Por: Ludmilla Braga Gomes[1] eMatheus Cordeiro Distler[2]

 

A lavagem de dinheiro tem sua tipificação penal disposta na Lei n. 9.613/98, podendo ser definida como o processo complexo que visa dar aparência de licitude vantagens de origem ilícita.

Nesse sentido, assevera Guilherme Lucchesi[3], citando Blanco Cordero “que a lavagem de dinheiro é um processo, o que significa não tratar de um fato pontual, mas sim de uma série de atos realizados progressivamente, com um determinado objetivo”, e complementa conceituando a lavagem de dinheiro como “o processo em virtude do qual os bens de origem delitiva se integram no sistema econômico legal com aparência de terem sido obtidos de forma lícita”[4].

Segundo Sánchez Rios[5], o Grupo de Atuação Financeira (GAFI)[6] indica que o processo de “lavar dinheiro” consiste em três fases, a colocação (placement), fase em que o bem ilícito é inserido no sistema financeiro, a dissimulação ou mascaramento (layering), que compreende dificultar o rastreamento desse ilícito para impedir sua localização, e por fim, a integração (integration), momento qual o capital volta para o sistema financeiro como se de origem legal fosse.

Retratando cada uma das fases, Badaró e Bottini descreve a primeira como “ocultação” (também, como anteriormente mencionado, placement/colocação/conversão), qual se refere ao movimento inicial, que busca “distanciar o valor de sua origem criminosa, como a alteração qualitativa dos bens, seu afastamento do local da prática da infração antecedente, ou outras condutas similares”, destacando que é a fase em que há “maior proximidade entre o produto da lavagem e a infração penal que o origina”. A segunda etapa, o mascaramento ou dissimulação do capital, caracteriza-se “pelo uso de transações comerciais ou financeiras posteriores à ocultação que, pelo número ou qualidade, contribuem para afastar os valores de sua origem ilícita”. Por último, a integração, marcada “pelo ato final da lavagem: a introdução dos valores na economia formal com aparência de licitude”.[7]

As três fases caracterizam o exemplo de uma movimentação completa e “bem-sucedida” de lavagem de dinheiro, contudo, não é necessário a realização de todas as fases para a configuração do delito, bem como adequação ao tipo penal. Ou seja, ocorrendo a prática somente da fase de mascaramento já estará configurado o crime de lavagem. No mesmo sentido é o entendimento da jurisprudência pátria, que compreende a desnecessidade da realização das três etapas para a configuração do delito de lavagem de dinheiro, igualmente desnecessário a prática de atos complexos ou uso da rede bancária.

Ademais, como observado acima, o crime de lavagem de dinheiro é delito que necessita de outro crime anterior, pois está vinculada a este, bem como os atos realizados com os bens, direitos ou valores provenientes daquele crime que visem torná-lo aparentemente lícito e tão somente podemos dizer que se tornou devidamente delito[8].

Nesse sentido, o crime de lavagem de dinheiro somente aceita a modalidade dolosa, o que implica dizer que somente quando o agente tem vontade dirigida consciente de ocultar ou dissimular a ilicitude do bem, direito ou valores a ser reciclado[9], pode ser considerado que cometeu o crime de lavagem de dinheiro. Se, ao contrário, o agente usufrui o objeto ilícito, sem que, de modo algum, tenha a “vontade dirigida” para reciclar esse objeto ilícito, não há que se falar em lavagem de dinheiro, senão em exaurimento do delito que originou o objeto ilícito.[10]

Sob este viés, o mero recebimento dos proveitos do crime anterior, bem como sua utilização sem o objetivo de fazer parecer que é lícito não configura o crime de lavagem de dinheiro, senão o mero exaurimento do delito anterior.

Voltemos, desta forma, às fases da lavagem de dinheiro, a jurisprudência entende que a realização da segunda etapa do processo (mascaramento) já basta para a configuração da lavagem de dinheiro. No entanto, não podemos confundir o uso dos bens, direitos ou valores derivados do delito anterior, o que se busca quando da realização de qualquer delito, com a fase de mascaramento, assim assevera André Luis Callegari[11], que o artigo 1º da lei 9.613/98 “exige que o autor dos fatos tenha que atuar com alguma das finalidades previstas legalmente, é dizer, seja a de ocultar ou dissimular a origem criminosa dos bens”.

É importante ressalva, haja visto o atual cenário das grandes operações contra os delitos citados e seus julgamentos, podemos relembrar, como meio exemplificativo, a malversação em alguns momentos do exaurimento do delito anterior e a configuração da lavagem de dinheiro no julgamento do mensalão (Ação Penal 470/MG), resultando em muito dos entendimento dos ministros em bis in idem.

Desta forma, a conclusão acima é extremamente importante para evitar-se, portanto, o bis in idem, não é necessário explicar a preocupação que o ordenamento jurídico brasileiro tem quanto à proibição, e a busca para que este não ocorra, ainda mais, em crimes no âmbito do direito penal econômico, contra a administração pública e contra o sistema financeiro.

 

 


[1] Acadêmica de Direito no Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA.

