A Lavagem de Dinheiro e o Recebimento de Honorários Advocatícios

Beatriz Daguer[1] e Rafael Junior Soares[2]

A lei de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98) completou vinte e dois anos de existência no país, já tendo passado por profundas modificações no ano de 2012 (Lei 12.683/12). Com o objetivo especialmente de atender anseios internacionais, o Brasil introduziu mencionado crime e, por sua vez, organizou o mecanismo de controle à atividade ilícita, com a inserção de obrigações e responsabilidade administrativa para determinados sujeitos.

Neste contexto, observou-se pelo país nos últimos anos o aumento significativo da quantidade de processos criminais com a inclusão da figura típica da lavagem de dinheiro e, como consequência natural, uma série de desafios para os Tribunais, como, por exemplo, natureza jurídica do crime, os limites do tipo objetivo, caixa dois, medidas assecuratórias etc. Tanto é assim que recentemente a Câmara dos Deputados criou a Comissão de Juristas[3] para atualizar a legislação, especialmente na correção dos problemas decorrentes da prática judicial, visando conferir maior segurança jurídica e diminuição das lacunas legislativas.

Sem ignorar a importância de cada um dos temas a serem examinados pela Comissão de Juristas, uma das questões que sempre preocupou a advocacia consiste na possibilidade de imputação de lavagem de dinheiro pelo mero recebimento de honorários advocatícios. Embora a questão possa parecer simples, existem casos ao redor do país de incriminação de advogados pelo simples recebimento de honorários. Não é incomum a tentativa, por meio de projetos de lei[4], de impor obrigações aos advogados de comprovação da origem dos honorários recebidos ou até mesmo impor aos acusados que, em casos de lavagem de dinheiro, tenham de se socorrer da Defensoria Pública.

Dentre os projetos de lei, há a proposição de equiparação de recebimento de honorários advocatícios que sabe ser proveniente de crime à receptação qualificada[5] e até impor a obrigação de que os advogados ou sociedades de advogados forneçam informações sobre pagamentos que porventura possam constituir indícios de lavagem de dinheiro[6], entre outras investidas que objetivam criminalizar a profissão do defensor, notadamente o que atua na área criminal.

Enquanto a discussão não é deliberada e definida no âmbito do Poder Legislativo, com o escopo de solucionar o problema e dirimir eventual insegurança, em 2020, a Ordem dos Advogados do Brasil apresentou proposta de Provimento instituindo medidas de prevenção à lavagem de dinheiro para advogados e sociedades de advogados, oferecendo, com isso, contornos mais seguros à atividade profissional em diversos aspectos.

O instrumento normativo é dividido em três capítulos[7]. O primeiro tratando dos princípios gerais de prevenção da lavagem de dinheiro (arts 1º e 2º). O segundo abordando os honorários profissionais (arts. 3º a 9). E, por fim, os deveres relacionados à comunicação de operações suspeitas (arts. 10 a 12). Não obstante a importância dos três tópicos, o presente trabalho limita-se a examinar a questão relativa aos honorários profissionais.

O objetivo do Provimento nada mais é do que afastar qualquer tentativa indevida de criminalização da atividade advocatícia, tanto é assim que no art. 2º, parágrafo único, assevera não constituir qualquer forma de colaboração para lavagem de dinheiro a prestação legítima de atividades privativas da advocacia e o recebimento de honorários pela atividade profissional desempenhada.

Dessa forma, os dispositivos subsequentes estabelecem a forma de comprovação da prestação de serviços (art. 7º), elencando diversos meios de demonstração a partir da forma e natureza jurídica do trabalho desempenhado tanto na seara litigiosa quanto na consultiva, como contratos de honorários, petições, arrazoados, participação em audiências, despachos, sustentações orais etc.

A previsão é importante porque traz orientações objetivas e claras à classe da advocacia quanto à necessidade de observar obrigações mínimas de registro e controle como forma de se afastar por completo eventual suspeição acerca da atividade profissional, a fim de se evitar problemas de imputação da prática dos ilícitos dispostos na Lei 9.613/98.

Na sequência se apresenta orientação ao recebimento de valores a título de honorários com o escopo de repasse a terceiros, ainda que sob a forma simulada de contratação pelo serviço, estabelecendo que ficará o defensor sujeito às sanções legais (art. 8º). Trata-se de dispositivo que visa reforçar o objetivo do Provimento de regulação do recebimento de honorários como contraprestação pelo trabalho desenvolvido, uma vez que a situação narrada acima esquiva-se das atividades da advocacia. Além disso, afasta a possibilidade de criminalização do legítimo direito ao recebimento de honorários pelo lícito serviço prestado pela classe.

É certo que o tema está na ordem do dia tanto no Congresso Nacional quanto na Ordem dos Advogados do Brasil, esperando-se que a posição terminativa a ser adotada seja no sentido de que não se considere que o ato legítimo de recebimento de honorários pela correta prestação de serviços – independentemente da necessidade de se perquirir a origem dos recursos – possa se enquadrar nos dispositivos previstos na lei de lavagem de dinheiro.

Aliás, como bem suscitado por Pierpaolo Cruz Bottini, “o escopo da lei de lavagem de dinheiro é garantir a rastreabilidade do capital para que as autoridades públicas possam conhecer o caminho entre a infração e o destino dos bens”[8], ao passo que não deve ser imposto ao advogado o dever de investigar a origem do dinheiro ou os atos que justificaram sua aquisição, mas o recebimento deve ser tão somente registrado e anotado para que os responsáveis pela investigação tenham à sua disposição elementos para construir a cadeia de distribuição de eventuais recursos ilícitos[9].

Portanto, o Provimento representa importante avanço como forma de proteção da advocacia nacional, tendo em vista que estabelece padrões objetivos de conduta do profissional, especialmente pela indicação das formas de comprovação da atividade exercida, as quais uma vez atendidas afastam, por si só, qualquer possibilidade de incriminação da atividade exercida como lavagem de dinheiro.


