Por Murilo Henrique Lourenço[i] e Bruno Joshua Santos Bianeck [ii]

Para Alexandre Morais da Rosa e André Luiz Bermudez definem a importância ao se usar a teoria dos jogos: “a protagonista dos jogos negociais é sempre uma ação humana, nos limites de racionalidade limitada, e daí a importância da teoria dos jogos” pois, os agentes envolvidos no processo penal podem interagir estrategicamente das mais diversas formas, e para que seja feito este estudo se faz necessário utilizar-se da teoria dos jogos. [iii].

Segundo Hall Varian a teoria dos jogos lida com uma análise geral de interação estratégica. Podendo ser utilizada para estudar jogos de salão, negociações políticas, evolução genética, comportamento econômico e ainda podemos submeter esta técnica para o Processo Penal Brasileiro[iv].

Segundo Robert Cotter e Thomas Ulen:

O direito frequentemente se defronta com situações em que há poucos tomadores de decisões e em que a ação ótima a ser executada por uma pessoa depende do que o outro agente econômico escolher. Essas situações são como jogos, pois as pessoas precisam decidir por uma estratégia.[v]

Sob este enfoque, para que seja um bom jogador, é necessário ter mais do que sorte, é necessário conhecer todas as regras processuais, observar os envolvidos que ali se encontram: o Julgador, que pode figurar como Juiz, Desembargador ou Ministro; e os jogadores, que podem ser: Acusação, Assistente de acusação, defensor e acusado. [vi]

O julgador que forma a relação processual, onde divide o processo penal com o acusado, jogadores etc., é uma pessoa singular, pessoa física, com endereço, RG, CPF, família, problemas pessoais e com capacidade cognitiva limitada, por definição. Uma pessoa que em um dia passou no concurso e no outro já ocupa lugar de exceção na estrutura do Estado, julgando diversas demandas. Aury Lopes Jr argumenta que, o é um ser ontologicamente concebido para ser ignorante, pois ele ignora o fato, pois conforme Os Princípios Constitucionais do Processo Penal são constitutivos das chamadas “regras do jogo”, ou do devido processo (due process of law), servindo, ao mesmo tempo, como mecanismos de limitação e legitimação do poder de punir. [vii].[viii]

Todavia, em razão de suas vivências pessoais, ainda que busque (e acredite) ser imparcial, o julgador tem a tendência de, em determinadas situações, trazer consigo determinado juízo de valor já formado sobre o caso.

Piero Calamandrei descreve a existência dessa tendência, de forma muito didática, na seguinte passagem:

“Certa vez, no Tribunal de Cessação, eu defendia uma causa relativa a um pretenso vício redibitório de um cavalo mordedor. O comprador sustentava ter percebido que o cavalo por ele comprado tinha o vício de morder, e pedia, por isso, a resolução da venda; mas o Tribunal de Apelação não admitira o fato de que o cavalo fosse mordedor e, portanto, rejeitara a ação. O comprador derrotado recorrera em cassação. Eu defendia o vendedor, mas tinha certeza de que o recurso seria rejeitado (precisamente porque em cassação Mao se pode discutir o fato), o que, ao chegar minha vez de falar, renunciei à palavra.

Levantou-se então o procurador-geral, o qual, contrariamente à minha expectativa, declarou que o recurso era fundadíssimo e devia ser acolhido.

Meu estupor foi tal que, terminado o julgamento, não pude me impedir de me aproximar de seu assento para lhe dizer:

– Excelência, como é difícil para os advogados fazer previsões sobre o resultado dos recursos! Nessa causa, eu teria jurado que mesmo o senhor teria concluído pela rejeição.

Ele me respondeu:

– Caro advogado, contra cavalos mordedores nunca se é bastante severo. Muitos anos atrás, eu ia a pé pela cidade, com meu filho pela mão, e aconteceu-nos passar perto de uma carroça, parada junto da calçada. O senhor não vai acreditar: aquele cavalão de ar inocente virou-se de repente e deu uma dentada no braço do meu menino. Fez-lhe uma ferida profunda assim, que para sarar foi preciso mais de um mês de tratamentos. Desde então, quando ouço falar de cavalos mordedores, sou inexorável.”[ix]

Sendo assim, para que se tenha êxito no jogo processual, é necessário que se tenha conhecimento das preferências teóricas de cada julgador, para manter o domínio das táticas e estratégias dominantes/dominadas. E que estas por sua vez devem ser diferentes conforme o julgador.

