Juiz não pode impedir reexame de acordo de não persecução penal

Por: Migalhas

A 2ª turma do STF mandou a câmara de coordenação e revisão do MP reexaminar a negativa de acordo de não persecução penal a uma venezuelana, condenada por tráfico de droga.

Na ausência de manifesta inadmissibilidade de ANPP - Acordo de Não Persecução Penal, juiz de 1º grau não pode impedir reexame de negativa do acordo em órgão superior do Ministério Público.

Com esse entendimento, a 2ª turma do STF determinou que a câmara de coordenação e revisão do MP reanalise a negativa de acordo de não persecução penal a uma venezuelana, usada como mula, em tráfico de drogas. No caso, o juiz de 1º grau havia indeferido a remessa dos autos ao órgão.

Na origem, trata-se de uma mulher venezuelana que, em tese, desempenhava um papel de "mula" no tráfico de drogas. Ou seja, ela era usada por traficantes para transportar a droga. A venezuelana foi presa preventivamente por tráfico internacional de drogas e, no caso, foi reconhecida a condição de tráfico privilegiado. Posteriormente, a ré foi condenada a mais de 4 anos em regime semiaberto.

A defesa da venezuelana, pela DPU, pretendia a celebração do acordo de não persecução penal com o MP, em razão da aplicação do redutor da pena da mulher por tráfico privilegiado. No entanto, o acordo foi recusado pelo MP sob o fundamento de não ser cabível o acordo, em razão da pena mínima e da gravidade do delito - tráfico de drogas.

Diante da negativa, a defesa acionou a Justiça; no entanto, o juízo de 1º grau indeferiu a remessa dos autos à câmara de coordenação e revisão do MP.

Reexame

Ao apreciar o caso, Gilmar Mendes, relator, entendeu que é inviável o acolhimento do pedido de reconhecimento judicial do direito ao ANPP. O ministro invocou dispositivos que estabelecem que não cabe ao Judiciário a imposição de acordo de não persecução penal.

No entanto, Gilmar Mendes atendeu o pedido da DPU, no que se refere à remessa dos autos ao órgão superior de coordenação e revisão do MP sobre o ANPP. Para o relator, não é legítimo que o Judiciário controle a recusa do ANPP quanto ao seu mérito a impedir a remessa ao controle superior no MP.

"A defesa tinha direito ao reexame da negativa apresentada pelo representante do MP em 1º grau, sendo ilegítima a recusa do julgador que impediu a remessa."

No caso concreto, Gilmar Mendes salientou que a inadmissibilidade do acordo não era manifesta, já que a pena mínima de cinco anos ao tráfico aplicado o redutor em fração proporcional ao caso, poderia ser cabível o ANPP.

O entendimento do ministro foi seguido por unanimidade pela 2ª turma.

Ricardo Lewandowski acompanhou Gilmar Mendes em maior extensão, pois entendeu que o juízo de piso não pode deliberar até que sobrevenha conclusão da câmara de coordenação e revisão do MP.


Terceira Seção admite que tempo de recolhimento domiciliar com tornozeleira seja descontado da pena

Fonte: STJ

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, definiu ser possível o benefício da detração no caso de cumprimento da medida cautelar de recolhimento domiciliar cumulada com fiscalização eletrônica. Segundo o artigo 42 do Código Penal, é permitido descontar da pena privativa de liberdade o tempo de prisão provisória cumprida no Brasil ou no exterior.

O colegiado entendeu que, embora o recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga, juntamente com o uso de tornozeleira eletrônica – previstos no artigo 319, incisos V e IX, do Código de Processo Penal (CPP) –, não constituam pena privativa de liberdade, as limitações a que a pessoa fica submetida se assemelham ao cumprimento de pena em regime prisional semiaberto.

"Interpretar a legislação que regula a detração de forma que favoreça o sentenciado harmoniza-se com o princípio da humanidade, que impõe ao juiz da execução penal a especial percepção da pessoa presa como sujeito de direitos", afirmou a relatora do processo, ministra Laurita Vaz.

Por sugestão do ministro Rogerio Schietti Cruz – que alertou para o fato de que o recolhimento noturno, diferentemente da prisão preventiva, tem restrições pontuais ao direito de liberdade –, a seção decidiu que o cálculo da detração considerará a soma da quantidade de horas efetivas de recolhimento domiciliar com monitoração eletrônica, as quais serão convertidas em dias para o desconto da pena.

Assim, o tempo a ser aferido para fins de detração é somente aquele em que o acautelado se encontra obrigatoriamente recolhido em casa, não sendo computado o período em que lhe é permitido sair.