[1] Mestranda em Direito Penal na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Especialista em Direito Penal e Processo Penal Econômico pela PUC/PR. Advogada criminalista. E-mail: beatrizdaguer.adv@gmail.com

[2] Doutorando em Direito pela PUC/PR. Mestre em Direito Penal pela PUC/SP. Professor de Direito Penal da PUC/PR. Advogado Criminalista. E-mail: rafael@advocaciabittar.adv.br


[3]   Lista completa disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/grupos-de-trabalho/comissao-de-juristas-lavagem-de-capitais/conheca-a-comissao/criacao-e-constituicao/Criaoeinstituiao.pdf. Acesso em: 03 mar. 2021.

[4]   REVISTA CONJUR. Mais um projeto quer obrigar advogados a provar origem legal dos honorários. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jul-02/projeto-obrigar-advogados-provar-origem-legal-honorarios. Acesso em: 25 fev. 2021.

[5]   CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº _____, de 2019. Deputada Bia Kicis.  Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/pl-responsabilizar-advogado-honorario.pdf. Acesso em: 03 mar. 2021.

[6]   SENADO FEDERAL. Projeto de Lei nº 4516, de 2020. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8889028&ts=1599758994970&disposition=inline. Acesso em: 03 mar. 2021.

[7]   REVISTA CONJUR. Para OAB, advogado, em outra função, deve informar atividade suspeita de cliente. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-dez-07/proposta-preve-advogado-comunique-operacoes-suspeitas-clientes. Acesso em: 03 mar. 2021.

[8]   BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Advogado não deve ser fiscal dos próprios honorários. Disponível em: conjur.com.br/2013-fev-26/direito-defesa-advogado-nao-fiscal-proprios-honorarios. Acesso em: 05 mar. 2021.

[9] Ibidem.

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Advogado não deve ser fiscal dos próprios honorários. Disponível em: conjur.com.br/2013-fev-26/direito-defesa-advogado-nao-fiscal-proprios-honorarios. Acesso em: 05 mar. 2021.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº _____, de 2019. Deputada Bia Kicis.  Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/pl-responsabilizar-advogado-honorario.pdf. Acesso em: 03 mar. 2021.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Câmara instala hoje comissão de juristas que vai propor mudanças na lei de lavagem de dinheiro. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/grupos-de-trabalho/comissao-de-juristas-lavagem-de-capitais/conheca-a-comissao/criacao-e-constituicao/Criaoeinstituiao.pdf. Acesso em: 03 mar. 2021.

REVISTA CONJUR. Mais um projeto quer obrigar advogados a provar origem legal dos honorários. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jul-02/projeto-obrigar-advogados-provar-origem-legal-honorarios. Acesso em: 25 fev. 2021.

REVISTA CONJUR. Para OAB, advogado, em outra função, deve informar atividade suspeita de cliente. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-dez-07/proposta-preve-advogado-comunique-operacoes-suspeitas-clientes. Acesso em: 03 mar. 2021.

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei nº 4516, de 2020. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8889028&ts=1599758994970&disposition=inline. Acesso em: 03 mar. 2021.



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Não é possível a conversão ex offício da prisão em flagrante em preventiva, mesmo nas situações em que não ocorre audiência de custódia, diz STJ.

Fonte: Informativo nº 0686

Discute-se acerca da possibilidade de se decretar a prisão preventiva de ofício, mesmo se decorrente de prisão flagrante e mesmo se não tiver ocorrido audiência de custódia, em face do que dispõe a Lei n. 13.964/2019, em razão da divergência de posicionamento entre as Turmas criminais que compõem esta Corte Superior de Justiça.

Contudo, após o advento da Lei n. 13.964/2019, não é mais possível a conversão da prisão em flagrante em preventiva sem provocação por parte ou da autoridade policial, do querelante, do assistente, ou do Ministério Público, mesmo nas situações em que não ocorre audiência de custódia.

Nesse sentido, deve-se considerar o disposto no art. 3º-A do CPP, que reafirma o sistema acusatório em que o juiz atua, vinculado à provocação do órgão acusador; no art. 282, § 2º, do CPP, que vincula a decretação de medida cautelar pelo juiz ao requerimento das partes ou quando, no curso da investigação criminal, à representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público; e, finalmente, no art. 311, também do CPP, que é expresso ao vincular a decretação da prisão preventiva a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou à representação da autoridade policial.

Vale ressaltar que a prisão preventiva não é uma consequência natural da prisão flagrante, logo é uma situação nova que deve respeitar o disposto, em especial, nos arts. 311 e 312 do CPP.

Não se vê, ainda, como o disposto no inciso II do art. 310 do CPP - possibilidade de o juiz converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos do art. 312 e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão - pode autorizar a conversão da prisão em flagrante em preventiva sem pedido expresso nesse sentido, já que tal dispositivo deve ser interpretado em conjunto com os demais que cuidam da prisão preventiva.

Dessa forma, pode, sim, o juiz converter a prisão em flagrante em preventiva desde que, além de presentes as hipóteses do art. 312 e ausente a possibilidade de substituir por cautelares outras, haja o pedido expresso por parte ou do Ministério Público, ou da autoridade policial, ou do assistente ou do querelante.

Por fim, a não realização da audiência de custódia (qualquer que tenha sido a razão para que isso ocorresse ou eventual ausência do representante do Ministério Público quando de sua realização) não autoriza a prisão, de ofício, considerando que o pedido para tanto pode ser formulado independentemente de sua ocorrência. O fato é que as novas disposições legais trazidas pela Lei n. 13.964/2019 impõem ao Ministério Público e à Autoridade Policial a obrigação de se estruturarem de modo a atender os novos deveres que lhes foram impostos.

 


RHC 131.263, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por maioria, julgado em 24/02/2021.


A Justiça Penal Negociada e os Direitos Fundamentais

Claudia da Rocha e  Marlus H. Arns de Oliveira

Os avanços tecnológicos, econômicos e científicos nos conduzem cotidianamente “a uma nova modernidade” e caracterizam a chamada sociedade de risco. O mercado financeiro e de capitais, o controle de remessa de divisas, o combate à lavagem de dinheiro – entre muitos - são alguns dos fenômenos que o Direito Penal reconhece e acaba por tipificar condutas.

