Por: José Ewerton Bezerra Alves Duarte[1] Mayara de Lima Paulo[2] e Matheus Ribeiro Barreto Dias[3]

 

1 INTRODUÇÃO

O crime organizado, enquanto um meio para atingir poder e riquezas por meios ilícitos, configuram-se em modalidade típica extremamente complexa e com várias nuances e ramos, que vão desde o uso de meios ilegais/ilegítimos para a geração de lucro, como lobbies nas bolsas de valores e cartéis empresariais, até a exploração dos mais nefastos mercados, por exemplo, o tráfico de drogas, armas, órgãos e humanos (MICHAEL, 2004)[4]. Assim, é oportuno pontuar que a doutrina se debruçou timidamente em relação à análise da Lei 12.850/2013[5], devido, sobretudo, as variadas maneiras de incidência deste tipo penal[6] (CAMPOS, SANTOS, 2004).

A problemática nacional e até internacional, em relação à temática exposta, consiste no fato de o Poder Público não ter logrado ainda êxito pleno no efetivo combate às ações das Organizações Criminosas (OC’s). Neste sentido, enquanto aparato normativo, a Lei de Organizações Criminosas (LOC) aperfeiçoou tanto materialmente quanto processualmente a antiga Lei nº 9.034/1995, diversificando também seus meios de obtenção de provas, visto às excepcionalidades desta modalidade típica, que não se limitam aos métodos tradicionais (DA SILVA, 2014)[7].

A LOC também aparece como uma espécie normativa preparada a coibir os aspectos dos chamados “crimes de colarinhos branco”, cujos agentes possuem elevado poder aquisitivo e se utilizam de modus operandis que envolvem desde a corrupção de agentes estatais até o estabelecimento de estruturas piramidais aptas à lavagem de dinheiro. Mendroni (2015)[8] consigna que a LCO se incorpora à sistemática jurídica e constitui uma importante ferramenta na luta contra a delinquência organizada, evitando-se, outrossim, as mazelas socioeconômicas. Assim, o presente artigo se propõe a problematizar o instituto normativo das OC’s utilizando-se de metodologia bibliográfica e documental por meio de uma abordagem exploratória, doutrinária e jurisprudencial.

2 DAS PROVAS NA LEI 12.850/2013

Conforme discorre Capez (2013)[9], as provas são de extrema importância para a ciência do processo, pois é nelas que estão o alicerce para dar seguimento a um processo de forma efetiva (amparando a justa causa), devendo elas serem válidas e idôneas. Fazendo-se valer como um meio de compreensão dos fatos que dizem respeito ao crime, sua presença em termos processuais, é vital para a instauração do rito processualístico criminal.

Sendo o juiz orientado pelo princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional, cabe a ele, como julgador (e não como combatente do crime), julgar os fatos, aplicando-lhe a subsunção deles à norma, inclusive tendo o próprio Código de Processo Penal vedado a possibilidade de se basear exclusivamente nas provas colhidas na investigação. Noberto Avena (2013)[10] explica que a valoração da prova investigatória colhida pode vir a possuir elementos secundários de motivação, isto é, supletiva ou subsidiariamente, como forma de reforço às conclusões extraídas do contexto judicializado, onde em relação às organizações criminosas, as provas necessitam de novo revestimento, aplicabilidade e hermenêutica.

2.1.  O INSTITUTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA

Tratando-se de meio apto à variação da colheita de provas, a colaboração premiada foi modernizada na Lei 12.850/2013. Mendonça (2013)[11] a define como a eficaz atividade do investigado, imputado ou condenado de contribuição com à persecução penal – na prevenção ou na repressão de infrações penais graves – em troca de benefícios penais, segundo acordo formalizado por escrito entre as partes (investigado e Polícia Judiciária ou Ministério Público) e homologado pelo Juízo após realização do devido controle da legalidade do instituto.

2.2 DA AÇÃO CONTROLADA

Em se tratando ainda do art. 3º da LOC e, mais adiante, em seu art. 8º, a ação controlada se mostra como mais uma de suas possibilidades de obtenção de prova. Masson e Marçal (2018, p. 258, 259)[12] entendem que a ação controlada não seria um meio, mas, sim, fonte probatória, que origina provas testemunhais e documentais, não se confundido, inclusive, com alguma espécie de flagrante preparado ou forjado que são, a propósito, ilegais.