Mesma razão, mesma regra

Ao proferir seu voto, a relatora destacou que impedir a detração no caso de apenado que foi submetido às cautelares de recolhimento domiciliar noturno e em dias não úteis e monitoração eletrônica significaria sujeitá-lo a excesso de execução, "em razão da limitação objetiva à liberdade concretizada pela referida medida".

Para a ministra, a medida cautelar, que impede o indivíduo de sair de casa após o anoitecer e em dias não úteis, tem efeito semelhante ao do regime semiaberto, pois o obriga a se recolher. "Onde existe a mesma razão fundamental, aplica-se a mesma regra jurídica", afirmou.

A magistrada lembrou ainda que a jurisprudência do STJ admite, quando presentes os requisitos do artigo 312 do CPP, que a condenação em regime semiaberto produza efeitos antes do trânsito em julgado da sentença. Dessa forma, ponderou que seria "incoerente" impedir que o recolhimento domiciliar com fiscalização eletrônica – o qual pressupõe a saída de casa apenas durante o dia e para trabalhar – fosse descontado da pena.

Além disso, a relatora salientou que, conforme orientação sedimentada na Quinta Turma do STJ, as hipóteses do artigo 42 do Código Penal não são taxativas, motivo pelo qual não há violação do princípio da legalidade.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 455097

As alterações promovidas pela Lei Anticrime no instituto da Colaboração Premiada: a vedação às sanções extralegais.

Por Milena Holz Gorges

A Colaboração Premiada pode ser conceituada como um acordo realizado entre acusador e defesa, objetivando facilitar a persecução penal em troca de benefícios ao colaborador, garantindo ao investigado um prêmio por sua confissão e auxílio nas investigações, prestados de forma voluntária[1]. Nos termos do artigo 3°-A da Lei n° 12.850/13, a colaboração premiada é um negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe a existência de utilidade e interesse públicos.

No ordenamento jurídico brasileiro, o mecanismo negocial da colaboração premiada não possui previsão e regulamentação em um único diploma. Além da Lei n° 9.807/99, que é o diploma geral sobre o tema, existem várias outras hipóteses específicas de delação premiada, como, por exemplo, nos crimes hediondos (art. 8°, parágrafo único, da Lei 8.072/90), nos crimes contra o sistema financeiro nacional (art. 25, §2°, da Lei 7.492/86) e organização criminosa (art. 4° da Lei 12.850/13).

Assim, verifica-se que o assunto não recebeu do legislador tratamento sistemático e uniforme, motivo pelo qual muitas questões são cotidianamente resolvidas nos próprios casos concretos pelos tribunais. Um grande exemplo disso está nos vários acordos de colaboração premiada formalizados no âmbito da Operação Lava Jato que inovaram em diversos aspectos, inclusive com a previsão de regimes diferenciados de execução de penas e regulação de imunidade a familiares e terceiros ao acordo.

Atendo-se mais especificamente à concessão de benefícios extralegais aos colaboradores, verifica-se que, antes da entrada em vigência da Lei Anticrime, não havia nenhuma restrição ou regulamentação acerca dos benefícios concedidos ao colaborador. Quando da homologação do acordo, originariamente, o §7° do artigo 4° da Lei n° 12.850 preconizava que deveriam ser verificadas a regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo, tratando-se, portanto, de mero juízo de legalidade.

Neste cenário, era do entendimento do Supremo Tribunal de Federal, consolidado no Agravo Regimental no Inquérito nº 4405[2], que a fixação de sanções premiais não expressamente previstas na Lei nº 12.850/13, mas aceitas de modo livre e consciente pelo investigado não acarretaria a invalidade do acordo. Entendia-se, portanto, que a concessão de benefícios extralegais não consistiria em uma violação ao princípio da legalidade, o qual apenas vedaria a imposição de penas mais graves do que as previstas em lei.

Sob essa ótica, tudo aquilo que não fosse vedado pelo ordenamento jurídico e não agravasse a situação do colaborador poderia ser negociado, desde que razoável, sob o fundamento de que isto seria próprio da natureza das relações negociais[3].

Apesar de esta vertente ter sido muito aplicada nos casos da Lava Jato, é importante mencionar que a questão nunca foi pacífica nos tribunais brasileiros. Pode-se citar como exemplo a Petição 7265, em que o Relator, Ministro Ricardo Lewandowski, deixou de homologar acordo de colaboração premiada que previa regime diferenciado de cumprimento de pena. Na oportunidade, o Ministro destacou que “validar tal aspecto do acordo, corresponderia permitir ao Ministério Público atuar como legislador. Em outras palavras, seria permitir que o órgão acusador pudesse estabelecer, antecipadamente, ao acusado, sanções criminais não previstas em nosso ordenamento jurídico”[4].

