Jorge Couto de Alencar[1] e  Thainara Ribeiro Caminha[2]

 

O Direito Penal Econômico é uma especialização do direito que objetiva estudar e regular os crimes praticados contra a ordem econômica. Ana Flávia Messa e Everton Luiz Zanella (2020, p. 22) ao discutir a origem desse ramo do direito destacam ser algo recente, tendo seu nascimento ocorrido no século passado e surgido pela necessidade de se caracterizar os crimes cometidos sobre os bens coletivos e difusos. Sendo a ordem econômica e financeira, pela sua importância para o funcionamento o bem protegido no Direito Penal Econômico.

Como dito anteriormente, o Direito Penal Econômico visa proteger a ordem econômica. Entretanto, como destaca Regis Luiz Prado (2018, p. 05), o conceito de ordem econômica é objeto de natureza ambígua podendo ser definida tanto como a “regulação jurídica da intervenção do Estado na economia” como quanto a “regulação jurídica da produção, distribuição e consumo de bens e serviços”. O autor nos lembra que ao consideramos Direito Penal Econômico e ordem econômica devemos pensar qual definição pode ser utilizada de modo mais satisfatório ao tratarmos de bem jurídico a ser protegido, podemos concluir que os bens a ser protegidos são a organização estatal na economia e a organização, desenvolvimento e conservação dos bens econômicos.

De acordo com Alfredo Etcheberry (1964, p.99), delitos econômicos se encontram nas seguintes categorias: a) Crimes contra economia privada; b) crimes contra interesses econômicos de natureza social e c) Crimes contra a ordem pública econômica. No primeiro grupo estariam os crimes contra o patrimônio, no segundo as infrações tributarias aduaneiras e no último grupo constariam as normas e princípios que regem o processo econômico. O direito penal econômico vincula normas penais a todos os campos do direito econômico, assim como aos outros ramos do direito tais como o direito tributário, financeiro e trabalhista.

Como pode ser concluído pela definição acima o Direito Penal Econômico irá proteger uma ampla quantidade de tópicos, passando pela ordem tributária, monetária e relação de consumo além de outros setores relacionados a economia. Ana Flávia Messa e Everton Luiz Zanella (2020, p. 25) afirmam que esse ramo do direito é composto da união de normas penais com a tutela da ordem e da política econômica, objetivando alcançar uma ordem econômica justa, sendo esse um propósito essencial do Estado.

Os delitos abarcados pelo Direito Penal Econômico possuem como objeto situações nas quais      meios clandestinos são utilizados para o alcance de vantagem comercial, lucro ou até mesmo o domínio de determinado setor do mercado. A intensificação do processo de globalização e o surgimento de novas tecnologias possibilitaram o desenvolvimento de organizações complexa que adotam práticas cada vez mais sorrateiras e que até parecerem estar travestidas de legalidade. Ao analisarmos esses delitos é importante ressaltar o fato de que muitas das condutas praticadas e dos ativos resultantes de tais situações são difíceis de serem rastreadas e fiscalizadas. Isso ocorre por ser frequente a lavagem desses ativos em um processo no qual os lucros obtidos de modo ilícito passam por transformações para que ele obtenha a aparência lícita (CAPEZ, 2020, p. 682). Apesar dessa difícil identificação, a investigação e punição desses delitos são fundamentais para a manutenção da ordem econômica de um país, visto que o custo resultante de tais práticas rende muito mais prejuízos econômicos e sociais que os demais crimes, sendo relevante salientar que crimes envolvendo o meio ambiente e a saúde pública são ilícitos que podem ocasionar graves prejuízos à coletividade, principalmente aos economicamente menos favorecidos.

Diante dessa nova realidade, grandes esquemas de fraude econômica financeira são idealizados e postos em práticas, na maioria das vezes, por pessoas detentoras de enorme poderio econômico, com grande influência social e até mesmo política. Popularmente a conduta realizada por tais agentes é denominada de “crimes de colarinho branco” (“White colar crimes”). Essa expressão foi utilizada por Edwin H. Sutherland quando de sua exposição na American Sociological Society (1945, p. 132-139). O termo “blue colar” tomou como referência a cor dos macacões utilizados por trabalhadores, referindo-se aos “crimes comuns”. Acredita-se que os prejuízos econômicos causados pelos crimes de colarinho branco são muito mais danosos para a sociedade de modo geral do que a totalidade de blue colar crimes (GERBER; JENSEN; KUBENA, 2007, p. 249).

Muito por conta de seus “status” perante a sociedade em geral, os autores de tais crimes por vezes não são vistos como criminosos e nem se tornam alvo de repúdio, como acontece em outras modalidades criminosas onde a conduta é amplamente rejeitada pela sociedade. No Brasil se pode observar que gradualmente essa visão vem sendo modificada e o sentimento “anticorrupção” é cada vez mais crescente, se exigindo assim, fiscalizações ainda mais intensas por parte dos órgãos responsáveis e punições efetivas aos autores.

A sonegação fiscal é um “crime de colarinho branco” de alto impacto para a saúde econômica de nosso país. O Sindicado Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, através de seu Sonegômetro, estima que apenas nos quatros primeiros meses de 2021 mais de 200 bilhões de reais foram sonegados no Brasil (SINDICATO NACIONAL DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL, 2021). Além de representar um enorme prejuízo aos cofres públicos, tal crime também acaba impactando negativamente na capacidade do Estado de cumprir com suas obrigações.

