

Referidos projetos ainda preveem o acréscimo do inciso III ao artigo 1° da Lei que define os Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, implicando que, para fins criminais, as exchanges serão consideradas instituições financeiras. In verbis:

Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.

III – a pessoa jurídica que ofereça serviços referentes a operações com ativos virtuais, inclusive intermediação, negociação ou custódia.”.

Ou seja, nas empresas em que houver operações de critipoativos, as quais conduzem a intermediação, negociação ou custódia de ativos virtuais, seus gestores poderão responder pelos crimes previstos na Lei nº 7492/86.

Além disso, consoante previsto nos referidos projetos, as exchanges devem ter autorização para o funcionamento, a qual deverá ser concedida por um órgão da administração pública federal, tendo em vista que, para fins criminais, equiparou-se instituições financeiras às operadoras de ativos virtuais. Ressalte-se que o funcionamento de uma exchange sem a devida autorização estabelece como punição a pena prevista no artigo 16 da referida Lei.

Ademais, referida equiparação da exchange à instituição financeira torna possível a punição de seus gestores pelos demais delitos previstos na Lei nº 7492/86, como por exemplo, gestão temerária e fraudulenta.

Lavagem de Dinheiro:

A lavagem de dinheiro poderá sofrer duas intervenções. A primeira é no sentido de que os delitos praticados utilizando ativos virtuais  para a lavagem de capitais terão sua pena aumentada de um terço a dois terços. Essa é a mudança que os projetos de lei desejam implementar no §4º, que já prevê a mesma punição para quem reiteradamente, por intermédio de organização criminosa, comente o crime previsto na Lei nº 9.613/98.

  • 4º A pena será aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada, por intermédio de organização criminosa ou por meio da utilização de ativo virtual.

 Além disso, o artigo 9° da já citada lei prevê que determinados setores econômicos têm a obrigação de observar e adotar mecanismos e procedimentos internos para auxiliar no combate à Lavagem de Dinheiro.

Um dos objetivos dos Projetos de Lei aventados é que as prestadoras de serviços de ativos virtuais estejam no rol de pessoas jurídicas e físicas obrigadas a ter essa estrutura diferenciada, visando a evitar que os ativos virtuais sejam utilizados para a Lavagem de Dinheiro.

Caso esses projetos tornem-se efetivamente lei, as exchanges deverão cumprir os requisitos legais ali previstos, desde o cadastro junto ao órgão regulador, até o monitoramento de operação e a comunicação ao COAF, Banco Central ou a CVM.

Muito embora haja uma forçosa interpretação tendente a enquadrar as exchanges no mesmo patamar das instituições financeiras, o pouco conhecimento técnico que se possua serve para perceber a nítida natureza distinta entre as duas modalidades.

Vale ressaltar ainda que os próprios Projetos de Lei que tramitam no Congresso revelam a face confusa de quem deverá regulamentar, e logo, receber as comunicações previstas na Lei de Lavagem de Dinheiro, quando dispõe que:

“Art. 6º Ato do Poder Executivo atribuirá a um ou mais órgãos da administração pública federal a disciplina do funcionamento e a supervisão da prestadora de serviços de ativos virtuais”.

Ou seja, não é possível inferir ainda qual ou quais órgãos da administração pública federal serão os responsáveis pela supervisão da prestadora de serviços de ativos virtuais.

Os projetos ainda preveem que os recursos financeiros detidos pelas exchanges de terceiros não poderão ser objeto de arresto, sequestro, busca e apreensão ou qualquer outro ato de constrição judicial. Ou seja, todas as medidas assecuratórias que vierem a sofrer as prestadoras de serviços não poderão recair sobre recursos de terceiros.

Por fim, imperioso sinalar que a falta de regulamentação obviamente causa ao investidor enorme insegurança jurídica. Neste ponto, os projetos de lei acertam, e muito! Todavia, a resposta legislativa brasileira para todo e qualquer problema tem sido a mesma: maior rigor e punição. Assim, os projetos de lei vão a caminho do senso comum, criminalizando e/ou aumentando as penas. Só para se ter uma ideia, há delitos previstos nos projetos que preveem pena máxima de 10 anos.

Da mesma forma, ainda temos outros projetos de lei em curso, os quais andam, infelizmente, no mesmo caminho, modificando a Lei nº 7.492/86 para aumentar e criar novas tipificações, totalmente desnecessárias.

Não havendo sequer regulamentação administrativa para tal tema, o que bastaria, de per si, para dar norte aos investidores e coibir condutas impróprias e/ou abusivas, criam-se delitos e ampliam-se as punições, vilipendiando mais uma vez o nobre papel do Direito Criminal como ultima ratio na coibição de condutas consideradas ilícitas.


Daniel Zalewski Cavalcanti é advogado criminal. Sócio fundador de Zalewski Cavalvanti & Cortelletti Advocacia Penal Empresarial


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