A sofisticação da interação entre os jogadores e julgadores no processo penal exige a qualificação argumentativa, uma vez que não basta saber as regras processuais.

Desta forma, podemos ver que, mesmo com o conhecimento das “regras do jogo”, é necessário o conhecimento por completo das preferências dos jogadores, em especial o julgador. Para que possamos garantir os melhores pay off’s.

Não obstante, as estratégias merecem cada vez mais atenção quando começamos a abordar as inteligências artificiais nos tribunais, sendo mais específico, o 12º Ministro do STF, Victor, que realiza a análise de admissibilidade dos recursos extraordinários.

Assim, no prisma da teoria dos jogos voltada ao processo penal, nos cabe abordar algo de extrema importância para os jogadores na relação processual, a análise de repercussão geral no julgamento de admissibilidade do recurso extraordinário.

No momento em que se exaure os recursos na via ordinária, é possibilitada a parte (CRFB/88, Art. 102, inciso III) que interponha recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal quando a decisão recorrida: (i) contrariar dispositivo da Constituição; (ii) declarar inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; (iii) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição (não se aplica ao direito penal e processual penal, tendo em vista que tais matérias são de competência legislativa exclusiva da União); julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Além disso, com o advento da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, passou-se a exigir a demonstração de repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso.

Ocorre que, com a inevitável modernização do Direito, o Supremo Tribunal Federal implementou a última etapa do projeto “Juízo de Admissibilidade”, que possibilita a Presidência do STF analisar de forma automatizada a admissibilidade de 100% dos recursos extraordinários, abrindo espaço para a atuação de inteligência artificial. [x]

Desde então, referida Corte vem utilizando a Inteligência Artificial (IA) denominada de Victor, para aumentar a celeridade na tramitação dos processos. À época em foi implementado, a Ministra Carmén Lucia explicou que a ferramenta seria utilizada na execução da, entre outras três atividades, “separação e classificação das peças processuais mais utilizadas nas atividades do STF e a identificação dos temas de repercussão geral de maior incidência”. [xi]

Vale destacar que isso não está ocorrendo somente no STF, mas em outros Tribunais também, onde já estão funcionando, ou em vias de implementação, outros sistemas operados a partir de inteligência artificial. A título de exemplificação; a) Sócrates, no STJ, b) Victoria, TJRJ; c) Poti, Clara e Jerimum; TJRN; d) Elis; TJPE; e) Radar; TJMG; muitos, inclusive, dentro do projeto guarda-chuva Sinapse do CNJ).[xii]

Para tanto, os desenvolvedores utilizaram de cinco categorias de documentos: Agravo em Recurso Extraordinário, Acórdão, Despacho de Admissibilidade, Recurso Extraordinário e Sentença, sendo as peças avaliadas pelo STF para definir se um processo se encaixa em algum tema[xiii].

Nesse aspecto, Mamede Said Maia Filho :

Visando o desenvolvimento de um sistema composto de algoritmos de aprendizagem profunda de máquina que viabilize a automação de análises textuais desses processos, Victor prevê a criação de modelos de machine learning para análise dos recursos recebidos pelo STF quanto aos temas de repercussão geral mais recorrentes, de modo a integrar o parque de soluções do Tribunal[xiv].

Referido autor esclarece que o objetivo do algoritmo é identificar os temas relacionados de forma clara e consistente. Todavia, é importante salientar que as habilidades de reconhecimento de texto da Inteligência Artificial não prescindem do fator humano, de forma que este é quem controla o input do algoritmo, isto é, a entrada dos dados. Nesse sentido, Mamede Said Maia Filho destaca ainda que, o ser humano gerencia a informação, produto que se tornou valioso diante das tecnologias disruptivas[xv].

Partindo dessas premissas, a alimentação da Inteligência Artificial decorrerá das decisões proferidas, cujos grupos de admissão são os filtros monocráticos de admissão recursal e os filtros colegiados de admissão recursal, com a análise de série temporal da jurisprudência firmada e o acesso ao banco de dados[xvi].

Ressalta-se, ainda, que a publicidade e transparência da alimentação do sistema são essenciais para a determinação da repercussão geral e possibilidade do processo de distinguising. Especialmente, considerando que a Inteligência Artificial possui ferramenta para suspensão das ações em território nacional. A publicidade e transparência dos dados de alimentação e os algoritmos utilizados no Projeto Victor são essenciais para que se possa defender eventual diferenciação com o tema de repercussão geral, que deverá se protocolada mecanicamente, para análise de cada caso concreto[xvii].

