O Supremo Tribunal Federal e os limites do acordo de não persecução penal
Rodrigo Antonio Serafim e Jéssica Raquel Sponchiado
O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) foi inserido no Art. 28-A do Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019 como instrumento para se efetivar a ideia de justiça penal consensual, sendo aplicável quando o investigado tiver confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça, desde que o delito tenha pena mínima inferior a quatro anos. De outro lado, as condições a serem cumpridas de forma cumulativa ou alternativa são: I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, IV – pagar prestação pecuniária à entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.
Ressalta-se que o ANPP apresenta suma relevância, pois a celebração e o cumprimento do acordo não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º do Art. 28-A, CPP, assim como, uma vez cumprido integralmente, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.
De acordo com dados do Ministério Público Federal, os crimes de maior incidência dos acordos são: contrabando ou descaminho, uso de documento falso, falsidade ideológica, estelionato, crimes contra o meio ambiente e o patrimônio, crimes contra a ordem tributária, falsificação de documento particular, estelionato majorado, crimes do sistema nacional de armas, fraudes, crimes contra a administração ambiental.
Para além destes delitos, tem tido destaque na mídia o alcance do acordo também no âmbito de crimes eleitorais. Como ilustração, menciona-se o Acordo de Não Persecução Penal firmado entre o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, e a Procuradoria-Geral da República, recentemente homologado pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal. Onyx Lorenzoni foi investigado pela prática do crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral, que diz respeito à falsidade ideológica eleitoral, conhecida, popularmente, como “Caixa 2”. A investigação partiu da homologação da colaboração premiada de executivos da J&F, os quais demonstraram repasses dos valores concernentes a R$ 100 mil, em 30/8/2012, e R$ 200 mil, em 12/9/2014, por meio de doações eleitorais não contabilizadas. Onyx confessou a prática do crime eleitoral a ele imputado, como condição de realização do ANPP, perante o qual firmou-se o compromisso de pagamento de prestação pecuniária no valor de R$ 189.145,00.
Referido caso ilustra a importância de compreensão do ANPP e do alcance de sua aplicabilidade, se, no caso mencionado, a propositura de uma ação penal resultasse em condenação, poderia torná-lo inelegível a mandatos eletivos.
Contudo, em sentido geral, pôde-se observar que diversos temas em torno da aplicação do ANPP restaram em aberto, com determinadas ambiguidades, omissões e problematizações, tais como: a natureza jurídica da norma inserida no mencionado artigo; o cabimento da aplicação retroativa em benefício do réu; a possibilidade de aplicá-lo quando o imputado não tiver confessado anteriormente, durante a investigação ou a ação penal. Estes temas serão definidos pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus nº 185.913/DF, cuja relatoria é do ministro Gilmar Mendes. Aguarda-se a pauta de julgamento para a decisão destas discussões em aberto, com destaque à retroatividade do instituto para condenações com trânsito em julgado.
Desse modo, aguarda-se o julgamento do Habeas Corpus perante o Plenário do STF para a definição de todas estas problemáticas que restaram não esclarecidas pelo meio legislativo.
*Rodrigo Antonio Serafim e Jéssica Raquel Sponchiado, sócios do escritório Alamiro Velludo Salvador Netto Advogados Associados.
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-supremo-tribunal-federal-e-os-limites-do-acordo-de-nao-persecucao-penal/
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Juíza nega acusações contra políticos fundadas em delação da Odebrecht
Por: Migalhas
A juíza de Direito Gabriela Muller Carioba Attanasio, da vara da Fazenda Pública de São Carlos, julgou improcedente ação de improbidade fundamentada na colaboração premiada de ex-executivos da Odebrecht. A ação foi movida contra ex-deputado Federal Newton Lima e os ex-prefeitos de São Carlos Oswaldo Barba e Paulo Altomani por suposto recebimento de doação ilícita.
A ação foi ajuizada pelo Ministério Público Federal, em dezembro de 2017, alegando que os ex-prefeitos de São Carlos, Oswaldo Barba e Paulo Altomani teriam recebido doações não contabilizadas para a campanha municipal de 2012. A acusação se fundamentou nos relatos dos colaboradores da Odebrecht Fernando da Cunha Reis e Guilherme Pamplona Paschoal e em planilhas entregues pelos colaboradores.
Em maio de 2019 a defesa do ex-Deputado Federal Newton Lima e do ex-Prefeito Oswaldo Barba obteve decisão favorável que reconheceu a incompetência da Justiça Federal para processamento da ação.
