Por Gustavo Alberine Pereira[1]
Prevê a Súmula 523 do STF: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. Não se trata de enunciado novo, entretanto o tema permanece atual. Trata-se, pois, de obrigação dos estudiosos do direito em geral, o exercício da crítica visando a sua análise e superação.
Dado o limite de espaço do presente (breve) texto não se abordará a noção de prejuízo, como requisito à declaração de nulidade no processo penal[2], mas principalmente a ideia de que seria admissível uma defesa técnica não efetiva no processo penal– desde que não cause prejuízos.
Ora, o prejuízo está na própria concepção de que é admissível uma defesa meramente formal (deficiente). Com efeito, trata-se de lição basilar, a exigência de paridade de armas e, portanto, de que tanto acusação quanto defesa sejam igualmente competentes. Conforme precisas lições de Fuzi Hassan Choukr: “Desta maneira é lícito concluir que o processo penal não se conforma com a mera existência formal do equilíbrio das partes ou mais exatamente, com a simples presença simbólica da defesa e dos defensor técnico, como é próprio do modelo inquisitivo de relação processual, mas clama pela efetivação do contraditório por meio de defesa técnica (ao lado da auto-defesa) de modo a vivificar a denominada acusatoriedade (…)”[3].
Assim sendo, quando a Constituição prevê, em seu art. 5º, inciso LV, a ampla defesa (pessoal e técnica), ela assegura o direito de todos os acusados em processos penais terem defesas efetivas. Vale dizer, no processo penal não existe “meia” defesa, ou esta é feita abalizada pela boa técnica, com efetividade e a paixão necessárias ao caso; ou não houve defesa.
É certo que a avaliação quanto a competência do advogado em determinado caso concreto pode ser igualmente tormentosa, contudo, além de poder ser objetivamente apontada (ou seja, a parte ou o próprio Tribunal poderem identificar a ato que poderia ser realizado em prol do acusado), pode-se caminhar no sentido de se estabelecer critérios mínimos para se auferir a conduta eticamente adequada e esperada de determinado defensor, tal como ocorreu nos Estados Unidos, que foi progressivamente desenvolvendo o tema[4].
A título exemplificativo, dentre os critérios estabelecidos pela jurisprudência norte americana, pode-se citar a exigência de avaliar se houve uma investigação defensiva independente por parte do advogado e se, dadas as condições então existentes, o advogado deixou de realizar alguma diligência ou ato que poderia influenciar na defesa do acusado[5].
Vale dizer, portanto, que a Súmula também por essas razões deve ser superada ou, ao menos, seria necessário que a jurisprudência e a doutrina especializada se debruçassem sobre os critérios para verificar o que se entende por defesa ineficiente.
[1] Advogado. Mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS, especialista em Direito Penal pelo ICPC. Conselheiro do IBDPE.
[2] Por todos, indispensável consulta a seguinte obra: GLOEKNER, Ricardo Jacobsen. Nulidades no Processo Penal. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
[3] CHOUKR, Fauzi Hassan. Iniciação ao Processo Penal. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. p. 142.
[4] MALAN, Diogo. Investigação defensiva no processo penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v.20, n.96, p.279-309, 2012.
[5] MALAN, Diogo. Investigação defensiva no processo penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v.20, n.96, p.279-309, 2012.
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