No âmbito empresarial, infelizmente, essa conduta é recorrente. É sabido que os tributos compõe uma parcela importante do preço final de qualquer produto e muitos empresários acabam encontrando na informalidade uma forma de baratear seu produto e assim sair na frente de seus concorrentes. Essa prática é extremamente lesiva visto que implica em concorrência desleal, pois uma empresa devidamente formalizada e que cumpre pontualmente suas obrigações fiscais e trabalhistas não concorre em pé de igualde com a sonegadora que por sua vez terá mais recursos em caixa e poderá oferecer seus produtos ao consumidor final por um preço mais atrativo, ou seja, a sonegadora acaba adquirindo uma vantagem indevida.

Dentre as razões que podem levar o empresário a decidir por sonegar podemos citar a complexidade do sistema tributário brasileiro. O Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) estima que desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 até o ano 2020 foram criadas, em média, 3,97 novas normas tributárias a cada dia útil (AMARAL et al., 2020). Essa infinidade de regras atua em conjunto com um sentimento de impunidade gerado pela falta de maior rigor nas fiscalizações e punições por parte dos órgãos públicos, resultando no uso de meios escusos com o objetivo de diminuir seus custos e aumentar seus lucros. Além disso, como dito anteriormente o crime de sonegação, por ser um “White crime colar”, possui pouca rejeição perante a sociedade.

O Estado tem trabalhado no combate da sonegação e de outros crimes de colarinho branco. O uso da Inteligência Artificial e a implementação de sistemas que integram as Administrações Tributárias dos entes federativos, como o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), por exemplo, tem aumentado a efetividade da atuação dos órgãos públicos. Além disso, com a promulgação da Lei Complementar nº 123, de 14.12.2006, foi criado um novo regime de tributação diferenciado denominado Simples Nacional, que é destinado às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, e conta com a participação de todos os entes federados, com isso, tem-se unificado e facilitado a arrecadação, assim como, a fiscalização de possíveis infrações cometidas pelos empresários e administradores.

Gradualmente, se percebe uma mudança na mentalidade e no modus operandi das empresas. A prática de cometer ilícitos vem dando lugar a um maior rigor aos processos internos de localização de delitos e imposição de uma cultura de conformidade com os órgãos de controle. Através de ferramentas como o planejamento tributário e o compliance os empresários buscam reduzir seus custos em relação a pagamento de tributos e demais encargos de forma legal, optando por práticas lícitas que gerem um ônus tributário menor e não mais precisando recorrendo a meios escusos como a sonegação fiscal, por exemplo.

Importante ressaltar que não estamos afirmando ser errado uma empresa desejar diminuir o montante que gasta com o pagamento de impostos e consequentemente obter maiores lucros, com uma gestão fiscal eficiente é possível se ter redução de custos que refletem positivamente na saúde financeira e econômica da empresa. É essencial, principalmente para sobrevivência no mercado, que o empresário procure por soluções que diminuam a onerosidade tributaria do negócio.  Entretanto, isso deve ser feito de modo legal através de um planejamento tributário cuidadoso e que não haja confusão entre elisão e evasão fiscal.

O Planejamento tributário, que também pode ser denominado elisão fiscal possibilita boa economia fiscal ou mesmo a redução de tributos, através da prevenção e minuciosa análise da legislação vigente aplicável a empresa. O objetivo desse estudo é encontrar meios de diminuir a oneração fiscal dentro dos termos estabelecidos. Ou seja, o planejamento tem como finalidade evitar a incidência tributária, com isso, prevenindo a ocorrência do fato gerador do tributo. Dessa forma é fundamental para sua sobrevivência que uma empresa seja bem estruturada e assessorada contábil e juridicamente para que possa reduzir de forma legal o montante de tributos pagos evitando tanto o pagamento de créditos não devidos quanto o não pagamento de encargos dos quais está obrigado.

 


[1] Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), em Comunicação Social pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Cursando Especialização em Direito, Processo e Planejamentos Tributários pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR).

[2] Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Cursando Especialização em Direito, Processo e Planejamentos Tributários pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR).


Referências

AMARAL, Gilberto Luiz do et alQuantidade de Normas Editadas no Brasil: 32 anos da constituição federal de 1988. 32 anos da Constituição Federal de 1988. 2020. Disponível em: https://ibpt.com.br/estudo-sobre-a-quantidade-de-normas-editadas-no-brasil-desde-a-ultima-constituicao-2020/. Acesso em: 23 abr. 2021.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. v. 4.

CHAYET, Ellen; WARING, Elin; WEISBURD, David. White-Collar Crime and Criminal Careers. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.

CREPALDI, Silvio. Planejamento Tributário: teoria e prática. 3. ed. Saraiva: Saraiva, 2019.

ETCHEVERRY, Alfredo. Objetividade Jurídica do Delito Econômico. Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, Rio de Janeiro, v. 2, n. 6, p. 99-107, jul./set. 1964.

GERBER, Jurg; JENSEN, Eric L.; KUBENA, Jiletta. Encyclopedia of White-Collar Crime. Lodon: Greenwood Press, 2007.

MESSA, Ana Flávia; ZANELLA, Everton Luiz. Aspectos Controvertidos dos Crimes contra a Ordem Tributária. In: CURY, Rogério. Direito Penal Econômico. São Paulo: Almedina, 2020. p. 18-47.

PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

SINDICATO NACIONAL DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL (Brasil). Sonegômetro. 2021. Disponível em: http://www.quantocustaobrasil.com.br/. Acesso em: 20 abr. 2021.

SUTHERLAND, Edwin H.. Is “White Collar Crime” Crime? American Sociological Review, Washington, v. 10, n. 2, p. 132-139, abr. 1945. SAGE Publications. http://dx.doi.org/10.2307/2085628.


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