Nesse cenário, em que o Direito Penal tenta coibir ataques à economia, à globalização, às sociedades empresariais, ao meio ambiente, gradativamente nos afastamos da “ultima ratio” de controle e passamos – para o bem e para o mal – a um discurso de “Direito Penal liberal”.

Assim, condutas que outrora eram objeto de tutela na seara administrativa passam a ser tuteladas pelo Direito Penal, utilizando-se o Direito Administrativo como braço de apoio do Direito Penal, ocasionando uma desenfreada expansão.

Em decorrência dessa expansão penal e dos novos desafios impostos pela sociedade de risco tem-se, no cenário processual penal, a introdução de instrumentos de justiça negociada, na qual se alteram os ambientes de conflitos por espaços de consenso.

Desse contexto temático, extrai-se o seguinte problema: como conciliar esse quadro, em que, de um lado, o Estado expande a incidência do Direito Penal e, de outro, afasta-se, ainda que parcialmente, da resolução do conflito primando pela justiça penal negocial?

O negócio processual penal pode ser concei­tuado, de forma ampla, como um acordo entre acusação e defesa, com concessões mútuas e possibilitando uma solução antecipada para o conflito.

Conforme Sánchez, na justiça negociada, os valores como “verdade e justiça ficam, quando muito, em segundo plano”[1]. Parte-se da premissa de que devem ser buscados novos paradigmas na aplicação do Processo Penal, de modo a torná-lo mais célere, efetivo e negocial.

A negociação no Processo Penal, apesar de ser uma forte tendência, em especial com o recente Acordo de Não Persecução Penal, é um tema sensível – desde a transação penal à suspensão condicional do processo, pois afasta o Estado-Juiz de sua atuação como interventor necessário e coloca-o na condição de expectador do conflito.

A própria concepção do Processo Penal, compreendido como instrumento legitimador do exercício do poder punitivo estatal, ganha novos contornos após o acolhimento da transação penal, da suspensão condicional do processo, da colaboração premiada e do acordo de não persecução penal. Assume-se a faceta contratual de um negócio jurídico.

Nesse sentido, exemplificativamente, o artigo 3º-A da Lei n. 12.850/2013 estabelece que “o acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual”, em consonância com o que já havia decidido o Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 127.483/PR.

É certo que a figura do negócio jurídico possui relevo no direito privado, sendo igualmente correto afirmar que vem ganhando força no âmbito processual penal. Inicia-se com a edição da Lei n. 9.099/1995, ao disciplinar sobre a transação e a suspensão condicional do processo, expande-se com a colaboração premiada e, mais recentemente, com a inclusão do acordo de não persecução penal, pela Lei Anticrime, no Código de Processo Penal.

No entanto, é essencial compreender que enquanto no campo civil se lida mais com o “ter”, no âmbito penal a preocupação maior é o homem. Por isso, quando se pensa, por exemplo, no acordo de não persecução penal surgem problemas como i) a supervalorização da confissão, a nosso sentir totalmente inconstitucional enquanto condição obrigatória no acordo de não persecução penal e ii) a ilusão de voluntariedade e consenso, que oculta a sujeição do acusado ao poder do Estado, em especial, quanto à pena pretendida pelo acusador.

É certo que o abuso na utilização desses instrumentos de negociação penal levará à falência dos institutos, por isso toda cautela se faz necessária, bem como o cumprimento das obrigações legais e o imprescindível registro integral das negociações.

Não obstante as problemáticas suscitadas, e muitas outras existentes, faz-se  necessário analisar e debater novos pressupostos para a compreensão do Processo Penal, especialmente no que concerne à distinção entre direitos fundamentais e privilégios, pois a disponibilidade da ação penal e o direito ao processo são pressupostos da negociação.

A título exemplificativo, no caso do acordo de não persecução penal, em que se confessa e se negocia a pena, cabe destacar o seguinte:

 

  1. a) se a presunção da inocência e o direito ao processo forem tratados como Direitos Fundamentais indisponíveis, será impossível negociar-se a culpa e pena, logo, por dever de coerência, não se poderá aceitar a negociação porque o caso penal seria inegociável;
  2. b) no entanto, se a presunção de inocência e o direito ao processo forem normas disponíveis, não se poderá invocar boa parte da tradição continental de Direito processual penal, e deverá se compreender (a negociação) como privilégios, portanto, disponíveis.[2]

 

Portanto, o verdadeiro divisor de águas neste momento de transição do Direito Penal e Processual Penal é a definição do que se constituiu fundamentalmente como standard de garantias e o que pode ser negociado. Isso porque são verdadeiramente os Direitos Fundamentais as balizas para a negociação. Estabelecidos quais são os resguardos básicos da dignidade humana, estará assegurado que os novos institutos de negociação penal observem o devido processo legal.

 


Claudia da Rocha é advogada, pós-graduada em Direito Constitucional pelo IDCC, em Direito e Processo Penal pela UEL, pós-graduanda em Direito Penal Econômico pelo IDPEE/IBCCRIM, mestranda em Direito Negocial na UEL e professora de Processo Penal e Prática Penal no Centro Universitário Unifamma.

Marlus H. Arns de Oliveira é advogado, sócio do escritório Arns de Oliveira & Andreazza Advogados Associados e doutor em Direito pela PUC/PR.


[1] SÁNCHEZ, Jesus-Maria Silva. A Expansão do Direito Penal. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 90.

[2]ROSA, Alexandre Morais da. Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. 6. ed. Florianópolis: EMais, 2020, p. 508.