Em acórdão proferido pela 3ª turma do TRF da 3ª região, entendeu-se que o fato de o ex-deputado Federal ser acusado de participar das supostas tratativas ilícitas não atrairia, por si só, a competência da Justiça Federal.
A ação foi então remetida para a Justiça estadual de São Carlos. O Ministério Público Estadual concordou a denúncia oferecida em 2017 pelo Ministério Público Federal e prosseguiu com a acusação.
Comprovação
Ao analisar o caso, a juíza entendeu que a acusação inicial não foi comprovada. Para a magistrada, a planilha referida no processo está em desacordo com a realidade fática relatada pelos colaboradores, no sentido de que parte do valor foi para o candidato Paulo Altomani, cujo nome sequer é mencionado.
"Note-se, ainda, que há SMS de Newton para GP (colaborador) no dia 10.10.12 e SMS de Newton para GP (colaborador) no dia 15.10.12, ambas, portanto, em data posterior às eleições, que ocorreram em 07/10/12, e foram vencidas por Paulo Altomani. Assim, não faria sentido mensagem para doação de campanha que já terminou, após uma eleição que se perdeu."
A magistrada ressaltou, ainda, que privatizações nunca fizeram parte do plano de governo do PT, ao contrário, sendo que, quanto ao saneamento, foi editada, inclusive, uma lei que proibia a concessão do serviço de saneamento.
"A inicial menciona claramente que a empresa Odebrecht esperava uma contrapartida, que seria a privatização do serviço, sendo que, no decorrer dos mandatos de Newton e Oswaldo não ocorreu nenhuma privatização, tendo sido construída a Estação de Tratamento do Esgoto da cidade, com verbas públicas."
Para a juíza, não obstante a inicial tenha mencionado que se esperava uma contrapartida, em audiência, os colaboradores, contrariando o relatado, afirmaram que nada foi falado do que era preciso em contrapartida e que as doações não estavam vinculadas e nenhuma obrigação de direcionamento de processo licitatório.
Dessa forma, julgou improcedente o pedido.
Opinião
Para a defesa do ex-deputado Federal Newton Lima e ex-prefeito de São Carlos Oswaldo Barba, promovida pelos advogados Igor Tamasauskas e Otávio Mazieiro, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, a sentença foi justa para o desfecho do caso.
"Além de os fatos relatados pelos colaboradores serem contraditórios com os próprios documentos que apresentaram, não existia sequer lógica na acusação de supostas doações de grupo empresarial para políticos que sempre se posicionaram publicamente contra os eventuais interesses de privatizar o saneamento público de São Carlos."
- Processo: 0004572-86.2019.8.26.0566
Veja a sentença.
https://migalhas.uol.com.br/quentes/340493/juiza-nega-acusacoes-contra-politicos-fundadas-em-delacao-da-odebrecht?U=KLzRBJ
Competência para homologação de acordo de colaboração premiada
Fonte: Inormativo 1004/2021 do STF
A ação de habeas corpus deve ser admitida para atacar atos judiciais que acarretem impacto relevante à esfera de direitos de imputados criminalmente.
Há medidas cautelares restritivas a direitos importantes, adotados em processo criminal, que merecem atenção por instâncias revisionais pela via mais expedita possível.
Em relação à homologação de um acordo de colaboração premiada, trata-se de etapa fundamental da sistemática negocial regulada pela Lei 12.850/2013 e que toca diretamente com o exercício do poder punitivo estatal, visto que, nele, regulam-se benefícios ao imputado e limites à persecução penal. Ademais, atualmente, inexiste previsão legal de recurso cabível em face de não homologação ou de homologação parcial de acordo.
A homologação de acordo de colaboração, em regra, terá que se dar perante o juízo competente para autorizar as medidas de produção de prova e para processar e julgar os fatos delituosos cometidos pelo colaborador. Caso a proposta de acordo aconteça entre a sentença e o julgamento pelo órgão recursal, a homologação ocorrerá no julgamento pelo Tribunal e constará do acórdão.
O regramento introduzido pela Lei 12.850/2013 foi claro ao admitir a colaboração em qualquer etapa da persecução penal, ainda que após o início do processo ou a prolação da sentença (art. 4º, § 5º) (1).
No caso, o acordo de colaboração foi entabulado entre o Ministério Público Federal e o paciente antes da prolação da sentença, mas, por um descuido, não foi levado à homologação durante a fase pré-processual. Ademais, o paciente não foi denunciado nos processos já sentenciados e que se encontram no Tribunal, de modo que eventual denúncia seria também de competência do Juízo da 1ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro em razão de possível prevenção.
