GAECOS passam a ter competência para investigar crimes de corrupção

Fonte :Agência Brasil.

A equipe da lava-jato, que nos últimos anos teve uma intensa atuação nos rumos da política nacional, foi dissolvida nesta segunda-feira, 1, como informou o Ministério Público Federal.

Alguns dos integrantes da força-tarefa foram realocados para o Grupo de Atuação de Combate ao Crime Organizado do Estado, o GAECO, criado em 2013 e considerado referência no combate aos crimes organizados nos Ministérios Públicos estaduais e, por isso colocado à frente das investigações da sobre corrupção e crime organizado no país.

Dos procuradores que atuavam na operação, quatro passaram a integrar o GAECO do estado, que passou a contar com nove procuradores, designados até agosto de 2022. Os demais, cerca de dez membros, continuarão na operação até 1° de outubro deste ano sem dedicação exclusiva e de modo eventual, para depois voltar às suas lotações originárias.

Tais modificações – que já estavam previstas numa portaria publicada pela PGR desde dezembro do ano passado – fazem parte de uma reformulação das instituições de combate à corrupção e são amplamente defendidas pelo Procurador-Geral da República, Augusto Aras, o qual já vinha travando embates com o grupo desde 2020.

Também a força-tarefa da Lava-jato no Rio de Janeiro está passando por reestruturações, sendo transferida ao GAECO da região. Os procuradores, por sua vez, ainda aguardam a designação de suas novas funções. Aras ainda prorrogou, a pedido do grupo, o prazo final para a designação dos procuradores atuantes para 31 de março. Anteriormente, este terminaria no dia 31 de janeiro.

 

Lava-Jato no Paraná

  • 79 fases deflagradas
  • 130 denúncias
  • 533 acusados
  • 174 condenados
  • 1450 mandados de busca e apreensão
  • 211 conduções coercitivas
  • 163 prisões temporárias
  • 132 prisões preventivas
  • 209 acordos de colaboração premiada
  • 352 pedidos de cooperação com diversos países
  • 17 acordos de leniência
  • 15 bilhões aos cofres públicos.

 

 


A prova aparentemente "lícita" obtida por autoridade de má-fé é prova ilícita? "Um drible investigatório"

Por Catharina Araújo Lisbôa[1] e Pablo Domingues Ferreira de Castro[2].

Eis o caso (em abstrato), para que se torne este artigo mais didático e específico: Um Autoridade Policial que queria, por meio de exame grafotécnico, certificar se uma determina assinatura “conferia” (análise de traços, empunhaduras, etc.) com outro documento dito suspeito – objeto da discussão -. Ou seja, queria certificar se foi o mesmo punho que assinou dois documentos distintos.

Para que se deixe o corte temático muito bem delimitado do que se pretender discutir nestes comentários, não se trata, a hipótese, pois, daquela discussão da prova ilícita obtida de boa fé retratada naquele projeto incoerentemente chamado de “pacote anticrime” (curioso seria se alguém o nomeasse de pacote a favor do crime) que, ao fim e ao cabo, com a promulgação da lei nº 13.964, de 24 de dezembro 2019 acabou tendo a inconstitucional previsão sido (acertadamente) excluída. Afinal, o que é boa fé? Seria sempre aquela que a autoridade policial dissesse. Discussão atrasada e mais uma tentativa de importação dos equívocos norte-americanos. Sobre o tema e com melhor propriedade, confira-se artigo da Professora Fernanda Ravazzano[3].

Mas o caso é outro: O investigado é convocado a depor pela Autoridade Policial que o, após a oitiva, textualmente, convida para que forneça material grafotécnico para que se sujeite a perícia e análise da já dita eventual constatação de identidade de assinaturas em documentos distintos (é uma admoestação, convenhamos).

Expressamente, valendo-se do até então direito de não produzir prova contra si mesmo declara: “não quero fornecer material algum”.

Eis que exsurge o “drible jurídico” dado pela autoridade policial (o termo não é nosso, mas amolda-se à situação de modo cirúrgico): com a recusa de fornecimento de material gráfico, a Autoridade Policial colhe a assinatura que o investigado apôs na ATA de audiência e envia à perícia. A partir daí pouco importa o resultado (se confirmado ou não a identidade de grafias). O que se questiona é o método. Ou, no linguajar mais técnico (ou para alguns coloquial) o modus operandi, só que dessa fez feito por uma Autoridade.