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O Supremo Tribunal Federal e os limites do acordo de não persecução penal

Rodrigo Antonio Serafim e Jéssica Raquel Sponchiado

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) foi inserido no Art. 28-A do Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019 como instrumento para se efetivar a ideia de justiça penal consensual, sendo aplicável quando o investigado tiver confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça, desde que o delito tenha pena mínima inferior a quatro anos. De outro lado, as condições a serem cumpridas de forma cumulativa ou alternativa são: I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, IV – pagar prestação pecuniária à entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

Ressalta-se que o ANPP apresenta suma relevância, pois a celebração e o cumprimento do acordo não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º do Art. 28-A, CPP, assim como, uma vez cumprido integralmente, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.

De acordo com dados do Ministério Público Federal, os crimes de maior incidência dos acordos são: contrabando ou descaminho, uso de documento falso, falsidade ideológica, estelionato, crimes contra o meio ambiente e o patrimônio, crimes contra a ordem tributária, falsificação de documento particular, estelionato majorado, crimes do sistema nacional de armas, fraudes, crimes contra a administração ambiental.

Para além destes delitos, tem tido destaque na mídia o alcance do acordo também no âmbito de crimes eleitorais. Como ilustração, menciona-se o Acordo de Não Persecução Penal firmado entre o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, e a Procuradoria-Geral da República, recentemente homologado pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal. Onyx Lorenzoni foi investigado pela prática do crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral, que diz respeito à falsidade ideológica eleitoral, conhecida, popularmente, como “Caixa 2”. A investigação partiu da homologação da colaboração premiada de executivos da J&F, os quais demonstraram repasses dos valores concernentes a R$ 100 mil, em 30/8/2012, e R$ 200 mil, em 12/9/2014, por meio de doações eleitorais não contabilizadas. Onyx confessou a prática do crime eleitoral a ele imputado, como condição de realização do ANPP, perante o qual firmou-se o compromisso de pagamento de prestação pecuniária no valor de R$ 189.145,00.

Referido caso ilustra a importância de compreensão do ANPP e do alcance de sua aplicabilidade, se, no caso mencionado, a propositura de uma ação penal resultasse em condenação, poderia torná-lo inelegível a mandatos eletivos.

Contudo, em sentido geral, pôde-se observar que diversos temas em torno da aplicação do ANPP restaram em aberto, com determinadas ambiguidades, omissões e problematizações, tais como: a natureza jurídica da norma inserida no mencionado artigo; o cabimento da aplicação retroativa em benefício do réu; a possibilidade de aplicá-lo quando o imputado não tiver confessado anteriormente, durante a investigação ou a ação penal. Estes temas serão definidos pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus nº 185.913/DF, cuja relatoria é do ministro Gilmar Mendes. Aguarda-se a pauta de julgamento para a decisão destas discussões em aberto, com destaque à retroatividade do instituto para condenações com trânsito em julgado.

Desse modo, aguarda-se o julgamento do Habeas Corpus perante o Plenário do STF para a definição de todas estas problemáticas que restaram não esclarecidas pelo meio legislativo.

 


*Rodrigo Antonio Serafim e Jéssica Raquel Sponchiado, sócios do escritório Alamiro Velludo Salvador Netto Advogados Associados.


https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-supremo-tribunal-federal-e-os-limites-do-acordo-de-nao-persecucao-penal/


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Juíza nega acusações contra políticos fundadas em delação da Odebrecht

Por: Migalhas

A juíza de Direito Gabriela Muller Carioba Attanasio, da vara da Fazenda Pública de São Carlos, julgou improcedente ação de improbidade fundamentada na colaboração premiada de ex-executivos da Odebrecht. A ação foi movida contra ex-deputado Federal Newton Lima e os ex-prefeitos de São Carlos Oswaldo Barba e Paulo Altomani por suposto recebimento de doação ilícita.

A ação foi ajuizada pelo Ministério Público Federal, em dezembro de 2017, alegando que os ex-prefeitos de São Carlos, Oswaldo Barba e Paulo Altomani teriam recebido doações não contabilizadas para a campanha municipal de 2012. A acusação se fundamentou nos relatos dos colaboradores da Odebrecht Fernando da Cunha Reis e Guilherme Pamplona Paschoal e em planilhas entregues pelos colaboradores.

Em maio de 2019 a defesa do ex-Deputado Federal Newton Lima e do ex-Prefeito Oswaldo Barba obteve decisão favorável que reconheceu a incompetência da Justiça Federal para processamento da ação.

Em acórdão proferido pela 3ª turma do TRF da 3ª região, entendeu-se que o fato de o ex-deputado Federal ser acusado de participar das supostas tratativas ilícitas não atrairia, por si só, a competência da Justiça Federal.

A ação foi então remetida para a Justiça estadual de São Carlos. O Ministério Público Estadual concordou a denúncia oferecida em 2017 pelo Ministério Público Federal e prosseguiu com a acusação.

Comprovação

Ao analisar o caso, a juíza entendeu que a acusação inicial não foi comprovada. Para a magistrada, a planilha referida no processo está em desacordo com a realidade fática relatada pelos colaboradores, no sentido de que parte do valor foi para o candidato Paulo Altomani, cujo nome sequer é mencionado.

"Note-se, ainda, que há SMS de Newton para GP (colaborador) no dia 10.10.12 e SMS de Newton para GP (colaborador) no dia 15.10.12, ambas, portanto, em data posterior às eleições, que ocorreram em 07/10/12, e foram vencidas por Paulo Altomani. Assim, não faria sentido mensagem para doação de campanha que já terminou, após uma eleição que se perdeu."

A magistrada ressaltou, ainda, que privatizações nunca fizeram parte do plano de governo do PT, ao contrário, sendo que, quanto ao saneamento, foi editada, inclusive, uma lei que proibia a concessão do serviço de saneamento.

"A inicial menciona claramente que a empresa Odebrecht esperava uma contrapartida, que seria a privatização do serviço, sendo que, no decorrer dos mandatos de Newton e Oswaldo não ocorreu nenhuma privatização, tendo sido construída a Estação de Tratamento do Esgoto da cidade, com verbas públicas."

Para a juíza, não obstante a inicial tenha mencionado que se esperava uma contrapartida, em audiência, os colaboradores, contrariando o relatado, afirmaram que nada foi falado do que era preciso em contrapartida e que as doações não estavam vinculadas e nenhuma obrigação de direcionamento de processo licitatório.