De modo a solucionar o conflito de decisões, a Lei Anticrime alterou o parágrafo 7º do artigo 4º da Lei nº 12.850, passando a dispor que o juiz, no momento da homologação do acordo, deve analisar, além da regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo, alguns outros aspectos, dentre eles a adequação dos benefícios pactuados àqueles previstos no caput e nos parágrafos 4º e 5º do mesmo artigo. Ainda, o §7°-B do artigo 4° prevê a nulidade das cláusulas que violem o critério de definição de regime inicial de cumprimento de pena, as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na Lei de Execução Penal e os requisitos de progressão de regime.

Quanto a essas alterações, primeiramente deve-se pontuar que o exame de constitucionalidade, convencionalidade e eventual abusividade das cláusulas do acordo é, tipicamente, um juízo de legalidade, na medida em que busca garantir que os benefícios concedidos estejam expressamente permitidos pela lei[5]. Essa análise, portanto, não constitui análise indevida do mérito do acordo por parte do juiz no momento da homologação.

Quanto às justificativas para a impossibilidade de concessão de benefícios não previstos pelo legislador, estas são as mais variadas. Um primeiro obstáculo encontra-se no princípio da legalidade, já que o Ministério Público não poderia oferecer ao delator um benefício que não se encontre previsto em lei específica, já que não possui atribuição para disciplinar as penas a serem cominadas ao acusado[6]. Nesse sentido, Vinicius Gomes de Vasconcellos[7] pontua que a aceitação de um modelo irrestrito e não balizado pelas previsões normativas incentiva condutas ilegítimas.

Ainda que se argumente que na seara da justiça negocial haveria a possibilidade de ampla negociação dos benefícios entre os órgãos persecutórios do Estado e o potencial colaborador, com base nos princípios da autonomia privada, boa-fé e eficiência, destaca-se que não podem ser deixadas de lado as garantias do devido processo legal. No ordenamento jurídico pátrio, a justiça criminal negocial precisa, necessariamente, respeitar os critérios definidos pelo legislador, em respeito ao princípio da legalidade, que nos é tão caro.

Não obstante em um primeiro momento possa parecer que a concessão de benefícios não previstos pelo ordenamento, mas mais benéficos ao réu, estaria em conformidade com a legalidade, há de se apontar que existem consequências nefastas para essa abertura, que esvaziam os limites do instituto da colaboração premiada, além de enfraquecer direitos e garantias fundamentais[8].

Diante disso, parece que foi acertada a decisão do legislador em adequar os benefícios a serem concedidos aos potenciais colaboradores às disposições legais, limitando o regime da colaboração premiada ao máximo respeito à legalidade. Inclusive porque, a fim de evitar arbitrariedades jurisdicionais, que tratem desigualmente réus cujas colaborações obtiveram resultados semelhantes, os benefícios concedidos devem ficar dentro de certos parâmetros legais.

 


Milena Holz Gorges: Acadêmica de Direito da UFPR.


REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei n° 7.492, de 16 de Junho de 1986. Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7492.htm> Acesso em 12/03/2021.

BRASIL, Lei nº 8.072, de 25 de Julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XVIII, da Constituição Federal e determina outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm> Acesso em 11 de Janeiro de 2021.

BRASIL, Lei n° 9.807/99, de 13 de Julho de 1999. Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção às vítimas e as testemunhas ameaçadas, institui o Programa federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9807.htm> Acesso em 12/03/2021.

BRASIL, Lei nº 12.850, de 2 de Agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm> Acesso em 11 de Janeiro de 2021.

BRASIL, Lei nº 12.964, de 24 de Dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm> Acesso em 11 de Janeiro de 2021.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. AgRg no Inq n. 4.405 – DF, STF, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 27.2.2018, publicado no DJ em 5.4.2018

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. PET 9265/DF. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Julgado em 14/11/2017

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Questão de Ordem na Petição nº 7074/DF, Relator Ministro Edson Fachin. Julgado em 29/06/2017.

JARDIM, Afrânio Silva. Acordo de cooperação premiada. Quais são os limites?. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, ano 10, v. 17, n.1, jan.-jun. 2016. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/23110> Acesso em 12/03/2021.

SANTOS, Marcos Paulo Dutra. Comentários ao pacote anticrime. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020.

VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração Premiada no Processo Penal [livro eletrônico]. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017

[1] VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração Premiada no Processo Penal [livro eletrônico] - 1. ed. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2017, p. 60-62.

[2] AgRg no Inq n. 4.405 – DF, STF, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 27.2.2018, publicado no DJ em 5.4.2018

[3] Voto do Ministro Luís Roberto Barroso na Questão de Ordem na Petição nº 7074/DF, Relator Ministro Edson Fachin. Julgado em 29/06/2017, p. 65-66.