Com base nesse entendimento, a Segunda Turma concedeu parcialmente a ordem de habeas corpus para assentar a competência do Juízo de primeiro grau para a homologação do acordo de colaboração premiada celebrado entre o Ministério Público Federal e o paciente, devendo a autoridade proceder à análise da regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo.
(1) Lei 12.850/2013: “Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: (...) § 5º Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.”
HC 192063/RJ, relator Min. Gilmar Mendes, julgamento em 2.2.2021
Apontamentos sobre a Cadeia de Custódia da Prova Digital no Processo Penal
Por Guilherme Brenner Lucchesi[i] e Ivan Navarro Zonta[ii]
A constante evolução dos meios de comunicação digital e formas de interação virtual — para fins pessoais, negociais, financeiros etc. — é acompanhada pelo constante surgimento de novas formas de prática de atos delituosos. Recentemente, tem-se visto que a criminalidade contemporânea não se reduz à criminalidade violenta “das ruas”.
Hoje, ao contrário, trata-se com cada vez maior atenção a crimes que se manifestam em formas complexas, desde a corrupção nos órgãos da administração pública, passando por operações ilícitas em sede de atividade empresarial, até toda sorte de fraudes virtuais e desvios de valores por meio de sistemas eletrônicos de transação.
Nesse contexto, vê-se também uma alteração significativa no tocante à investigação e às provas atinentes a tais fatos delituosos. O que antes tomava a forma de coleta de vestígios físicos em locais de crime, perícias médicas e/ou em objetos diversos e inquirição de testemunhas (dentre outras formas “clássicas” de investigação), hoje se substitui cada vez mais pela apreensão e análise de dados digitais. Isso se dá, naturalmente, por meio da apreensão dos aparelhos e mídias que contém tais dados, como celulares, computadores, notebooks, HDs externos e pendrives etc.
Vê-se comumente, portanto, operações policiais que resultam na apreensão de um sem número de aparelhos de eletrônicos de órgãos públicos, pessoas jurídicas e pessoas físicas, sob o fundamento da necessidade de acesso e análise de dados virtuais. E mais: via de regra, os aparelhos apreendidos são aqueles de cujo uso diário dependem frequentemente os “alvos” dessas investigações. Por exemplo, a investigação da prática de crimes de corrupção envolvendo empresas resultará justamente na apreensão dos aparelhos eletrônicos por meio dos quais a empresa realiza suas atividades. No tocante à pessoa física investigada, isso por vezes é ainda mais preocupante: não somente sua “vida profissional”, mas principalmente toda sua intimidade e sua vida pessoal se encontram “gravadas” nos dados digitais de um aparelho celular apreendido.
Não é rara, portanto, a contraposição de dois objetivos legítimos: (i) a aquisição e análise dos dados digitais relevantes à investigação, de um lado, e (ii) a restituição dos aparelhos eletrônicos apreendidos com a finalidade de obtenção de provas (excetuados, por exemplo, os casos de apreensão de bens que consistem em objeto ou produto de crime, ou sujeitos a perdimento).
O Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, nessas situações, comumente adota estratégia ótima que concilia a aquisição e análise de dados digitais com o respeito ao direito de propriedade dos investigados: a devolução dos bens após a realização do “espelhamento” do conteúdo de dados — ou seja, cópia integral dos dados e meta-dados da mídia eletrônica. A título exemplificativo, tem-se voto do Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto:
Em relação aos aparelhos telefônicos também não visualizo a necessidade de que continuem apreendidos por prazo tão dilargado. Com efeito, o simples espelhamento resolve a questão dos dados armazenados que porventura interessem ao processo. A parte não pode ser penalizada pela demora na realização da perícia sem sequer ter contra si a denúncia formalmente ofertada pelo Ministério Público Federal. Nessa linha, tenho que assiste razão ao requerente ao postular a devolução do numerário e dos aparelhos telefônicos apreendidos. Assim, determino a imediata devolução dos valores apreendidos ao postulante. Em relação aos aparelhos celulares, a fim de evitar prejuízos às investigações em andamento defiro o prazo de 30 dias para que o espelhamento seja realizado. Após o decurso desse prazo, porém, devem ser restituídos ao requerente. (TRF4 – 8.ª T. – ACR n.º 5027313-97.2018.4.04.7200 – Rel. p/ acórdão Des. Fed. João Pedro Gebran Neto – em 20 dez. 2019)
Mesmo no âmbito da Operação “Lava Jato”, a Corte já decidiu que “a restituição de equipamento de informática apreendido, conjugada com a fixação de um prazo razoável para a prévia realização de cópias pela autoridade policial, configura a medida mais adequada para compatibilizar o interesse público (eficiência da persecução penal) e o interesse particular (direito de propriedade e o exercício das atividades profissionais)” (TRF4 – 8.ª T. – ACR n.º 5005448-41.2015.4.04.7000 – Rel. Juiz Federal Nivaldo Brunoni – em 23 fev. 2016).