Também chamada de flagrante prorrogado ou retardado que, mediante autorização legal para que as Autoridades Policiais e seus agentes possam efetuar uma prisão com a intenção de uma melhor apuração criminal (CABETTE, NAHUR, 2014)[13], revela-se como forma de prender um maior número de integrantes de determinada OC ou obter provas mais robustas para uma possível condenação da organização (FELTRIM, 2018)[14].

Importante salientar que seu uso também é expandido às autoridades administrativas, tais como os agentes das receitas estaduais e federais, integrantes da ABIN, órgãos do Ministério Público, corregedorias e afins também irão poder retardar sua atuação para um momento mais oportuno para obter maior eficácia na colheita de elementos de informação, como em caso de crimes de posse ou tráfico de drogas (FELTRIM, 2018)[15]. Sendo assim, a ação controlada também se demonstra primordial como meio de embate ao crime organizado.

2.3 AS INFILTRAÇÕES POLICIAIS

Segundo Cunha (2013)[16], a infiltração de agentes policiais é uma técnica de investigação que consiste em um agente de polícia se inserir no meio criminoso, passando a participar dos delitos ou de seu planejamento, com a finalidade de conseguir o maior número de provas e informações possíveis para evitar ou reprimir a prática de crimes praticados por essas OC’s.

Portanto, tratando-se de meio de obtenção de prova extraordinário, o inquérito policial que o precede necessita ser sigiloso e sob prévia consulta ao Ministério Público. Salienta-se, inclusive, que esta tática pode ser requisitada pelo Ministério Público e pela Autoridade Policial, sendo vedada a sua decretação de ofício pelo Juiz, sob pena de ilicitude de obtenção de provas.

Todavia, a proporcionalidade e a razoabilidade devem ser os princípios motrizes desta modalidade, visto que o agente encarregado não pode permitir eventuais descompassos e falta de adequação em seu principal objetivo, quer seja, o investigativo. Por se tratar de figuras proeminentes e de difícil acesso aos elementos de autoria e materialidade (e os bens lesados em crimes dessa espécie costumam ser de significante valor socioeconômico), em que pese ser o período mínimo de seis meses para a investigação, a doutrina e a jurisprudência são pacíficas ao estabelecer que o número de prorrogações deste tempo é indeterminado até que se consiga as eventuais provas e indícios acerca do caso em concreto, conforme o artigo 10, §3º da LOC.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme abordado, ainda que sucintamente pelo presente trabalho, a LOC se revelou, não somente como parâmetro inovador e modernizador do processo penal por parte do Estado na atuação da persecução criminal, mas também revestiu de constitucionalidade e razoabilidade os institutos já existentes no ordenamento jurídico, mas ainda pouco desenvolvidos.

Em se tratando do Direito Penal Econômico, as OC’s constituem gravíssimas afrontas ao Estado Democrático de Direito nos planos doméstico e internacional, visto que organizações desse tipo não costumam se prender às fronteiras estatais. E nisto, a LOC assegura seu lugar como um excelente instrumento de garantia de segurança socioeconômica, devido, em muito, aos seus métodos excepcionais de colheita de provas e táticas investigativas.

O Magistrado, enquanto aplicador da norma aos fatos, deve se atentar às particularidades e à evolução no tratamento e percepção das OC’s, visto que seu relacionamento com figuras públicas e estatais de poder não surpreendentemente é muito mais próximo do que dos crimes comuns. Portanto, cabe ao Direito Penal Econômico tutelar as condutas que venham a ferir os bens jurídicos protegidos por sua esfera, seja no campo mercantil, tributário, empresarial, difuso-coletivo e até mesmo das políticas públicas.

4 REFERÊNCIAS

AVENA, Norberto. Processo Penal: Esquematizado. 5. ed. atual. e ampl. São Paulo. Método. 2013. p. 150.

 

CABETTE, Eduardo Luiz Santos; NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. Criminalidade organizada & globalização desorganizada: curso completo de acordo com a lei 12.850/13. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2014.

 

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 20. ed. Saraiva. 2013.

 

CUNHA, Rogério Sanches. Crime organizado – comentários à nova Lei sobre o Crime Organizado – Lei nº 12.850/2013. Juspodivm, 2013. p. 95.

 

DA SILVA, Eduardo Araújo. Organizações criminosas: aspectos penais e processuais da Lei nº 12850/13. São Paulo: Atlas, 2014, p. 33.

