Por Adriano Bretas

Entre a teoria e a prática, têm sido convencionadas adaptações que moldam a realidade. A teoria sem a prática é um encastelamento dogmático estéril. A prática sem a teoria cavalga no campo da temeridade. É, pois, na intersecção entre a legalidade e a sua aplicação que se modulam a doutrina e a jurisprudência.

Isso não muda em relação à figura do jurado dito “suplente”.

Fixemos algumas premissas.

De acordo com o CPP, dez a 15 dias úteis antes do início da reunião periódica do Tribunal do Júri deve ser realizado o sorteio de jurados (artigo 433, parágrafo 1º). Premissa um.

Ainda de acordo com o CPP, nessa ocasião, devem ser sorteados 25 jurados (artigo 433, caput). Premissa dois.

Do mesmo modo, conforme o CPP, no dia do júri, devem comparecer, pelo menos, 15 jurados (artigo 463) para a instalação dos trabalhos, dos quais serão sorteados os sete para compor o conselho de sentença. Premissa três.

Pois bem.

Até aqui, a legislação não prevê a figura do chamado jurado suplente. Do ponto de vista legal, conforme o artigo 464, o jurado dito suplente só passa a entrar em cena a partir do momento em que não houver quórum para instalação dos trabalhos, situação em que o juiz deverá sorteá-los e designar nova data para o júri.

Isso é o que prevê a lei.

Mas não é o que tem sido feito Brasil afora.

práxis tem convencionado algo distinto. A doutrina [1] (Avelar e Faucz) e a jurisprudência (TJ-PR [2]) já consagraram a prática de sortear os jurados suplentes desde o sorteio primitivo dos 25 jurados iniciais. Convencionaram-se, assim, duas categorias de jurados: os titulares e os suplentes.

No dia do júri, todos — titulares e suplentes — têm o dever de comparecer. Essa prática tem evitado o chamado estouro de urna e a consequente redesignação de diversos júris.

Perfeito.

À figura do jurado suplente, em si, nenhuma objeção.

À possibilidade de o jurado suplente ser sorteado na mesma ocasião em que são sorteados os titulares, mesmo que a lei defina outra oportunidade, também, nenhuma objeção.

Todavia, algumas questões práticas têm causado preocupação.

A primeira questão (a menos preocupante, na verdade) concerne ao número de jurados suplentes. Em alguns casos práticos, tem-se sorteado mais suplentes do que titulares. Vinte e cinco são os titulares. Há situações em que os suplentes somam mais de 30. Com base em qual critério são sorteados 35 suplentes? Por que não 25? Ou 93? Ou 327? Seja como for, consoante dito acima, essa questão é a menos preocupante.

Outra questão (esta, sim, relevante) diz respeito à ocasião em que o jurado suplente passa a integrar o universo de jurados potencialmente sorteáveis para a composição do conselho de sentença. Na prática, jurados titulares e jurados suplentes acabam se misturando no mesmo elenco. Assim, se existem 25 jurados titulares e outros tantos 35 suplentes, o juiz sorteia um a um do universo de 60 jurados.

Isso é inaceitável.

O correto seria que os jurados suplentes só passassem a figurar no universo de jurados potencialmente sorteáveis a partir do momento em que os titulares faltassem ao comparecimento do júri. Aliás, foi exatamente assim que se fez ainda há pouco no rumoroso caso da boate Kiss.

E aí duas possibilidades poderiam ser abertas.

A primeira possibilidade é que os jurados suplentes só fossem acionados a partir do momento em que faltasse o quorum de pelo menos 15 jurados presentes para a instalação dos trabalhos. Se comparecerem, por exemplo, 13 jurados titulares, dois suplentes seriam escalados para compor o quórum de 15 jurados para a instalação dos trabalhos.

A segunda possibilidade é que os jurados suplentes pudessem ser acionados desde o momento em que faltasse um dos 25 jurados titulares. Se comparecerem, por exemplo, 20 jurados, cinco suplentes seriam escalados para compor o número de 25 jurados sorteáveis para o conselho de sentença.