[4] PET 9265/DF. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Julgado em 14/11/2017, p. 23.

[5] SANTOS, Marcos Paulo Dutra. Comentários ao pacote anticrime. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020, p. 378.

[6] JARDIM, Afrânio Silva. Acordo de cooperação premiada. Quais são os limites? Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, ano 10, v. 17, n.1, jan.-jun. 2016, p. 3. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/23110> Acesso em 12/03/2021.

[7] VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração Premiada no Processo Penal [livro eletrônico]. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 237.

[8] VASCONCELLOS. Op cit., p. 239-240.


Congresso derruba vetos ao pacote anticrime

Fonte: Agência Senado

O Senado confirmou nesta segunda-feira (19), em sessão do Congresso Nacional, votação da Câmara dos Deputados pela derrubada parcial ao veto (VET) 56/2019, que barrou 24 dispositivos do Pacote Anticrime. Sancionada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, a Lei 13.964, de 2019, modifica a legislação penal e a processual penal. Com a derrubada do veto, 16 dos 24 dispositivos serão inseridos na lei. Os textos vão à promulgação presidencial.

Os vetos rejeitados pelos parlamentares são os seguintes:

Fuzis

O projeto aprovado pelo Congresso (PL 6.341/2019) incluía mais uma qualificadora para o crime de homicídio (artigo 121 do Código Penal): o uso de arma de fogo de uso restrito ou proibido. O presidente da República vetou esse dispositivo por entender que a medida “viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena cominada”.

Além disso, segundo o Palácio do Planalto, poderia gerar insegurança jurídica aos agentes de segurança pública. “Esses servidores poderão ser severamente processados ou condenados criminalmente por utilizarem suas armas, que são de uso restrito, no exercício de suas funções para defesa pessoal ou de terceiros ou, ainda, em situações extremas para a garantia da ordem pública, a exemplo de conflito armado contra facções criminosas”.

Internet e crimes contra a honra

O texto original triplicava a pena para crimes contra a honra cometidos ou divulgados em redes sociais ou na rede mundial de computadores. Para Jair Bolsonaro, a medida viola o princípio da proporcionalidade. Além disso, segundo ele, a legislação atual já permite o agravamento da pena em um terço “na hipótese de qualquer dos crimes contra a honra ser cometido por meio que facilite a sua divulgação”.

Juiz de garantias

O PL 6.341/2019 dava prazo de 24 horas para apresentação do preso ao juiz de garantias, em audiência com participação do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído, sendo proibida a videoconferência. Para o presidente da República, “suprimir a possibilidade da realização da audiência por videoconferência gera insegurança jurídica”.

Ainda de acordo com o Palácio do Planalto, “o dispositivo pode acarretar em aumento de despesa, notadamente nos casos de juiz em vara única, com apenas um magistrado, seja pela necessidade de pagamento de diárias e passagens a outros magistrados para a realização de uma única audiência, seja pela necessidade premente de realização de concurso para a contratação de novos magistrados”. Com a derrubada do veto, a audiência de custódia só poderá ser por videoconferência durante a pandemia.

Defensoria Pública para agentes de segurança

O projeto também tinha três itens relativos à defesa de servidores da área de segurança pública investigados por crimes praticados com uso de força letal no exercício da profissão. Nesse caso, os profissionais poderiam contar com a assistência de um defensor público caso eles mesmos não indicassem um advogado ou se a instituição na qual trabalham também não indicasse um defensor.

Bolsonaro vetou os tópicos por entender que a Constituição já prevê a competência da Advocacia-Geral da União e das Procuradorias dos estados e do Distrito Federal para “representar judicialmente seus agentes públicos”.

Extração de DNA

O PL 6.341/2019 previa a extração obrigatória de DNA de condenados por crime doloso praticado com violência grave. A mesma regra valeria para condenados por crimes contra a vida, contra a liberdade sexual e crimes sexuais contra vulnerável. Para o presidente da República, a medida “contraria o interesse público” por excluir “alguns crimes hediondos considerados de alto potencial ofensivo”, como o genocídio, o porte ilegal de arma de fogo de uso restrito.

O projeto aprovado pelo Congresso também previa regras para o uso e descarte de amostra biológica para a identificação de perfis genéticos. O texto vedava o uso do material para a fenotipagem genética ou a busca familiar. Bolsonaro vetou o comando por entender que a utilização da amostra para fenotipagem e busca familiar poderia “auxiliar no desvendamento de crimes reputados graves”, como o estupro. Além disso, o descarte imediato da amostra biológica poderia prejudicar a defesa do acusado, que ficaria impedido de solicitar um novo teste para fins probatórios.

