João Rafael de Oliveira[i]
O tema atinente ao cabimento do mandado de segurança contra decisão que decreta medida cautelar real (sequestro, arresto e hipoteca legal), a despeito da clareza solar do disposto no artigo 5º, II, da Lei 12.016/2009[ii] (Lei do Mandado de Segurança), ainda se encontra controverso no âmbito jurisprudencial.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça há diversas decisões que replicam antigo entendimento, segundo o qual é “descabida a utilização do mandado de segurança como forma de impugnar decisões judiciais proferidas em medidas cautelares de natureza penal (sequestro de bens, intervenção judicial em pessoa jurídica, quebra de sigilo bancário etc.), ante a proibição de manejo do mandado de segurança como substituto recursal – óbices do art. 5º, II, da Lei n. 12.016/2009 e do enunciado n. 267 do STF: “Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição[iii]“.
A supracitada súmula do Supremo Tribunal Federal data de 1995, época em que inexistia previsão legal de cabimento do writ of mandamus contra ato jurisdicional. Não obstante, rápida pesquisa na jurisprudência da Suprema Corte nos leva a diversos julgados que, mesmo em tal contexto, excepcionalmente, flexibilizavam o enunciado sumular para admitir o mandado de segurança impetrado contra decisão judicial impugnável mediante recurso desprovido de efeito suspensivo (RTJ 36/651 – RTJ 42/714 – RTJ 47/716 – RTJ 70/516 – RTJ 71/876 – RTJ 136/287, v.g.)[iv]
A questão, parece-nos, portanto, estar fundada na natureza jurídica do ato jurisdicional que se quer atacar, bem como na existência (ou não) de previsão de recurso, com efeito suspensivo, para impugná-lo.
Destarte, como é cediço, a decisão que decreta a medida cautelar patrimonial de sequestro de bens, arresto ou hipoteca legal, possui natureza jurídica de decisão interlocutória, proferida em incidente processual, que não possui força de definitiva, eis que, diante da própria natureza cautelar da medida, pode ser revogada a qualquer momento.
O Código de Processo Penal, por sua vez, não prevê o cabimento de nenhum recurso contra tal decisão, razão pela qual a sua impugnação, quando presente o direito líquido e certo, deve ser por meio da ação constitucional de mandado de segurança.
É o que leciona Eugenio Pacelli de OLIVEIRA, para quem “como exemplos de hipóteses de cabimento do mandado de segurança em matéria penal, alinharíamos o caso de decisão de indeferimento de habilitação do assistente( art. 268, CPP); de indeferimento de vista dos autos fora de cartório, em juízo (…); nos procedimentos de sequestro, arresto[v] (…)”.
Na mesma linha de raciocínio, ensina o eminente professor Gustavo Henrique BADARÓ que “o sequestro poderá ser atacado por meio de mandado de segurança contra ato judicial. (…) Os embargos do acusado, para atacar o sequestro, não são recurso e, muito menos, têm efeito suspensivo[vi]”.
Veja-se, tal raciocínio não se aplica à decisão proferida em incidente de restituição de coisa apreendida, que prolatada em procedimento com contraditório, possui força de decisão definitiva, atacável, neste caso, por Apelação, nos termos do artigo 593, II, do Código de Processo Penal.
De mais a mais, mesmo se adotássemos interpretação criativa que entendesse ser a decisão decretadora de medida cautelar recorrível por apelação, com base no artigo 593, II, do CPP, imperioso observar que tal recurso não é dotado de efeito suspensivo, consoante se infere do art. 597, do mesmo diploma normativo.
Com efeito, quer seja por um fundamento (não cabimento de recurso) ou por outro (cabimento de recurso carente de efeito suspensivo), não resta dúvida sobre a admissibilidade do mandado de segurança para impugnar ato jurisdicional que impõe medida cautelar patrimonial.
Convenha-se, não poderia ser diferente, pois não é difícil se imaginar situações em que a constrição cautelar indevida, e por vezes abusiva, demanda impugnação expedita, atingível apenas pela via do writ of mandamus. Pense-se, por exemplo, nos casos de constrição cautelar excessiva que, ao extrapolar o suposto dano ao erário objeto da investigação, inviabilize a atividade empresarial do acusado. Em tais hipóteses, seria desnecessário dizer, não se pode exigir do jurisdicionado que aguarde o processamento e julgamento do recurso de apelação.
Dessarte, não é sem razão que o legislador expressamente positivou na lei 12.016/2009 o excepcional cabimento do mandado de segurança para impugnação de ato jurisdicional contra o qual não caiba recurso com efeito suspensivo. Trata-se, como visto, de mecanismo que possibilita ao jurisdicionado, excepcionalmente, combater imediatamente decisão judicial ilegal que atente contra direito líquido e certo, nos termos em que, aliás, já era permitido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
[i] Doutorando em Direito pelo IDP. Mestre em Direito Processual Penal pela UFPR. Coordenador da Pós Graduação em Direito Penal e Processual Penal da ABDCONST. Professor de Direito Processual Penal do Centro Universitário Unibrasil. Diretor Financeiro do IBDPE. Advogado Criminal, sócio no Monteiro Rocha Advogados.
[ii] Art. 5o Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: II – de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;
[iii] RMS RMS 44.807/GO, Rel. Ministro REYNALDO
SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 16/8/2016.
[iv] Julgados citados no RMS 26.265 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16.9.2014.
[v] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 957-958.
[vi] BADARÓ, Gustavo Henrique. PROCESSO PENAL. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1058-1059.
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