POR QUE NÃO FAZER ATA NOTARIAL DAS PROVAS DIGITAIS
Ferramentas eletrônicas e a blockchain como forma de registro de dados
Por Eduardo Titão Motta
O código de processo civil estabelece, em seu Art. 384 que “a existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião”. O documento produzido, a ata notarial, serviria, portanto, como prova de que algo efetivamente existiu e foi constatado pelo tabelião. Contudo, essa definitivamente não é a melhor estratégia no que diz respeito às provas digitais.
Isso porque o registro de um tabelião se trata de uma constatação visual dos fatos, apenas. Dotado de fé pública, esse servidor público serve como “testemunha” de um fato, o descrevendo num documento, inclusive com capturas de tela ou imagens, e registrando sua existência. Um dossiê do que foi observado. E só.
O serviço é, por essência, jurídico. Mas a prova não.
Nos cartórios, não se registram metadados técnicos, códigos HASH[i] ou registros de origem do material, integridade ou indicadores de falsidade, o que pode eventualmente vir a prejudicar a validade das provas em eventual processo judicial (seja ele cível ou criminal). Há, ainda, problemas relacionados à auditoria da prova, que pode acabar se perdendo ou sendo retirada da internet, editada ou apagada de servidores de arquivos, o que prejudica a narrativa processual como um todo.
Outra questão que diz respeito ao registro de provas digitais por meio de ata notarial diz respeito à disponibilidade da prova, que só pode ser feita no cartório durante seu horário de funcionamento e a altos custos (no Paraná, um registro notarial de uma página custa caros R$630,00, podendo chegar aos milhares de reais nos casos de registros de conversas de WhatsApp, de conteúdo de vídeos, logs de IPs, etc). Tudo para inviabilizar ainda mais o emprego dessa técnica.
Para solucionar problemas digitais, soluções digitais.
Resta clara, portanto, a demanda de instrumentos e ferramentas capazes de garantir a autenticidade e integridade dos dados relativos às provas digitais[ii].
A partir da ideia de blockchains[iii], surgiram, pelo mundo todo, ferramentas de verificação e registro de provas digitais de forma rápida e automatizada, como as brasileiras Uniproof e Verifact. São programas que prometem o registro fiel da prova, em conformidade com normas internacionais como a ABNT NBR ISO/IEC 27037:2013, navegação em ambiente controlado e sem interferências, com detalhes técnicos auditáveis e preservação da integridade do conteúdo de forma confiável e regulamentada, tudo de maneira integrada, com segurança, credibilidade tecnológica e, o melhor – a custos baixos. A Verifact, por exemplo, cobra R$89 por sessão de registrada de 30 minutos de análise de prova.
As plataformas podem ser acessadas por qualquer computador com internet, a qualquer momento do dia e já são atestadas e utilizadas por vários órgãos de Polícia e de Justiça pelo país, como a Polícia Civil do Paraná, o MPSP e o MPBA. Tudo de acordo com as boas práticas na Cadeia de Custódia da Prova (lei 13.964/2019) e recomendações forenses aderentes à ISO 27037/2013.
Esse tipo de ferramenta está sendo cada vez mais aceita e é uma boa alternativa para os hiperconectados[iv]. Uma novidade pra ficar de olho!
[i] Códigos HASH ou Hashes são cadeias alfanuméricas geradas matematicamente e constituem como que a “identidade” dos arquivos digitais. São registradas com a finalidade de documentar a manutenção da integridade dos arquivos, ou seja, registrar que eles não foram alterados.
[ii] Leia mais em https://www.hindawi.com/journals/complexity/2021/5536326/
[iii] A blockchain (também conhecido como “o protocolo da confiança”)é uma tecnologia de registro distribuído que visa a descentralização como medida de segurança.São bases de registros e dados distribuídos e compartilhados que têm a função de criar um índice global para todas as transações que ocorrem em determinado setor. Funciona como um livro-razão, só que de forma pública, compartilhada e universal, que cria consenso e confiança na comunicação direta entre duas partes, ou seja, sem o intermédio de terceiros.
[iv] AgRg no HABEAS CORPUS Nº 683483 – PR (2021/0240089-1), Agravo de Instrumento nº 2237253-77.2018.8.26.0000
Eduardo Titão Motta é Advogado Criminalista. Doutorando e Mestre em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em ciências policiais e especialista em investigação policial (APMG/PMPR); Capitão da reserva não remunerada da Polícia Militar do Paraná, tendo prestado mais de 15 anos de serviços ao Órgão. Foi membro do Setor de Polícia Judiciária e Investigação Criminal da Corregedoria-Geral da PMPR (2012-2016 e 2019-2021) e Diretor Administrativo e de compras públicas da Secretaria de Estado da Segurança Pública – SESP/PR (2019). Professor de processo penal e de Investigação Defensiva.
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