O que impende questionar e o que compreende como hipótese e problema desse breve artigo é: pode uma Autoridade Policial engabelar um investigado e, mesmo com sua recusa expressa, colher material seu fornecido para assinatura de uma ATA de audiência (que é um documento com fins específicos: atestar que o que foi dito é por quem o subscreveu) que, frise-se, é o mesmo documento que contempla a sua recusa de fornecer material gráfico?

Assinar a ata, onde constou-se que não se deseja fornecer material gráfico, é um documento lícito. Ali, o investigado acusado, não só subscreveu e atestou o conteúdo daquilo que declarou, mas incluiu a manifestação de sua vontade de não produzir provas contra si.

Porém, questionar o acusado investigado e ter a recusa deste do fornecimento do material gráfico e, ainda assim, encaminhar um documento subscrito de boa-fé (sim, foi assinado, primeiro porque era uma ata e segundo porque nele consignou-se a recusa da obtenção da prova) à uma perícia grafotécnica por quem, a rigor, deve zelar pelas boas práticas dos atos procedimentais é notoriamente má fé (enganou-se o investigado!). Se a intenção do questionamento fosse irrelevante, não se necessitaria questioná-lo. Mas, se questionou, é porque tinha relevância a resposta. E, sabendo da recusa, encaminhar o material à perícia é uma ação de má fé. Não fosse necessária a aquiescência do investigado apenas se pegaria a ata e enviaria à perícia se nada lhe questionar a respeito. Simples.

Há dois trechos da obra dos Professores Rômulo de Andrade Moreia e Alexandre Morais da Rosa que retratam bem a fundamentação daquilo que se pretende concluir.

Eis o primeiro:

“Sendo assim, entendemos que o direito ao silêncio , declarado em nossa constituição, e o de não se declarar culpado, previstos em ambos os documentos internacionais desobrigam o indiciado ou o acusado, compulsoriamente a submeterem-se  a coleta matéria biológico para efeitos de identificação criminal (ou por qualquer outro método, fotográfico ou datiloscópico) sendo nulos “los posteriores analises genéticos que se pratiquen sobre dicho material”, “cuando se estime que la extraccion u obtencíon del material celular necessário para la pratica de la huella genética há vulnerado algum derecho fundamental (integridade física , intimidade, etc)”.[4](grifos dos autores)

Eis o segundo:

O drible investigatório todavia pode ser realizado mediante as formas e ilegais conduções coercitivas, já que o investigado acusado estará, mesmo que por certo tempo, sob a tutela estatal, dentro da repartição pública, momento em que eventuais fios de cabelo, saliva, excrementos, suor, etc, poderão ser captados pelo Estado. Todavia, manipulada dessa forma a obtenção será um ardil fraudulento, espécie de doping, pelo qual se fraudará a investigação.[5] (grifos dos autores).

O caso em exame é a junção das duas anomalias descritas pelos autores: uma colheita da prova contra expressa vontade de quem foi solicitado a submetê-la (investigado ou acusado) e promovida dentro da própria repartição pública, sob a tutela estatal.

É, pois, uma obtenção de prova manipulada, com um método fraudulento e ardiloso (é o tal modus operandi tanto verbalizado pelas Autoridades para acachapar os investigados no invencionismo chamado de “operação policial”. Uma fraude à própria investigação.

A prova é, sem receio do que agora se afirma, ilegal. Mas não somente ilícita, é antiética e imoral (não que estes dois valores importem ao direito) o que, num contexto de tantos discursos (muitas vezes inapropriados) confusos entre direito e ética, vale o registro: Autoridades também têm modus operandi e, por vez, agem de má fé. E, seja uma forma antiética ou imoral, para uma análise jurídica e abstrata, pouco importa. Releva é compreender que é uma prova ilícita e incompatível em um Estado Democrático de Direito. Alguém disse, certa feita (e talvez não exatamente com essas palavras, mas com esse mesmo sentido), que “não se precisa ter a valentia ao ponto de pôr a própria vida em risco e nem a covardia de não se exigir que seus direitos cívicos sejam exercidos”. Exigir o cumprimento da Constituição Federativa da República é um direito e dever cívico, não sejamos covardes.

Ora, não é preciso que se relembre, que o processo penal – e aí inclua-se a persecução penal composta por investigação preliminar, inquérito e ação penal, é, antes de tudo, uma garantia ao acusado-investigado frente ao próprio poder punitivo estatal, de maneira a que se tenha, a todo tempo, respeitado os seus direitos fundamentais, notadamente pelos entes públicos.