O entendimento do Tribunal parece ser o correto. Em se tratando de “evidência digital” — “informações ou dados, armazenados ou transmitidos em forma binária, que podem ser invocados como evidência” —, há norma brasileira pouco conhecida e especialmente importante, consistente na norma NBR/ISO 27073:2013, elaborada no Comitê Brasileiro de Computadores e Processamento de Dados (ABNT/CB-21) pela Comissão de Estudo de Técnicas de Segurança. A norma está vigente desde 9 de janeiro de 2014, e “fornece diretrizes para atividades específicas no tratamento de potenciais evidências digitais”, conforme os processos (etapas) de “identificação, coleta, aquisição e preservação”.
A compatibilização da investigação das evidências digitais com a devolução dos aparelhos eletrônicos apreendidos aos legítimos proprietários parece não encontrar impedimento direto na referida norma, que conceitua o processo de “aquisição” justamente como o “processo de criação de cópia de dados em um conjunto definido”.
Já em 2014, anos antes da inclusão de diversos dispositivos acerca da cadeia de custódia da prova nos arts. 158 e seguintes do CPP, a NBR/ISO 27073:2013 já descrevia este procedimento como “documento, ou uma série de documentos relacionados, que detalha a cadeia de custódia e os registros de quem foi o responsável pelo manuseio da potencial evidência digital, seja na forma de dado digital ou em outros formatos”.
A despeito da mencionada reforma no Código e de julgados tais quais os acima indicados, a complexidade técnica e a relevância das evidências digitais no cenário atual da persecução penal não são adequadamente acompanhados pelo refinamento técnico da jurisprudência e da atividade ministerial e advocatícia. Cabe aos operadores do direito penal, frente a esses desafios, abandonar o falso conforto do “lugar comum” das análises exclusivamente jurídicas a fim de especializar-se no que já é importante componente do direito penal: o mundo dos dados digitais.
[i] Advogado sócio da Lucchesi Advocacia. Presidente do IBDPE. Doutor em Direito pela UFPR. Master of Laws pela Cornell Law School. Professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da UFPR. Contato: guilherme@lucchesi.adv.br
[ii] Advogado sócio da Lucchesi Advocacia. Associado ao IBDPE. Mestrando em Direito pela UFPR. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela ABDConst. Contato: ivan@lucchesi.adv.br
Algumas informações sobre a NB/ ISSO 27073:2013:
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Lewandowski pede informações ao Ministério da Justiça sobre cooperação internacional na Lava Jato
Fonte: Imprensa STF
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu prazo de cinco dias para que o Ministério da Justiça e Segurança Pública informe se realizou diretamente ou se intermediou tratativas internacionais, no âmbito da operação Lava Jato, concernentes à Petrobras ou à Odebrecht, especialmente quanto a repatriação de valores, pagamentos de multas, ajuste de indenizações, perícias técnicas, acordos de leniência e intercâmbio de dados, entre 1º/1/2014 e 31/12/2020. Em caso de resposta positiva, o ministro determinou que seja informado o objeto e as datas das tratativas.
Em petição apresentada nesta quarta-feira (17) pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Reclamação (RCL) 43007, seus advogados informam que novas mensagens trocadas entre os procuradores mostram que a Lava Jato teria atuado com o auxílio de agências estrangeiras, como o FBI e o Ministério Público da Suíça, fora dos canais oficiais, o que afronta acordos firmados entre o Brasil e esses países. Segundo a petição, o material foi ocultado da defesa técnica de Lula, do STF, mesmo após determinação expressa do ministro Lewandowski, e dos autos originários.
De acordo com a petição, as novas mensagens indicam que a Lava Jato teria solicitado aos norte-americanos ajuda para desenvolver o “caso Odebrecht” e que, desde 2015, a força-tarefa tinha Lula como “alvo pré-definido e desenvolvia suas operações com o objetivo de constranger pessoas para que “falassem algo” sobre ele. Segundo a defesa, o material também indicaria que a força-tarefa recebeu, fora dos canais oficiais, informações das agências norte-americanas para promover a quebra do sigilo fiscal de familiares de Lula.