Ainda de acordo com o PL 6.341/2019, a coleta da amostra biológica e a elaboração do laudo seriam realizadas por perito oficial. O presidente da República vetou por entender que a coleta deve ser apenas “supervisionada pela perícia oficial, não necessariamente realizada por perito oficial”. “Tal restrição traria prejuízos à execução da medida e até mesmo a inviabilizaria em alguns estados em que o número de peritos oficiais é insuficiente”, argumenta.

Bom comportamento e progressão de regime 

A Lei de Execução Penal define que o bom comportamento é um dos requisitos para o preso obter a progressão de regime. E o cometimento de falta grave interrompe o prazo para a obtenção do benefício, caso em que o reinício da contagem terá como base a pena remanescente.

Conforme o novo texto aprovado pelo Parlamento, o bom comportamento poderia ser readquirido um ano após a ocorrência da falta cometida pelo encarcerado, o que, para o Executivo, poderia gerar “a percepção de impunidade” e assegurar “benesses aos custodiados”.

“A concessão da progressão de regime depende da satisfação de requisitos não apenas objetivos, mas, sobretudo de aspectos subjetivos, consistindo este em bom comportamento carcerário, a ser comprovado, a partir da análise de todo o período da execução da pena, pelo diretor do estabelecimento prisional".

Captação ambiental

O PL 6.341/2019 autorizava a instalação do equipamento de captação ambiental por meio de operação policial disfarçada ou no período noturno, exceto na casa do investigado. Para o presidente da República, a redação esvazia o comando ao retirar a casa de seu alcance.

Bolsonaro vetou ainda a medida que autorizava a utilização de gravação feita por um dos interlocutores, sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público, desde que usada em matéria de defesa e demonstrada a integridade da gravação.

Para o presidente, a medida limitaria o uso da prova apenas pela defesa. “Contraria o interesse público uma vez que uma prova não deve ser considerada lícita ou ilícita unicamente em razão da parte que beneficiará, sob pena de ofensa ao princípio da lealdade, da boa-fé objetiva e da cooperação entre os sujeitos processuais, além de se representar um retrocesso legislativo no combate ao crime”, disse na justificativa do veto.

Vetos mantidos

Os oito vetos mantidos pelo Congresso estão relacionados à Lei de Improbabilidade Administrativa. Os dispositivos listados no veto presidencial tratavam da possibilidade de o Ministério Público celebrar acordo de não persecução cível nas ações de improbidade desde que observadas algumas condições, como: ressarcimento integral do dano; reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem indevida obtida; e pagamento de multa de até 20% do valor do dano ou da vantagem auferida.

O governo vetou a medida por considerar que “contraria o interesse público, gera insegurança jurídica e representa retrocesso da matéria”.

 


Ação contra perda de direitos políticos por improbidade administrativa irá direto ao Plenário

Fonte: STF

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu levar para julgamento definitivo pelo Plenário a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6678, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), contra dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) que prevê a perda de direitos políticos do agente público que praticar ato de improbidade. O relator dispensou a análise do pedido de liminar e adotou o rito do artigo 12 da Lei das ADIs (Lei 9.868/1999).

O PSB pretende que a incidência da suspensão dos direitos políticos prevista no inciso II do artigo 12 da lei se restrinja aos atos dolosos (intencionais) e que seja excluída a expressão “suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos” do inciso III. Segundo argumenta, essa previsão é desproporcional, pois trata de forma semelhante os casos em que houve a intenção de cometer o ato de improbidade e os casos em que, por alguma razão, tenha havido mero atraso numa prestação de contas, por exemplo. A seu ver, a perda dos direitos políticos é uma "sanção excepcionalíssima", somente autorizada nos casos de atos dolosos de improbidade administrativa que configurem lesão ao erário e enriquecimento ilícito.

A ação foi distribuída ao ministro Marco Aurélio por prevenção, pois relatou a ADI 4295, julgada improcedente pelo Plenário. Ao adotar o rito abreviado para o julgamento da ação, o relator pediu manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU) e parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR).

AR/CR//CF

Leia mais:

12/5/2010 - Supremo julga improcedente ADI contra Lei de Improbidade Administrativa


Majorante sobressalente pode entrar na primeira ou segunda fase da dosimetria, decide Terceira Seção

Fonte: STJ 

Em julgamento que pacificou a interpretação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema, a Terceira Seção concluiu ser possível o deslocamento de majorante sobejante (aquela ainda não considerada) para a primeira ou segunda fases da dosimetria da pena. Para o colegiado, além de não contrariar o sistema trifásico da dosimetria, a movimentação da majorante sobressalente é a medida que melhor se compatibiliza com o princípio da individualização da pena.