Para que se fique mais claro: não se quer questionar a Autoridade de quem as tem por atribuição Constitucional, questiona-se o método de quem obtém provas por meios ardilosos. Aí é mera exigência de um dever cívico de que a investigação transcorra em um ambiente legal e democrático.

Permitir ou convalidar modalidades de “dribles investigatórios” é, na verdade, uma desnaturação completa da função primordial do sistema acusatório e um retrocesso ao sistema inquisitorial.

 


[1] Advogada criminalista, especialista em Ciências Criminais, professora da pós-graduação em Ciências Criminais da Faculdade Baiana de Direito.

[2] Advogado criminalista, doutorando pelo IDP(DF), mestre pela UFBA, especialista pelo IBCCRIM, pós-graduado pela UFBA, professor de cursos de pós-graduação, coordenador adjunto da pós-graduação em Ciências Criminais da Faculdade Baiana de Direito.


[3] https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/371621378/sergio-moro-e-a-admissao-da-prova-ilicita-ha-boa-fe-na-ma-fe#:~:text=O%20Juiz%20S%C3%A9rgio%20Moro%2C%20em,Faith%20excepction%E2%80%9D%20do%20processo%20penal

[4] Rosa, Alexandre de Moraes da. Não vale tudo no processo penal: escritos marginais de dois outsiders/Alexande Moraes da Rosa, Rômulo de Andrade Moreira – 1 ed, Florianópolis [SC]: Emais: 2020. Fls. 26.

[5] Rosa, Alexandre de Moraes da. Não vale tudo no processo penal: escritos marginais de dois outsiders/Alexandre Moraes da Rosa, Rômulo de Andrade Moreira – 1 ed, Florianópolis [SC]: Emais: 2020. Fls. 27.


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Sobre a Proteção Penal da Reputação de Pessoas Jurídicas

Por Guilherme Brenner Lucchesi[1]

A honra figura como objeto de proteção jurídico-penal em todo o desenvolvimento do ordenamento jurídico brasileiro. O que tem se alterado com a passagem do tempo é o conteúdo desse objeto de proteção, tendo se discutido tratar de um bem integrado na personalidade da pessoa ou de um valor cuja preservação interessa à sociedade. Aqui se pode distinguir dois diferentes interesses merecedores de tutela jurídica, uma de ordem interna (subjetiva) e outra de ordem externa (objetiva). Honra subjetiva é consistida pela estima que a pessoa tem por si própria, referindo-se ao sentimento próprio de dignidade. Por outro lado, honra objetiva é formada pelos conceitos de consideração e respeito que as outras pessoas têm pelo indivíduo, a partir de sua reputação. Ambas estas facetas da honra são igualmente importantes à pessoa e recebem tutela penal no CP.

A legislação penal, nesse sentido, prevê três diferentes crimes contra a honra: calúnia (art. 138, CP), difamação (art. 139, CP) e injúria (art. 140, CP). Os crimes de calúnia e difamação buscam coibir a imputação de fatos ofensivos às pessoas, de modo que se objetiva proteger a reputação do sujeito passivo, isto é, maneira como ele é visto por outras pessoas de seu meio e convivência, o que se denomina honra objetiva. Por outro lado, ao coibir a ofensa à dignidade ou decoro do sujeito passivo, pela atribuição de vícios ou defeitos, ou mesmo pelo ultraje mediante palavra, gesto ou sinal insultante, o crime de injúria protege ao sentimento de auto respeitabilidade do sujeito passivo, o que se denomina honra subjetiva.

Há muito se discute quem pode ser vítima de um crime contra a honra. É certo que o sujeito passivo deve ser o destinatário nominado ou determinável, quando não for nominado, das ofensas proferidas pelo autor. Qualquer que seja sua condição pessoal, o indivíduo possui direito à sua reputação e sentimento de auto respeitabilidade. Porém, não é suficiente que o sujeito tenha se sentido ofendido pela linguagem do autor, e sim que a sua honra tenha sido diretamente atacada.

Há, porém, importante questão relativo à possibilidade de se considerar crime as ofensas dirigidas a pessoas jurídicas.

