Por: Gabriel Andrade de Santana[1]

 

O acordo de não persecução penal, sem dúvidas, representa um marco em nosso sistema de Justiça Criminal. Se, por um lado, atende às expectativas de eficiência e celeridade na resolução dos casos, é possível sustentar, noutro giro verbal, que a sua incidência torna contingencial à conformidade do resultado à realidade dos fatos enunciados.

Sem adentrar no mérito da sua importância, fato é que ao se firmar um acordo de não persecução penal, jamais haverá a comprovação segura de que a norma de conduta foi realmente violada[2], pois é plenamente possível que o acusado, mesmo quando inocente, lance mão deste direito que lhe assiste apenas para evitar o desgaste no enfrentamento de um processo penal. Decerto, é a atividade probatória desenvolvida no curso de um processo que têm o condão de reconstruir os fatos e revelar se o enunciado dos autos corresponde verdadeiramente, ainda que de forma aproximada, a realidade do mundo exterior[3].

Porém este não é o objetivo do modelo de justiça premial inaugurado em nosso ordenamento pátrio com a Lei n.º 9.099/95. Nos institutos da composição civil, transação penal e suspensão condicional do processo, o ponto de convergência é a mera concordância do réu em renunciar a sua posição de resistência, e, assim, consentir com a realização das obrigações pactuadas. Não há, em absoluto, necessidade de incursão no mérito da causa.

Conquanto a finalidade destes mecanismos negociais corresponda a uma lógica utilitarista e pragmatista, sem maiores preocupações com a sua validade epistêmica, causa espécie, no acordo de não persecução penal, a exigência da confissão formal e circunstanciada da prática da infração penal, consoante disposto no texto do art.28-A do Código de Processo Penal.

Ou seja, se não é do propósito do mecanismo de consenso alcançar ou, ao menos, buscar a verdade da controvérsia penal, qual a razão de se exigir a declaração de culpa do réu como requisito objetivo à avença?

Equivocou-se, portanto, o legislador ao estabelecer este pressuposto ao acordo de não persecução penal. O que, todavia, não impossibilita que a jurisprudência compreenda o fenômeno de forma holística, interpretando e aplicando este instituto na sua essência. Mesmo porque, o dinamismo e a complexidade da vida social, bem como as lacunas, obscuridades e antinomia das leis, são fatores que já evidenciaram a necessidade de distinção entre texto e norma – há muito superada no pós-positivismo.

Para além de todo o imbróglio que a exigência da confissão traz à prática na formalização de acordo de não persecução penal, considerando a sua natureza e fim, entende-se ser dispensável qualquer formalidade e rigorosidade na declaração de culpa, bastando a mera manifestação defensiva no sentido direcionada à pactuação da avença, desde que, óbvio, respeitado os demais requisitos legais.

 

 

REFERÊNCIAS

SCHUNEMANN, Bernd. Um olhar crítico ao modelo processual penal norte-americano. Schünemann, Bernd; Greco, Luís (coord.). Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito. São Paulo: Marcial Pons, 2013.

TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. São Paulo: Marcial Pons, 2016.

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[1] Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público-IDP (2019). Pós-Graduado em Ciências Criminais pelo Juspodivm (2014). Graduado pela Universidade Federal da Bahia – UFBA (2012). Advogado.

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http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K8707348E5

[2] SCHUNEMANN, Bernd. Um olhar crítico ao modelo processual penal norte-americano. Schünemann, Bernd; Greco, Luís (coord.). Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito. São Paulo: Marcial Pons, 2013, p.243.

[3] TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. São Paulo: Marcial Pons, 201, p.101.