"De fato, as causas de aumento (terceira fase), assim como algumas das agravantes, são, em regra, circunstâncias do crime (primeira fase) valoradas de forma mais gravosa pelo legislador. Assim, não sendo valoradas na terceira fase, nada impede sua valoração de forma residual na primeira ou na segunda fases", afirmou o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, cujo entendimento prevaleceu.

A discussão teve origem em ação na qual uma mulher foi condenada, com outros réus, à pena de dez anos e seis meses de reclusão, em regime inicial fechado, por roubo triplamente circunstanciado – pena que foi reduzida para sete anos e cinco meses pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

Por meio de habeas corpus, a defesa alegou que a existência de três causas especiais de aumento não justificaria a elevação da pena-base, da pena intermediária e, ainda, o aumento na terceira fase, em virtude do chamado bis in idem.

Patamares fixos e ​​variáveis

O ministro Reynaldo Soares da Fonseca apontou inicialmente que não seria possível dar tratamento diferenciado às causas de aumento que trazem patamares fixos e àquelas que indicam patamares variáveis, por considerar não haver utilidade nessa distinção.

"Ademais, eventual conclusão no sentido de que uma interpretação a contrario sensu do parágrafo único do artigo 68 do Código Penal ensejaria a valoração de todas as causas de aumento, previstas no mesmo dispositivo legal, na terceira fase da dosimetria, albergaria, a meu ver, não apenas as majorantes com patamar variável, mas igualmente aquelas com patamar fixo", apontou.

O ministro explicou que o sistema trifásico prevê que a fixação da pena observará três fases: a fixação da pena-base, por meio da valoração das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal; a fixação da pena intermediária, com a valoração das atenuantes e agravantes; e a pena definitiva, após a incidência das causas de diminuição e aumento da pena.

Segundo o ministro, o Código Penal não atribui um patamar fixo às circunstâncias judiciais nem às agravantes, as quais devem ser aplicadas de acordo com o livre convencimento motivado do magistrado, observando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Já as causas de aumento e de diminuição, observou, apresentam os patamares que devem ser utilizados, de forma fixa ou variável.

Perigo de subv​​​​ersão

Por essas razões, da mesma forma como ocorre em relação ao crime qualificado, quando já existe uma circunstância que qualifique ou eleve a pena – o que autoriza a alteração do preceito secundário ou a incidência de fração de aumento –, o ministro considerou correto o entendimento majoritário do STJ segundo o qual as qualificadoras e majorantes sobressalentes podem ser valoradas na primeira ou na segunda fases.

De acordo com Reynaldo Soares da Fonseca, assim como a existência de mais de uma qualificadora não modifica o tipo penal nem o preceito secundário, a existência de mais de uma majorante também não permite a retirada da fração de aumento do mínimo, tendo em vista que, conforme a Súmula 443 do STJ, o aumento na terceira fase do cálculo da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente a mera indicação do número de majorantes.

"Nesse contexto, a desconsideração, tanto da qualificadora quanto da majorante sobressalentes, acaba por violar o princípio da individualização da pena, o qual preconiza a necessidade de a pena ser aplicada em observância ao caso concreto, com a valoração de todas as circunstâncias objetivas e subjetivas do crime".

Além disso, para o ministro, a desconsideração das majorantes sobressalentes na dosimetria acabaria por subverter a própria individualização da pena prevista pelo legislador, uma vez que as circunstâncias consideradas mais graves, a ponto de serem tratadas como causas de aumento, seriam desprezadas.

Com base nesses parâmetros, o ministro fez nova dosimetria da pena e fixou a condenação da ré em sete anos de reclusão, em regime inicial fechado.

Leia o acórdão.​​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 463434

Sexta Turma reafirma invalidade de prova obtida pelo espelhamento de conversas via WhatsApp Web

Fonte: STJ notícias

​Por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou entendimento já firmado pelo colegiado para declarar que não podem ser usadas como provas as mensagens obtidas por meio do print screen da tela da ferramenta WhatsApp Web.

No caso julgado, o recorrente e dois corréus foram denunciados por corrupção. Segundo os autos, telas salvas com diálogos obtidos a partir do WhatsApp Web teriam sido entregues por um denunciante anônimo aos investigadores.

No recurso, a defesa alegou constrangimento ilegal sob o argumento de que os prints das telas de conversas, juntados à denúncia anônima, não têm autenticidade por não apresentarem a cadeia de custódia da prova.

O relator, ministro Nefi Cordeiro, afirmou que não se verificou ilegalidade no inquérito policial, pois, após a notícia anônima do crime, foi adotado um procedimento preliminar para apurar indícios de conduta delitiva, antes de serem tomadas medidas mais drásticas, como a quebra do sigilo telefônico dos acusados.