 

FELTRIM, Victor Kfouri Palma. “A (in) possibilidade da aplicação da ação controlada na Lei 12.850/2013 (Lei de Organizações Criminosas) frente a súmula 145 do STF.” Direito-Tubarão (2018). p. 23.

 

MEIRA, José Boanerges, et al. “A colaboração premiada e processo penal brasileiro: uma análise crítica.” Virtuajus 2.3 (2017). p. 32.

 

MENDONÇA, Andrey Borges de. “A Colaboração premiada e a nova Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/2013).” Revista Custos Legis. Vol. 4 – 2013, p.4.

 

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Comentários à lei de combate ao crime organizado: Lei n° 12.850/13. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1.

 

MICHAEL, Andréa. “Crime Organizado funciona como holding, diz estudioso”. Folha. In. CAMPOS, Lidiany Mendes e SANTOS, Nivaldo dos. “O Crime Organizado e as prisões no Brasil.” Artigo Científico, CONPEDI, ciências penais UFG (2004), p. 2.


[1] Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC). Pós-graduando em Docência do Ensino Superior pela Universidade Federal de Campina Grande. Pós-Graduando em Direito Constitucional pela Faculdade Futura de São Paulo. Bacharel em Direito pela Faculdade São Francisco da Paraíba (2017). Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade São Francisco da Paraíba (2019) e em Direito Público pela Faculdade Legale de São Paulo (2020). Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito e Assuntos Internacionais (GEDAI/UFC). Aprovado no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Servidor Público Efetivo na Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado da Paraíba. E-mail: ewertonduartecz@gmail.com

[2] Advogada. Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC). Bacharela em Direito pela Universidade de Fortaleza (2012). Membro do Núcleo de Estudos Aplicados Direito, Infância e Justiça (NUDIJUS/UFC) e do GEDAI/UFC. Membro do Conselho Jovem da OAB/CE. E-mail: mayaralp.adv@gmail.com

[3] Graduando em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pesquisador do GEDAI/UFC. Pesquisador bolsista do projeto “Proteção e Promoção dos Direitos Humanos no Brasil à luz de casos emblemáticos da Corte Regional Interamericana: Controle de Convencionalidade e Desafios de Integração Normativa”, e do Laboratório Internacional de Investigação em Transjurisdicidade (LABIRINT), vinculados à UFPB. Estagiário junto ao MPF-PB. E-mail: matheusbarreto14@hotmail.com


[4] MICHAEL, Andréa. “Crime Organizado funciona como holding, diz estudioso”. Folha. In. CAMPOS, Lidiany Mendes e SANTOS, Nivaldo dos. “O Crime Organizado e as prisões no Brasil.” Artigo Científico, CONPEDI, ciências penais UFG (2004), p. 2.

[5] CAMPOS, Lidiany Mendes e SANTOS, Nivaldo dos. Op. Cit. p. 4.

[6] “Considera-se Organização Criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”

[7] DA SILVA, Eduardo Araújo. Organizações criminosas: aspectos penais e processuais da Lei nº 12850/13. São Paulo: Atlas, 2014, p. 33.

[8] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Comentários à lei de combate ao crime organizado: Lei n° 12.850/13. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. P. 1.

[9] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 20. ed. Saraiva. 2013.

[10] AVENA, Norberto. Processo Penal: Esquematizado. 5. ed. atual. e ampl. São Paulo. Método. 2013. P. 150.

[11] MENDONÇA, Andrey Borges de. “A Colaboração premiada e a nova Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/2013).” Revista Custos Legis. Vol. 4 – 2013, p.4.

[12] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 20. ed. Saraiva. 2013.

[13] CABETTE, Eduardo Luiz Santos; NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. Criminalidade organizada & globalização desorganizada: curso completo de acordo com a lei 12.850/13. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2014

[14] FELTRIM, Victor Kfouri Palma. “A (in) possibilidade da aplicação da ação controlada na Lei 12.850/2013 (Lei de Organizações Criminosas) frente a súmula 145 do STF.” Direito-Tubarão (2018). P. 23.

[15] FELTRIM, Victor Kfouri Palma. Op. Cit. P. 25

[16] CUNHA, Rogério Sanches. Crime organizado – comentários à nova Lei sobre o Crime Organizado – Lei nº 12.850/2013. Juspodivm, 2013. P. 95


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