A visão tradicional das pessoas jurídicas como ficção é antiquada, e representa apenas uma dentre muitas teorias individualistas — i.e. que negam as realidades coletivas na estruturação da sociedade — da pessoa jurídica. O direito admite teorias voluntaristas e institucionais da pessoa jurídica[2], reconhecendo as pessoas jurídicas como uma realidade à parte das pessoas naturais e, portanto, dotadas de personalidade. É justamente este atributo personalidade que confere às pessoas jurídicas a possibilidade de figurar como sujeito passivo de ofensas à honra objetiva, pois dotadas de reputação que não se confunde com a reputação das pessoas naturais que integram a sua administração ou composição societária.

Para além de antecedentes legais que previam expressamente a punibilidade de ofensa à honra de entidades (art. 21, § 1.º, “a”, Lei de Imprensa; art. 28, Dec.-Lei 4.766/1942), contemporaneamente há especial preocupação com ética empresarial e compliance por parte de pessoas jurídicas, revelando um interesse na manutenção de sua reputação, não apenas na qualidade de produtos ou serviços oferecidos, mas também na própria noção de estrito cumprimento de regras pela entidade.

Apesar de a questão ainda não estar pacificada na jurisprudência, tem-se admitido que pessoa jurídica figure como sujeito passivo somente do crime de difamação.[3] Não se admite crime de injúria contra pessoa jurídica, por não haver um sentimento de dignidade ou decoro próprio dos entes personificados.

Por outro lado, ainda que também se trate de honra objetiva, igualmente não se tem admitido a tipificação de crime de calúnia contra pessoas jurídicas, por se entender que essas não cometem crimes (societas delinquere non potest). Parece olvidar-se, contudo, que a responsabilidade penal das pessoas jurídicas já é realidade em nosso ordenamento jurídico no que diz respeito aos crimes contra o meio-ambiente, ainda que fundada em um modelo de heterorresponsabilidade (art. 3.ª, Lei 9.605/1998). Ademais, diante das proposições legislativas em trâmite para a reforma da legislação penal brasileira, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas para outras espécies delitivas parece ser realidade premente, de modo que a jurisprudência quanto à (im)possibilidade de calúnia contra pessoa jurídica possa vir a ser atualizada em breve.

 


[1] Advogado sócio da Lucchesi Advocacia. Professor da Faculdade de Direito da UFPR. Doutor pela UFPR. Presidente do IBDPE.


[2] J. Lamartine Corrêa de Oliveira define a pessoa jurídica a partir de uma concepção ontológica-institucional com especial apoio na noção de analogia. A analogia “não é aqui utilizada no sentido pós-normativo em que aparece como recurso utilizado na aplicação da norma, mas no sentido pré-normativo de analogia entre as categorias da vida que funcionam como dado prévio ao construído normativo” (A dupla crise da pessoa jurídica, p. 16), não caracterizando ofensa à garantia de legalidade do Direto penal.

[3] “A pessoa jurídica pode ser vítima de difamação, mas não de injúria e calúnia. A imputação da prática de crime a pessoa jurídica gera a legitimidade do sócio-gerente para a queixa-crime por calúnia.” (STF, RHC 83091, rel. Min. Marco Aurélio, j. 05.08.2003).

Em sentido contrário: “Alguém, em todo o Direito, notadamente no contexto legislativo, indica o ser humano. Jamais a legislação se refere à pessoa jurídica como alguém. Interpretação lógica reafirma essa conclusão. Honra, no Capítulo ‘V’ – Dos Crimes contra a Pessoa, significa o patrimônio moral do homem. Daí a impossibilidade de ser ofendida em sua dignidade, decoro ou reputação na sociedade. A pessoa jurídica tem reputação, sim; todavia, de outra espécie, ou seja, significado de sua atividade social, que se pode sintetizar no valor de seu relacionamento, dado ser titular de personalidade jurídica. Honra e reputação da empresa não se confundem. A primeira possui o ‘homem’. A segunda, a ‘atividade comercial ou industrial’.” (STJ, HC 7.512, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 30.06.1998). Em sentido contrário: “A jurisprudência desta Corte, sem recusar à pessoa jurídica o direito à reputação, é firmada no sentido de que os crimes contra a honra só podem ser cometidos contra pessoas físicas. Eventuais ofensas à honra das pessoas jurídicas devem ser resolvidas na esfera cível. Recurso desprovido.” (STJ, REsp 493.763/SP, rel. Min. Gilson Dipp, j. 26.08.2003).


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