Sem vestígios

O magistrado esclareceu que as delações anônimas não foram os únicos elementos utilizados para a instauração do procedimento investigatório, como demonstra o acórdão proferido no RHC 79.848.

Ele apontou ainda que o tribunal estadual não entendeu ter havido quebra da cadeia de custódia, pois nenhum elemento probatório demonstrou adulteração das conversas espelhadas pelo WhatsApp Web ou alteração na ordem cronológica dos diálogos.

No entanto, destacou o relator, a Sexta Turma tem precedente que considera inválida a prova obtida pelo espelhamento de conversas via WhatsApp Web, porque a ferramenta permite o envio de novas mensagens e a exclusão de mensagens antigas ou recentes, tenham elas sido enviadas pelo usuário ou recebidas de algum contato, sendo que eventual exclusão não deixa vestígio no aplicativo ou no computador (RHC 99.735).

"As mensagens obtidas por meio do print screen da tela da ferramenta WhatsApp Web devem ser consideradas provas ilícitas e, portanto, desentranhadas dos autos", afirmou.

Ao dar parcial provimento ao recurso, apenas para declarar nulas as mensagens obtidas por meio do print screen da tela do WhatsApp Web, o ministro determinou o desentranhamento dessas mensagens dos autos, mantendo as demais provas produzidas após as diligências prévias que a polícia realizou em razão da notícia anônima.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.


STJ tranca ação penal baseada em interceptação telefônica ilegal

Fonte: Migalhas 

O paciente foi preso em flagrante e denunciado, juntamente com oito corréus, como incurso nos crimes de tráfico e associação para o tráfico de drogas. Aos argumentos de nulidade por cerceamento de defesa e inépcia da denúncia, a defesa impetrou habeas corpus na Corte de origem, que denegou a ordem.

Ao STJ, a defesa do paciente alegando constrangimento ilegal na manutenção da ação penal. Sustentou que a defesa técnica foi cerceada em razão de conduta do magistrado singular, que se omitiu na entrega de mídia solicitada, bem como não analisou "grampo ilegal".

O relator, ministro Sebastião Reis Jr. lembrou julgamento de sua relatoria (HC 159.711), que foi concedida a ordem para anular todas as provas decorrentes da interceptação telefônica considerada ilegal na ação penal que o paciente responde.

"Não verifiquei terem as acusações partido de uma fonte independente, estando contaminadas pelas interceptações declaradas ilegais, pois somente por meio dos diálogos captados foi possível identificar os acusados, sua movimentação entre Estados da Federação, bem como os locais de desembarque, incluindo a movimentação financeira do grupo e a atribuição de cada um na referida associação, cujo vínculo estável e permanente também só foi possível evidenciar por meio da interceptação telefônica."

Diante disso, concedeu a ordem para trancar a ação penal em relação a todos os acusados, sem prejuízo de que outra denúncia seja oferecida pelo Ministério Público, desde que calcada em elementos de informação que não decorram das interceptações declaradas ilegais.

O advogado João Vieira Neto, do escritório João Vieira Neto Advocacia Criminal, autor da impetração do habeas corpus, comentou a decisão.

"É de se notar que o socorro ao direito à ampla defesa, a despeito de ter sido acolhido após 13 anos dos fatos, não foi tardio, pois a Justiça foi realizada dentro da legalidade, com prisma em respeito as garantias constitucionais e respeitadas as regras do jogo processual penal."

  • Processo: HC 167.152

Veja o acórdão.


Não é possível a conversão ex offício da prisão em flagrante em preventiva, mesmo nas situações em que não ocorre audiência de custódia, diz STJ.

Fonte: Informativo nº 0686

Discute-se acerca da possibilidade de se decretar a prisão preventiva de ofício, mesmo se decorrente de prisão flagrante e mesmo se não tiver ocorrido audiência de custódia, em face do que dispõe a Lei n. 13.964/2019, em razão da divergência de posicionamento entre as Turmas criminais que compõem esta Corte Superior de Justiça.

Contudo, após o advento da Lei n. 13.964/2019, não é mais possível a conversão da prisão em flagrante em preventiva sem provocação por parte ou da autoridade policial, do querelante, do assistente, ou do Ministério Público, mesmo nas situações em que não ocorre audiência de custódia.

Nesse sentido, deve-se considerar o disposto no art. 3º-A do CPP, que reafirma o sistema acusatório em que o juiz atua, vinculado à provocação do órgão acusador; no art. 282, § 2º, do CPP, que vincula a decretação de medida cautelar pelo juiz ao requerimento das partes ou quando, no curso da investigação criminal, à representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público; e, finalmente, no art. 311, também do CPP, que é expresso ao vincular a decretação da prisão preventiva a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou à representação da autoridade policial.