[2] Acadêmico de Direito no Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA.


[3] BLANCO CORDERO, Isidoro, 2012 apud LUCCHESI, Guilherme Brenner. Lavagem de dinheiro como mascaramento: limites à amplitude do tipo penal. Revista de Direito Penal Econômico e Compliance, v. 1/2020, p. 143 – 162, jan-mar, 2020, p. 4. Disponível em: <https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6adc50000017939a2767024d456c1&docguid=I24e8c44070b411ea915da7cefb575693&hitguid=I24e8c44070b411ea915da7cefb575693&spos=1&epos=1&td=1&context=105&crumb-action=append&crumb-label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 31/04/2021.

[4] BLANCO CORDERO, 2012 apud LUCCHESI. 2020.

[5] SÁNCHEZ RIOS, Rodrigo. Advocacia e lavagem de dinheiro: questões de dogmática jurídico-penal e de política criminal. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 48.

[6] Em 1989 foi instituído o Grupo de Ação Financeira – GAFI, “uma organização intergovernamental cujo propósito é desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.”. BRASIL. Ministério da Fazenda. Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF). Disponível em: <https://www.gov.br/coaf/pt-br/assuntos/o-sistema-de-prevencao-a-lavagem-de-dinheiro/sistema-internacional-de-prevencao-e-combate-a-lavagem-de-dinheiro/o-coaf-a-unidade-de-inteligencia-financeira-brasileira>. Acesso em: 04 mai. 2021.

[7] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 81.

[8] BITENCOURT, Cezar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Lavagem de dinheiro segundo a legislação atual money laundry according to current legislation. Revista Brasileira de Ciências Criminais, Local, v. 102/2013, p. 163-220, maio-Jun, 2013. p. 8. Disponível em: <https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6adc60000017939a87320903922ff&docguid=Ide470a70beb211e29562010000000000&hitguid=Ide470a70beb211e29562010000000000&spos=1&epos=1&td=1&context=255&crumb-action=append&crumb-label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em 31/04/2021.

[9] Ibid., p. 14.

[10] No mesmo sentido, assevera Mendroni: “Importa, entretanto, sobremaneira, a caracterização do elemento subjetivo do tipo – o dolo específico. Deve haver indícios suficientes de que o agente efetivamente pretenda “ocultar” ou “dissimular”, e não somente “guardar”, o provento do crime.”. Ainda, há que se falar da modalidade tentada, que será definida a partir dos acontecimentos da primeira fase, desde que por vontade alheia a do agente, seja impedida a ocultação. MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de Lavagem de dinheiro: Consumação e Tentativa. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 29 Ago. 2009. Disponível em: <investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-penal/4221-crime-de-lavagem-de-dinheiro-consumacao-e-tentativa>. Acesso em: 04 Mai. 2021.

[11] CALLEGARI, C.A.L.; BARAZZETTI, W.A. Lavagem de Dinheiro [Livro eletrônico]. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 184.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

BITENCOURT, Cezar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Lavagem de dinheiro segundo a legislação atual money laundry according to current legislation. Revista Brasileira de Ciências Criminais, Local, v. 102/2013, p. 163-220, maio-Jun, 2013. <https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6adc60000017939a87320903922ff&docguid=Ide470a70beb211e29562010000000000&hitguid=Ide470a70beb211e29562010000000000&spos=1&epos=1&td=1&context=255&crumb-action=append&crumb-label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em 31/04/2021.

BRASIL, Lei n.º 9.613, de 3 de Março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm>. Acesso em 30/04/2021.

BRASIL. Ministério da Fazenda. Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF). Disponível em: <https://www.gov.br/coaf/pt-br/assuntos/o-sistema-de-prevencao-a-lavagem-de-dinheiro/sistema-internacional-de-prevencao-e-combate-a-lavagem-de-dinheiro/o-coaf-a-unidade-de-inteligencia-financeira-brasileira> Acesso em 04/05/2021.

 

CALLEGARI, C.A.L.; BARAZZETTI, W.A. Lavagem de Dinheiro [Livro eletrônico]. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

 

LUCCHESI, Guilherme Brenner. Lavagem de dinheiro como mascaramento: limites à amplitude do tipo penal. Revista de Direito Penal Econômico e Compliance, v. 1/2020, p. 143–162, jan-mar, 2020. Disponível em: <https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6adc50000017939a2767024d456c1&docguid=I24e8c44070b411ea915da7cefb575693&hitguid=I24e8c44070b411ea915da7cefb575693&spos=1&epos=1&td=1&context=105&crumb-action=append&crumb-label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 31/04/2021.

 

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de Lavagem de dinheiro: Consumação e Tentativa. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 29 Ago. 2009. Disponível em: <investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-penal/4221-crime-de-lavagem-de-dinheiro-consumacao-e-tentativa>. Acesso em 04/05/2021.

 

SÁNCHEZ RIOS, Rodrigo. Advocacia e lavagem de dinheiro: questões de dogmática jurídico-penal e de política criminal. São Paulo: Saraiva, 2010.


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