Dessa forma, julgou improcedente o pedido.

Opinião

Para a defesa do ex-deputado Federal Newton Lima e ex-prefeito de São Carlos Oswaldo Barba, promovida pelos advogados Igor Tamasauskas e Otávio Mazieiro, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, a sentença foi justa para o desfecho do caso.

"Além de os fatos relatados pelos colaboradores serem contraditórios com os próprios documentos que apresentaram, não existia sequer lógica na acusação de supostas doações de grupo empresarial para políticos que sempre se posicionaram publicamente contra os eventuais interesses de privatizar o saneamento público de São Carlos."

  • Processo: 0004572-86.2019.8.26.0566

Veja a sentença.


https://migalhas.uol.com.br/quentes/340493/juiza-nega-acusacoes-contra-politicos-fundadas-em-delacao-da-odebrecht?U=KLzRBJ

 


Competência para homologação de acordo de colaboração premiada

Fonte: Inormativo 1004/2021 do STF

A ação de habeas corpus deve ser admitida para atacar atos judiciais que acarretem impacto relevante à esfera de direitos de imputados criminalmente.

Há medidas cautelares restritivas a direitos importantes, adotados em processo criminal, que merecem atenção por instâncias revisionais pela via mais expedita possível.

Em relação à homologação de um acordo de colaboração premiada, trata-se de etapa fundamental da sistemática negocial regulada pela Lei 12.850/2013 e que toca diretamente com o exercício do poder punitivo estatal, visto que, nele, regulam-se benefícios ao imputado e limites à persecução penal. Ademais, atualmente, inexiste previsão legal de recurso cabível em face de não homologação ou de homologação parcial de acordo.

A homologação de acordo de colaboração, em regra, terá que se dar perante o juízo competente para autorizar as medidas de produção de prova e para processar e julgar os fatos delituosos cometidos pelo colaborador. Caso a proposta de acordo aconteça entre a sentença e o julgamento pelo órgão recursal, a homologação ocorrerá no julgamento pelo Tribunal e constará do acórdão.

O regramento introduzido pela Lei 12.850/2013 foi claro ao admitir a colaboração em qualquer etapa da persecução penal, ainda que após o início do processo ou a prolação da sentença (art. 4º, § 5º) (1).

No caso, o acordo de colaboração foi entabulado entre o Ministério Público Federal e o paciente antes da prolação da sentença, mas, por um descuido, não foi levado à homologação durante a fase pré-processual. Ademais, o paciente não foi denunciado nos processos já sentenciados e que se encontram no Tribunal, de modo que eventual denúncia seria também de competência do Juízo da 1ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro em razão de possível prevenção.

Com base nesse entendimento, a Segunda Turma concedeu parcialmente a ordem de habeas corpus para assentar a competência do Juízo de primeiro grau para a homologação do acordo de colaboração premiada celebrado entre o Ministério Público Federal e o paciente, devendo a autoridade proceder à análise da regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo.

(1) Lei 12.850/2013: “Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: (...) § 5º Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.”

HC 192063/RJ, relator Min. Gilmar Mendes, julgamento em 2.2.2021


Apontamentos sobre a Cadeia de Custódia da Prova Digital no Processo Penal

Por Guilherme Brenner Lucchesi[i] e Ivan Navarro Zonta[ii]

A constante evolução dos meios de comunicação digital e formas de interação virtual — para fins pessoais, negociais, financeiros etc. — é acompanhada pelo constante surgimento de novas formas de prática de atos delituosos. Recentemente, tem-se visto que a criminalidade contemporânea não se reduz à criminalidade violenta “das ruas”.

Hoje, ao contrário, trata-se com cada vez maior atenção a crimes que se manifestam em formas complexas, desde a corrupção nos órgãos da administração pública, passando por operações ilícitas em sede de atividade empresarial, até toda sorte de fraudes virtuais e desvios de valores por meio de sistemas eletrônicos de transação.

Nesse contexto, vê-se também uma alteração significativa no tocante à investigação e às provas atinentes a tais fatos delituosos. O que antes tomava a forma de coleta de vestígios físicos em locais de crime, perícias médicas e/ou em objetos diversos e inquirição de testemunhas (dentre outras formas “clássicas” de investigação), hoje se substitui cada vez mais pela apreensão e análise de dados digitais. Isso se dá, naturalmente, por meio da apreensão dos aparelhos e mídias que contém tais dados, como celulares, computadores, notebooks, HDs externos e pendrives etc.

Vê-se comumente, portanto, operações policiais que resultam na apreensão de um sem número de aparelhos de eletrônicos de órgãos públicos, pessoas jurídicas e pessoas físicas, sob o fundamento da necessidade de acesso e análise de dados virtuais. E mais: via de regra, os aparelhos apreendidos são aqueles de cujo uso diário dependem frequentemente os “alvos” dessas investigações. Por exemplo, a investigação da prática de crimes de corrupção envolvendo empresas resultará justamente na apreensão dos aparelhos eletrônicos por meio dos quais a empresa realiza suas atividades. No tocante à pessoa física investigada, isso por vezes é ainda mais preocupante: não somente sua “vida profissional”, mas principalmente toda sua intimidade e sua vida pessoal se encontram “gravadas” nos dados digitais de um aparelho celular apreendido.

Não é rara, portanto, a contraposição de dois objetivos legítimos: (i) a aquisição e análise dos dados digitais relevantes à investigação, de um lado, e (ii) a restituição dos aparelhos eletrônicos apreendidos com a finalidade de obtenção de provas (excetuados, por exemplo, os casos de apreensão de bens que consistem em objeto ou produto de crime, ou sujeitos a perdimento).

O Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, nessas situações, comumente adota estratégia ótima que concilia a aquisição e análise de dados digitais com o respeito ao direito de propriedade dos investigados: a devolução dos bens após a realização do “espelhamento” do conteúdo de dados — ou seja, cópia integral dos dados e meta-dados da mídia eletrônica. A título exemplificativo, tem-se voto do Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto:

Em relação aos aparelhos telefônicos também não visualizo a necessidade de que continuem apreendidos por prazo tão dilargado. Com efeito, o simples espelhamento resolve a questão dos dados armazenados que porventura interessem ao processo. A parte não pode ser penalizada pela demora na realização da perícia sem sequer ter contra si a denúncia formalmente ofertada pelo Ministério Público Federal. Nessa linha, tenho que assiste razão ao requerente ao postular a devolução do numerário e dos aparelhos telefônicos apreendidos. Assim, determino a imediata devolução dos valores apreendidos ao postulante. Em relação aos aparelhos celulares, a fim de evitar prejuízos às investigações em andamento defiro o prazo de 30 dias para que o espelhamento seja realizado. Após o decurso desse prazo, porém, devem ser restituídos ao requerente. (TRF4 – 8.ª T. – ACR n.º 5027313-97.2018.4.04.7200 – Rel. p/ acórdão Des. Fed. João Pedro Gebran Neto – em 20 dez. 2019)

Mesmo no âmbito da Operação “Lava Jato”, a Corte já decidiu que “a restituição de equipamento de informática apreendido, conjugada com a fixação de um prazo razoável para a prévia realização de cópias pela autoridade policial, configura a medida mais adequada para compatibilizar o interesse público (eficiência da persecução penal) e o interesse particular (direito de propriedade e o exercício das atividades profissionais)” (TRF4 – 8.ª T. – ACR n.º 5005448-41.2015.4.04.7000 – Rel. Juiz Federal Nivaldo Brunoni – em 23 fev. 2016).

O entendimento do Tribunal parece ser o correto. Em se tratando de “evidência digital” — “informações ou dados, armazenados ou transmitidos em forma binária, que podem ser invocados como evidência” —, há norma brasileira pouco conhecida e especialmente importante, consistente na norma NBR/ISO 27073:2013, elaborada no Comitê Brasileiro de Computadores e Processamento de Dados (ABNT/CB-21) pela Comissão de Estudo de Técnicas de Segurança. A norma está vigente desde 9 de janeiro de 2014, e “fornece diretrizes para atividades específicas no tratamento de potenciais evidências digitais”, conforme os processos (etapas) de “identificação, coleta, aquisição e preservação”.

A compatibilização da investigação das evidências digitais com a devolução dos aparelhos eletrônicos apreendidos aos legítimos proprietários parece não encontrar impedimento direto na referida norma, que conceitua o processo de “aquisição” justamente como o “processo de criação de cópia de dados em um conjunto definido”.

Já em 2014, anos antes da inclusão de diversos dispositivos acerca da cadeia de custódia da prova nos arts. 158 e seguintes do CPP, a NBR/ISO 27073:2013 já descrevia este procedimento como “documento, ou uma série de documentos relacionados, que detalha a cadeia de custódia e os registros de quem foi o responsável pelo manuseio da potencial evidência digital, seja na forma de dado digital ou em outros formatos”.

A despeito da mencionada reforma no Código e de julgados tais quais os acima indicados, a complexidade técnica e a relevância das evidências digitais no cenário atual da persecução penal não são adequadamente acompanhados pelo refinamento técnico da jurisprudência e da atividade ministerial e advocatícia. Cabe aos operadores do direito penal, frente a esses desafios, abandonar o falso conforto do “lugar comum” das análises exclusivamente jurídicas a fim de especializar-se no que já é importante componente do direito penal: o mundo dos dados digitais.

 


[i] Advogado sócio da Lucchesi Advocacia. Presidente do IBDPE. Doutor em Direito pela UFPR. Master of Laws pela Cornell Law School. Professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da UFPR. Contato: guilherme@lucchesi.adv.br

[ii]  Advogado sócio da Lucchesi Advocacia. Associado ao IBDPE. Mestrando em Direito pela UFPR. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela ABDConst. Contato: ivan@lucchesi.adv.br


Algumas informações sobre a NB/ ISSO 27073:2013:

https://academiadeforensedigital.com.br/iso-27037-identificacao-coleta-aquisicao-e-preservacao-de-evidencia/


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Lewandowski pede informações ao Ministério da Justiça sobre cooperação internacional na Lava Jato

Fonte: Imprensa STF 

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu prazo de cinco dias para que o Ministério da Justiça e Segurança Pública informe se realizou diretamente ou se intermediou tratativas internacionais, no âmbito da operação Lava Jato, concernentes à Petrobras ou à Odebrecht, especialmente quanto a repatriação de valores, pagamentos de multas, ajuste de indenizações, perícias técnicas, acordos de leniência e intercâmbio de dados, entre 1º/1/2014 e 31/12/2020. Em caso de resposta positiva, o ministro determinou que seja informado o objeto e as datas das tratativas.

Em petição apresentada nesta quarta-feira (17) pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Reclamação (RCL) 43007, seus advogados informam que novas mensagens trocadas entre os procuradores mostram que a Lava Jato teria atuado com o auxílio de agências estrangeiras, como o FBI e o Ministério Público da Suíça, fora dos canais oficiais, o que afronta acordos firmados entre o Brasil e esses países. Segundo a petição, o material foi ocultado da defesa técnica de Lula, do STF, mesmo após determinação expressa do ministro Lewandowski, e dos autos originários.

De acordo com a petição, as novas mensagens indicam que a Lava Jato teria solicitado aos norte-americanos ajuda para desenvolver o “caso Odebrecht” e que, desde 2015, a força-tarefa tinha Lula como “alvo pré-definido e desenvolvia suas operações com o objetivo de constranger pessoas para que “falassem algo” sobre ele. Segundo a defesa, o material também indicaria que a força-tarefa recebeu, fora dos canais oficiais, informações das agências norte-americanas para promover a quebra do sigilo fiscal de familiares de Lula.

Leia a íntegra do despacho.