Vale ressaltar que a prisão preventiva não é uma consequência natural da prisão flagrante, logo é uma situação nova que deve respeitar o disposto, em especial, nos arts. 311 e 312 do CPP.

Não se vê, ainda, como o disposto no inciso II do art. 310 do CPP - possibilidade de o juiz converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos do art. 312 e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão - pode autorizar a conversão da prisão em flagrante em preventiva sem pedido expresso nesse sentido, já que tal dispositivo deve ser interpretado em conjunto com os demais que cuidam da prisão preventiva.

Dessa forma, pode, sim, o juiz converter a prisão em flagrante em preventiva desde que, além de presentes as hipóteses do art. 312 e ausente a possibilidade de substituir por cautelares outras, haja o pedido expresso por parte ou do Ministério Público, ou da autoridade policial, ou do assistente ou do querelante.

Por fim, a não realização da audiência de custódia (qualquer que tenha sido a razão para que isso ocorresse ou eventual ausência do representante do Ministério Público quando de sua realização) não autoriza a prisão, de ofício, considerando que o pedido para tanto pode ser formulado independentemente de sua ocorrência. O fato é que as novas disposições legais trazidas pela Lei n. 13.964/2019 impõem ao Ministério Público e à Autoridade Policial a obrigação de se estruturarem de modo a atender os novos deveres que lhes foram impostos.

 


RHC 131.263, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por maioria, julgado em 24/02/2021.


O Supremo Tribunal Federal e os limites do acordo de não persecução penal

Rodrigo Antonio Serafim e Jéssica Raquel Sponchiado

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) foi inserido no Art. 28-A do Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019 como instrumento para se efetivar a ideia de justiça penal consensual, sendo aplicável quando o investigado tiver confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça, desde que o delito tenha pena mínima inferior a quatro anos. De outro lado, as condições a serem cumpridas de forma cumulativa ou alternativa são: I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, IV – pagar prestação pecuniária à entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

Ressalta-se que o ANPP apresenta suma relevância, pois a celebração e o cumprimento do acordo não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º do Art. 28-A, CPP, assim como, uma vez cumprido integralmente, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.

De acordo com dados do Ministério Público Federal, os crimes de maior incidência dos acordos são: contrabando ou descaminho, uso de documento falso, falsidade ideológica, estelionato, crimes contra o meio ambiente e o patrimônio, crimes contra a ordem tributária, falsificação de documento particular, estelionato majorado, crimes do sistema nacional de armas, fraudes, crimes contra a administração ambiental.

Para além destes delitos, tem tido destaque na mídia o alcance do acordo também no âmbito de crimes eleitorais. Como ilustração, menciona-se o Acordo de Não Persecução Penal firmado entre o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, e a Procuradoria-Geral da República, recentemente homologado pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal. Onyx Lorenzoni foi investigado pela prática do crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral, que diz respeito à falsidade ideológica eleitoral, conhecida, popularmente, como “Caixa 2”. A investigação partiu da homologação da colaboração premiada de executivos da J&F, os quais demonstraram repasses dos valores concernentes a R$ 100 mil, em 30/8/2012, e R$ 200 mil, em 12/9/2014, por meio de doações eleitorais não contabilizadas. Onyx confessou a prática do crime eleitoral a ele imputado, como condição de realização do ANPP, perante o qual firmou-se o compromisso de pagamento de prestação pecuniária no valor de R$ 189.145,00.

Referido caso ilustra a importância de compreensão do ANPP e do alcance de sua aplicabilidade, se, no caso mencionado, a propositura de uma ação penal resultasse em condenação, poderia torná-lo inelegível a mandatos eletivos.

Contudo, em sentido geral, pôde-se observar que diversos temas em torno da aplicação do ANPP restaram em aberto, com determinadas ambiguidades, omissões e problematizações, tais como: a natureza jurídica da norma inserida no mencionado artigo; o cabimento da aplicação retroativa em benefício do réu; a possibilidade de aplicá-lo quando o imputado não tiver confessado anteriormente, durante a investigação ou a ação penal. Estes temas serão definidos pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus nº 185.913/DF, cuja relatoria é do ministro Gilmar Mendes. Aguarda-se a pauta de julgamento para a decisão destas discussões em aberto, com destaque à retroatividade do instituto para condenações com trânsito em julgado.

Desse modo, aguarda-se o julgamento do Habeas Corpus perante o Plenário do STF para a definição de todas estas problemáticas que restaram não esclarecidas pelo meio legislativo.

 


*Rodrigo Antonio Serafim e Jéssica Raquel Sponchiado, sócios do escritório Alamiro Velludo Salvador Netto Advogados Associados.


https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-supremo-tribunal-federal-e-os-limites-do-acordo-de-nao-persecucao-penal/


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