A primeira solução nos parece a mais acertada.

De todo modo, seja pela primeira possibilidade (15 jurados), seja pela segunda possibilidade (25 jurados), não se pode aceitar que jurados titulares e jurados suplentes componham um universo indistinto de pessoas potencialmente sorteáveis para integrar o conselho de sentença.

Não se pretende o estouro de urna.

Não se pretende adiamentos de júris.

O que não se admite é que jurados suplentes funcionem como se titulares fossem.

Mas, aqui, outra ordem de preocupação: qual o critério para se escalar tal ou qual jurado suplente?

Uma das alternativas seria sortear, entre os suplentes, os nomes que passarão a integrar o universo dos que serão posteriormente sorteados para o conselho de sentença. Haveria, assim, três sorteios. O primeiro, de dez a 15 dias úteis antes do início da reunião periódica, sortearia titulares e suplentes. O segundo, no dia do júri, sortearia suplentes para compor o universo de potenciais jurados efetivos. E o terceiro, finalmente, sortearia os jurados que farão parte do conselho de sentença. Parece-nos uma inovação um tanto ousada.

Outra alternativa seria tomar, entre os suplentes, os primeiros nomes que figuram na ordem da lista do sorteio inicial. Parece-nos o mais razoável.

Uma terceira preocupação é que, durante a pandemia, inaugurou-se uma terceira figura: o jurado dito complementar.

Nem titular, nem suplente.

Existe uma lista de jurados titulares e uma lista de jurados suplentes (sorteados com a antecedência que o código define). E existe uma lista de jurados ditos complementares que são sorteados às vésperas do júri, fora do prazo preconizado em lei, sob o argumento de que a pandemia tem acarretado muitas ausências de jurados.

Assim, todos os jurados — titulares, suplentes e complementares — passam a integrar o universo de jurados que são sorteados para compor o conselho de sentença.

Titulares: 25. Sorteados com a antecedência legal. Tudo bem.

Suplentes: às vezes 20, 30 ou até mais. Sorteados com a antecedência legal. Não é bem o que define o código, mas tem lá o seu respaldo doutrinário e jurisprudencial. Passa. Com ressalvas: de forma subsidiária aos titulares.

Complementares: por vezes, 20. Sorteados a destempo. Um absurdo.

Somados, titulares, suplentes e complementares, os jurados chegam a alcançar um universo da casa de 80 pessoas. 80!

Mais do que o triplo dos 25 previstos em lei.

E o prejuízo decola do fato de que as recusas imotivadas permanecem sendo três. Uma coisa é recusar três jurados de um universo de 25. Uma coisa é recusar três jurados de um universo de 15 — o que equivale a 20% do universo dos sorteáveis.

Outra coisa, bem distinta, é recusar três jurados de um universo de 80. As recusas acabam se diluindo num contingente muito mais amplo.

Essas preocupações todas acabam tendo profundas ressonâncias num princípio basilar de um processo penal de base garantista: o juiz natural da causa. É direito de todo jurisdicionado saber, de antemão, os critérios que definem quem vai lhe julgar. A existência de critérios prévios, definidos em lei, para a definição de quem vai julgar a causa, constitui garantia processual intransponível. Desbordar esses limites espanca de morte a espinha dorsal de princípios que garantem a segurança jurídica do jurisdicionado.

Nem se alegue que a prática já está consagrada pelo uso.

O certo é certo. O errado é errado.

O certo é certo, mesmo que nunca tenha sido feito.

O errado é errado, mesmo que sempre tenha sido feito.

Se a realidade posta está errada, que seja corrigida. Errar é humano. Permanecer no erro é teimosia.


[1] AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi de e SILVA, Rodrigo Faucz Pereira e. Plenário do Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2020, p. 40.

[2] Correição Parcial nº 0005257-58.2018.8.16.0000.


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