VP/AS//CF

Leia mais:

9/2/2021 - 2ª Turma garante a Lula acesso a arquivos da Operação Spoofing

Processo relacionado: Rcl 43007


http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=460661&tip=UN : Acesso 18/02/2021 às 18:30


A restrição à celebração de ANPP na nova Lei de Licitações

Por Thiago Diniz Nicolai e Renata Rodrigues de Abreu Ferreira

Com o advento do pacote "anticrime" (Lei nº 13.964/2019), foi instituído um importante meio de diversão processual penal, verdadeiro instrumento de justiça consensual: o acordo de não persecução penal (ANPP).

Trata-se de uma nova realidade experimentada pelos tribunais e que já mostrou que veio para ficar. Para que se possa ter uma ideia de seu alcance, três meses após sua entrada em vigor o Ministério Público Federal já havia celebrado 1.043 acordos em todo o país [1], marca esta que, em setembro do ano passado, já havia ultrapassado os cinco mil [2] só no âmbito federal.

O ANPP nada mais é do que um ajuste entre Ministério Público e investigado — quando não seja caso de arquivamento do apuratório [3] e se tratar de infração penal que não envolva violência ou grave ameaça, cuja pena mínima seja inferior a quatro anos —, celebrado mediante a confissão formal e circunstanciada da prática delitiva [4], em que é possível se impor condições que podem ir desde a exigência de reparação do dano, renúncia de bens e/ou direitos, prestação de serviços à comunidade, prestação pecuniária, até outras condições especialmente pactuadas para o caso.

A celebração do acordo, ao mesmo tempo que evita máculas aos antecedentes, faz com que se evite um longo e custoso processo perante a já assoberbada Justiça e se obtenha o ressarcimento dos danos de maneira mais célere e efetiva. A título exemplificativo, podemos citar os acordos firmados pelo Ministério Público Federal, homologados pela 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, com três pessoas que mantinham ilicitamente valores no exterior, provenientes de herança e de sonegação fiscal, as quais se comprometeram a pagar multas que somam quase R$ 150 milhões [5].

Inobstante tais avanços, o Projeto de Lei nº 4.253/2020, que modifica a Lei de Licitações vigente (Lei nº 8.666/1993), recentemente aprovado pelo Senado e aguardando sanção presidencial, parece querer enfraquecer a amplitude do ANPP.

No projeto, em que pese grande parcela da redação dos preceitos primários dos tipos já anteriormente previstos na Lei nº 8.666/1993 tenha sido mantida, foi proposto o aumento da pena mínima para quatro anos para quase todos os delitos envolvendo irregularidades licitatórias, tais quais "contratação direta ilegal", "frustração do caráter competitivo de licitação", "modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo" e "fraude em licitação ou contrato".

O resultado disso é a restrição na possibilidade de celebração do acordo de não persecução penal, pois um de seus requisitos objetivos é que o delito tenha pena mínima inferior a quatro anos.

Ora, como já exposto, o ANPP foi instituído pelo legislador como um mecanismo de composição que permite a reparação do dano de modo mais célere, que é precisamente um dos interesses precípuos da Administração Pública [6].

É importante esclarecer que não se ignora a gravidade de tais delitos. No entanto, é cediço que um processo criminal, ainda mais em casos de fraudes à licitação, é bastante complexo — especialmente no que tange aos elementos de prova — e pode levar anos e anos, por vezes restando até frustrada a expectativa de reparação do dano. Desse modo, se o intuito do legislador é tornar mais severa a punição para alguns dos crimes ali estipulados, seria muito mais coerente recrudescer a pena máxima do tipo para que, assim, possa o intérprete aplicar a lei com todas as possibilidades consoante seja o caso.

O ideal seria deixar a possibilidade de aplicação de acordo de não persecução penal ou não nas mãos dos aplicadores da lei, consoante entenda ser o caso, até porque não se pode olvidar que, em casos especiais, em que vislumbrado que o oferecimento do acordo não seria suficiente para a reprovação e prevenção do crime, a legislação processual penal já prevê que o Ministério Público poderia justificar a não propositura do acordo.

Ademais, se bem observarmos, todos os crimes do Título XI do Código Penal, que tipifica os crimes contra a Administração Pública — entre eles: dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração em geral (peculato, corrupção, concussão, excesso de exação, por exemplo, que possuem penas máximas elevadas), dos crimes praticados por particular contra a Administração em geral e dos crimes praticados por particular contra a Administração Pública estrangeira —, por norma, admitem, ao menos, a celebração de acordo de não persecução penal. Significa dizer que seria um contrassenso — e até mesmo um desrespeito à proporcionalidade — inadmiti-lo nas hipóteses de crimes em licitações e contratos administrativos, especialmente quando as condutas descritas não apresentam uma maior reprovabilidade social que àquelas previstas no Código Penal.

Isso posto, como se vê, nada justificaria o recrudescimento da pena mínima nos delitos já mencionados, os quais destoam dos interesses da própria Administração Pública, assim como das últimas políticas legislativas favoráveis aos mecanismos de diversão processuais e, nessa medida, o ideal seria que fossem tais alterações objeto de veto presidencial.

 


Thiago Diniz Nicolai é sócio do escritório Malheiros Filho, Meggiolaro e Prado – Advogados.

Renata Rodrigues de Abreu Ferreira é advogada do escritório Malheiros Filho, Meggiolaro e Prado – Advogados, mestre e doutoranda em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra.


[1]. Dados disponíveis na página da instituição, conforme: <http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-celebra-mais-de-2-mil-acordos-de-nao-persecucao-penal>.

[2]. Dados esses computados até setembro de 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-set-17/mpf-fechou-mil-acordos-nao-persecucao-penal#:~:text=O%20Minist%C3%A9rio%20P%C3%BAblico%20Federal%20
anunciou,somente%20no%20ano%20de%202020
>.

[3]. Tampouco de oferecimento de transação penal, benesse prevista pela Lei nº. 9.099/1995.

[4]. Desde que não se trate de reincidente, de que não haja elementos que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas, e que não tenha o indivíduo sido beneficiado, nos últimos 5 anos, de outro ANPP ou suspensão condicional do processo.