Todo esse novo contexto, gerado pela implementação da Inteligência Artificial, indica uma mudança por completo nas estratégias que anteriormente eram estabelecidas para atuação dos jogadores, que, antes, estavam diante de um julgador, com sentimentos, emoções, e a vivência da prática jurídica.

Sendo assim, o jogador no processo penal estratégico precisará estar antenado a todas as inovações tecnológicas para que sua jogada seja a vencedora, tanto quanto em processo racional onde todos os integrantes agem imbuídos de grande racionalidade e o julgador, pessoa física, que julga as demandas quanto se defronta com a inteligência artificial.

O que, por ora, é preciso reconhecer é que a Inteligência Artificial tem se integrado de forma complementar, à posição do julgador. Desse modo, se torna fundamental ao jogador do processo penal (que se compreende como jogo dinâmico de informação incompleta) que entenda o julgador a quem se dirige a informação, a fim de que se possa obter o resultado pretendido, isto é, no caso, o conhecimento e provimento de eventual Recurso Extraordinário interposto. [xviii]


[i] Pós graduando em Ciências Criminais –FESP-PR; E-mail: murilolo78@gmail.com;

 

[ii] Estudante de Direito no 8º período do Centro Universitário Autônomo do Brasil – UNIBRASIL; E-mail: brunobianeck@outlook.com;


[iii] ROSA, Alexandre Morais da, BERMUDEZ, André Luiz: Para entender a delação premiada pela teoria dos jogos: Táticas e estratégias do negócio jurídico. 2º edição. Florianópolis SC. EMais. 2019. P. 40.

 

[iv] VARIAN, Hal R., Microeconomia: uma abordagem moderna, 9º edição. Tradução Regina Célia Simille de Macedo.RJ. Campus, 2016.

 

[v] COOTER, R.; ULEN, T. Direito e Economia. 5ª Ed. . Porto Alegre: Bookamn, 2010. p. 56.

 

[vi] ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. 6º Ed. Florianópolis/SC. EMais, 2020P. 201.

 

[vii] ROSA, Alexandre Morais da. Op. Cit. p. 842.

 

[viii] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 17. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020.p. 145 – 159.

 

[ix] CALAMANDEI. Piero. Eles, os Juízes, vistos por um advogado. Tradução de Eduardo Brandão. – 2º Ed. – São Paulo: Editora WMF Martins fontes, 2015. P. 13 – 14.

 

[x] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – Notícias STF. “STF implanta última etapa de projeto que busca racionalizar o recebimento de recursos pela corte”. 25 fevereiro 2021. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=461131&ori=1>. Acesso em: 11 abr. 2021.

[xi] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – Notícias STF. “Ministra Cármen Lúcia anuncia início de funcionamento do Projeto Victor, de inteligência artificial”. 30 agosto 2018. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=388443>. Acesso em: 11 abr. 2021

[xii] ROSA, Alexandre Morais. Inteligência artificial e Direito: ensinando um robô a julgar. CONJUR. 04, de setembro de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-set-04/limite-penal-inteligencia-artificial-direito-ensinando-robo-julgar. Acesso em 03/05/2021.

 

[xiii] FERREIRA, Marcelo H. P. Classificação de peças processuais jurídicas: Inteligência Artificial no Direito. 2018. 80. Engenharia de Software – Universidade de Brasília, Brasília, 2018.

[xiv] MAIA FILHO, M. S., & Junquilho, T. A. (2018). Projeto Victor: perspectivas de aplicação da inteligência artificial ao direito. Revista De Direitos E Garantias Fundamentais, 19(3), 218-237. https://doi.org/10.18759/rdgf.v19i3.1587.

 

[xv] Ibidem, p. 6.

 

[xvi] Andrade, Mariana D; PINTO, Eduardo R. G. C; LIMA, Isabela B; GALVÃO, Alex R. S. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA O RASTREAMENTO DE AÇÕES COM REPERCUSSÃO GERAL: O PROJETO VICTOR E A REALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro, 21, páginas 312-335, abr. 2020.

[xvii] Ibidem, p. 18 – 19.

[xviii] ROSA, Alexandre Morais. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.