Jéssyca Priscila Hayume Tamiya e Joelson Pereira Alves
O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é um instituto que foi inserido
no art. 28-A do CPP, a partir da vigência da Lei 13.964/2019, conhecida como pacote ou lei
anticrime. É válido salientar que a justiça penal negocial não é recente na legislação brasileira,
uma vez que a Lei 9.099/95 já elencava a possibilidade de transação penal e a suspensão
condicional do processo, ao lado do acordo de leniência (Lei 12.846/2013) e da colaboração
premiada (Lei 12.850/13).
Por certo, começaram a surgir inúmeras críticas por parte da doutrina. A
saber, não era nítido como o Acordo de Persecução Penal reagiria diante dos princípios da
segurança jurídica, da indisponibilidade da ação penal pública, da impessoalidade, da ampla
defesa, do contraditório e, de certa forma, como responderia diante do devido processo legal
em geral. Afinal, esse instituto veio para aprimorar o consenso, o diálogo, ou seja, a justiça
negociada no processo penal.
Em suma, o ANPP é um negócio jurídico extrajudicial que acontece
mediante proposta do Ministério Público para o investigado que deve estar sendo assistido
pelo seu defensor em todas as tomadas de decisões. Caso o acordo seja aceito pelo
investigado, deverá ser, em seguida, homologado pelo juízo competente, no qual será passado
para o mesmo todas as condições do acordo, ou seja, as condições não privativas de liberdade,
que geralmente é algum tipo de serviço comunitário e/ou multa, em troca do compromisso de
o Parquet não oferecer a denúncia, tendo em vista, que esse acordo acontece, geralmente, antes da persecução penal iniciar. Assim sendo, se o acordo for cumprido integralmente, a
punibilidade do agente é extinta.
Com efeito, pode ser celebrado independentemente da natureza do
procedimento investigatório – seja ele um inquérito policial ou um PIC – procedimento
investigatório criminal. Nessa toada, em observância ao sistema acusatório, outorgou-se ao
titular da ação penal pública a legitimidade para o oferecimento do referido instituto
despenalizador.
O art. 28-A, §3º, CPP dispõe que: “O acordo de não persecução penal será
formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e
por seu defensor.” Logo, Note-se que o Ministério Público detém a legitimidade para propor o
ANPP “desde que necessário e suficiente para reprovação do crime” diante dos requisitos de
confissão formal e circunstancial da prática da infração penal, sem violência ou grave ameaça
e com pena mínima inferior a quatro anos.
Vale ressaltar que, a confissão formal e circunstanciada do crime tem esse
problema: a partir do momento que a pessoa confessa, de forma detalhada, essa confissão
pode ser levada a outros processos. Mas como faz? Porque o ANPP só atinge a esfera penal,
como que faz lá no PAD, na Improbidade.
Nesse sentido, é visível as dificuldades que surgem com o acordo
extrajudicial e pré-processual, razão pela qual deve haver uma diferenciação do que seja um
ilícito penal e administrativo. Por um lado, se o réu confessar o crime de forma detalhada
conseguirá a não persecução penal, já por outro lado, toda essa confissão detalhada poderá ser
utilizada em uma possível Improbidade administrativa e até mesmo em um PAD.
A Lei 12.850/13, em seu artigo 4º, § 10, estabelece que: “As partes podem
retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo
colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.” Assim, é evidente
que havendo a retratação, as provas produzidas não poderão ser utilizadas. No entanto, o
debate acerca da possibilidade de valer-se da confissão como meio de prova após a rescisão
do ANPP gera polêmica.

Um dos requisitos para que aconteça o Acordo de Não Persecução Penal é a
exigência de confissão formal e circunstanciada do investigado, ou seja, na prática o
investigado deverá confessar o crime, com detalhes. Logo, na esfera penal, depois de
cumprida as exigências, e extinta a punibilidade, o Ministério Público poderá se valer dessa
confissão formal e circunstanciada para usar no direito administrativo sancionador.
Sobre isso, afirma a doutrina:
“A unidade do jus puniendi do Estado obriga a transposição de garantias
constitucionais e penais para o direito administrativo sancionador. As
mínimas garantias devem ser: legalidade, proporcionalidade, presunção de
inocência e ne bis in idem” (OLIVEIRA, Ana Carolina. Direito de
Intervenção e Direito Administrativo Sancionador, 2012, p. 241).
A partir dessa compreensão, é visível que, o princípio do ne bis in idem, está
elencado para que não haja condenação nas duas esferas, ou seja, se o investigado fez o
Acordo de Não Persecução Penal, indicando e confessando com detalhes o ilícito, essa
confissão não deve ser utilizada para que o mesmo seja condenado no âmbito administrativo,
como, por exemplo, perdendo a função pública que exerce.
Com isso, vale ressaltar o artigo 935 do Código Civil, o qual disciplina que:
“A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a
existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem
decididas no juízo criminal.”
Destarte, se as questões já foram decididas no juízo criminal, mesmo com
natureza administrativa, não se deve falar em responsabilização no âmbito administrativo,
uma vez que as questões já foram resolvidas através de um Acordo de Não Persecução Penal.
A Constituição Federal anuncia, no art. 37, § 4º, uma noção de
independência entre as diferentes esferas sancionadoras:
“Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos
políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário,
na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”
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Explica-se: o subsistema do direito penal comina, de modo geral, sanções
mais graves do que o direito administrativo sancionador. Isso significa que mesmo que se
venha a aplicar princípios penais no âmbito do direito administrativo sancionador – premissa
com a qual estamos totalmente de acordo, o escrutínio do processo penal será sempre mais
rigoroso. A consequência disso é que a compreensão acerca de fatos fixada definitivamente
pelo Poder Judiciário no espaço do subsistema do direito penal não pode ser revista no âmbito
do subsistema do direito administrativo sancionador. Todavia, a construção reversa da
equação não é verdadeira, já que a compreensão acerca de fatos fixada definitivamente pelo
Poder Judiciário no espaço do subsistema do direito administrativo sancionador pode e deve
ser revista pelo subsistema do direito penal – este é ponto da independência mitigada.

REFERÊNCIA
OLIVEIRA, Ana Carolina. Direito de Intervenção e Direito Administrativo Sancionador,
2012, p. 241.


Jéssyca Priscila Hayume Tamiya: Pós-graduanda em Direito Penal Econômico pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/PR, campus
Londrina-PR. Advogada.
Joelson Pereira Alves: Estudante de Direito na Universidade Federal do Paraná – UFPR.