[5]. Notícia disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-set-04/mpf-celebra-dois-acordos-nao-persecucao-recuperar-150-mi#:~:text=MPF%20celebra%20dois%20acordos%20de%20n%C3%A3o%20persecu%C3%A7%C
3%A3o%20para%20recuperar%20R%24%20150%20milh%C3%B5es&text=O%20Minist%C3%A9rio%20P%C3%BAblico%20Federal%20firmou,heran%C3%A7a%20e%20de%20sonega%C3%A7%C3%A3o%20fiscal
>.

[6]. Nesse sentido, pode-se mencionar, a título ilustrativo, o acordo de não persecução celebrado pelo Ministério Público Federal em um caso em que houve contratação de bandas para evento com dispensa indevida de licitação envolvendo verbas do Ministério do Turismo. Segundo noticiado, logo após a celebração do ANPP, os valores dos pagamentos de prestação pecuniária já estavam sendo depositados em conta de titularidade da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado da Paraíba e seriam redirecionados às entidades sociais beneficiárias previamente cadastradas pelo Juízo. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pb/sala-de-imprensa/noticias-pb/mpf-firma-acordos-de-nao-persecucao-penal-com-agentes-publicos-envolvidos-em-irregularidades-com-verbas-do-ministerio-do-turismo>.


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Ninguém é obrigado a fornecer a senha do seu celular

Por Luiz Flávio Borges D'Urso[1]

O aparelho celular tem se tornado, cada vez mais, um dispositivo no qual armazenamos praticamente tudo sobre nossas vidas. Desde nossa agenda de telefones, até fotos, documentos, anotações e mensagens.

Pelo celular recebemos e transmitimos nossos e-mails e mensagens, de modo que ali se encontram nossas conversas profissionais, pessoais e íntimas. Talvez por uma falha do fabricante, não se exige uma senha específica para acessar alguns aplicativos e os e-mails, quando o usuário já tiver desbloqueado o celular.

Habituamos a registrar as nossas vidas, por meio de milhares de fotos e vídeos que são armazenadas no álbum de fotografias do celular, de maneira que, por elas, se pode verificar, facilmente, por onde andamos, quais locais visitamos, com quem estivemos, o que apreciamos, etc. Por este dispositivo, nossa vida é desnudada.

Muitos documentos, inclusive os mais importantes, que outrora estavam no cofre ou em gavetas trancadas em nossas casas e escritórios, agora estão conosco, acompanhando-nos todo o tempo, podendo ser acessados por qualquer pessoa que obtenha a senha do nosso celular.

Nossa agenda diária de compromissos, que antes era feita no papel e descartada ao final de cada ano, agora acumula informações ano após ano, na palma da mão, registrando o passado, o presente e o futuro.

Não há dúvida, que neste aspecto, o aparelho celular se assemelha às gavetas, arquivos e cofres do cidadão, cujo acesso, reitera-se, é extremamente facilitado, bastando inserir uma senha (numérica, biométrica ou de reconhecimento facial) para escancarar todo o seu conteúdo.

A questão principal é se o cidadão pode manter esta senha em sigilo absoluto, não a revelando a ninguém, nem mesmo à polícia ou a um juiz de Direito, mesmo no caso de apreensão do aparelho. A resposta é positiva. O cidadão não está obrigado a fornecer esta senha a ninguém, nem, tampouco, a desbloquear seu celular.

Em outras palavras, caso se obtenha acesso ao conteúdo do celular, sem autorização do seu proprietário ou sem uma ordem judicial, tudo o que for ali encontrado não poderá ser utilizado como prova contra o dono do celular.

Este foi o entendimento da 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujos Ministros decidiram, por unanimidade, no julgamento do RHC 89.981, que a conversa por WhatsApp não pode ser utilizada como prova, quando o seu acesso não foi autorizado pela Justiça, pois será uma invasão, além de uma prova ilegal.

O inciso X do artigo 5º da Constituição Federal brasileira veda o acesso a estas informações, quando estabelece, a inviolabilidade a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Assim decidiu o ministro relator Reynaldo Soares da Fonseca, no RHC citado, ao analisar o acesso a mensagens, sem prévia autorização judicial, concluindo que houve violação dos dados armazenados no celular, e em razão disso, determinou o desentranhamento dos autos, das conversas pelo WhatsApp.

Conforme se verifica, as garantias individuais protegem as informações e dados do cidadão constantes do celular, assim, de acordo com a lei, um policial não pode, para produzir provas, obrigar ninguém a informar a senha do celular ou a desbloqueá-lo.

Dúvida persistiria, nos casos em que a apreensão do celular se dá por ordem judicial, ou mesmo quando um Juiz de Direito ordena (ilegalmente), que lhe seja fornecida a referida senha. Nestes casos, o cidadão estaria obrigado a obedecer à ordem judicial e caso não o fizesse, responderia por algum crime?

A resposta é simples. Em nenhuma hipótese o cidadão estará obrigado a fornecer a senha de seu celular a quem quer que seja, nem mesmo a um Juiz de Direito. O aparelho pode ser apreendido, o juiz poderá determinar a realização de perícia e a tentativa da quebra do sigilo da senha, mas não poderá ordenar ou compelir o cidadão a revelar a senha desse aparelho.

Ademais, outro fundamento para esta conclusão decorre do princípio de que ninguém está obrigado a fazer prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere) e também do Pacto San José da Costa Rica (art. 8º, 2, g), do qual o Brasil é signatário, que garante o direito da pessoa de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.

Diante de tudo isto, verifica-se que a não obrigatoriedade de fornecimento da senha para desbloqueio do celular visa proteger o conteúdo da vida do cidadão, vida esta, que por um fenômeno da atualidade, encontra-se armazenada no seu celular, razão pela qual, este conteúdo precisa estar amparado e protegido pela lei.

 


[1] Luiz Flávio Borges D'Urso é advogado criminalista do escritório D'Urso e Borges Advogados Associados, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, presidente da OAB/SP por três gestões, conselheiro Federal da OAB, presidente de honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM).


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