Leia a íntegra do despacho.
VP/AS//CF
Leia mais:
9/2/2021 - 2ª Turma garante a Lula acesso a arquivos da Operação Spoofing
Processo relacionado: Rcl 43007
http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=460661&tip=UN : Acesso 18/02/2021 às 18:30
A restrição à celebração de ANPP na nova Lei de Licitações
Por Thiago Diniz Nicolai e Renata Rodrigues de Abreu Ferreira
Com o advento do pacote "anticrime" (Lei nº 13.964/2019), foi instituído um importante meio de diversão processual penal, verdadeiro instrumento de justiça consensual: o acordo de não persecução penal (ANPP).
Trata-se de uma nova realidade experimentada pelos tribunais e que já mostrou que veio para ficar. Para que se possa ter uma ideia de seu alcance, três meses após sua entrada em vigor o Ministério Público Federal já havia celebrado 1.043 acordos em todo o país [1], marca esta que, em setembro do ano passado, já havia ultrapassado os cinco mil [2] só no âmbito federal.
O ANPP nada mais é do que um ajuste entre Ministério Público e investigado — quando não seja caso de arquivamento do apuratório [3] e se tratar de infração penal que não envolva violência ou grave ameaça, cuja pena mínima seja inferior a quatro anos —, celebrado mediante a confissão formal e circunstanciada da prática delitiva [4], em que é possível se impor condições que podem ir desde a exigência de reparação do dano, renúncia de bens e/ou direitos, prestação de serviços à comunidade, prestação pecuniária, até outras condições especialmente pactuadas para o caso.
A celebração do acordo, ao mesmo tempo que evita máculas aos antecedentes, faz com que se evite um longo e custoso processo perante a já assoberbada Justiça e se obtenha o ressarcimento dos danos de maneira mais célere e efetiva. A título exemplificativo, podemos citar os acordos firmados pelo Ministério Público Federal, homologados pela 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, com três pessoas que mantinham ilicitamente valores no exterior, provenientes de herança e de sonegação fiscal, as quais se comprometeram a pagar multas que somam quase R$ 150 milhões [5].
Inobstante tais avanços, o Projeto de Lei nº 4.253/2020, que modifica a Lei de Licitações vigente (Lei nº 8.666/1993), recentemente aprovado pelo Senado e aguardando sanção presidencial, parece querer enfraquecer a amplitude do ANPP.
No projeto, em que pese grande parcela da redação dos preceitos primários dos tipos já anteriormente previstos na Lei nº 8.666/1993 tenha sido mantida, foi proposto o aumento da pena mínima para quatro anos para quase todos os delitos envolvendo irregularidades licitatórias, tais quais "contratação direta ilegal", "frustração do caráter competitivo de licitação", "modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo" e "fraude em licitação ou contrato".
O resultado disso é a restrição na possibilidade de celebração do acordo de não persecução penal, pois um de seus requisitos objetivos é que o delito tenha pena mínima inferior a quatro anos.
Ora, como já exposto, o ANPP foi instituído pelo legislador como um mecanismo de composição que permite a reparação do dano de modo mais célere, que é precisamente um dos interesses precípuos da Administração Pública [6].
É importante esclarecer que não se ignora a gravidade de tais delitos. No entanto, é cediço que um processo criminal, ainda mais em casos de fraudes à licitação, é bastante complexo — especialmente no que tange aos elementos de prova — e pode levar anos e anos, por vezes restando até frustrada a expectativa de reparação do dano. Desse modo, se o intuito do legislador é tornar mais severa a punição para alguns dos crimes ali estipulados, seria muito mais coerente recrudescer a pena máxima do tipo para que, assim, possa o intérprete aplicar a lei com todas as possibilidades consoante seja o caso.
O ideal seria deixar a possibilidade de aplicação de acordo de não persecução penal ou não nas mãos dos aplicadores da lei, consoante entenda ser o caso, até porque não se pode olvidar que, em casos especiais, em que vislumbrado que o oferecimento do acordo não seria suficiente para a reprovação e prevenção do crime, a legislação processual penal já prevê que o Ministério Público poderia justificar a não propositura do acordo.
Ademais, se bem observarmos, todos os crimes do Título XI do Código Penal, que tipifica os crimes contra a Administração Pública — entre eles: dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração em geral (peculato, corrupção, concussão, excesso de exação, por exemplo, que possuem penas máximas elevadas), dos crimes praticados por particular contra a Administração em geral e dos crimes praticados por particular contra a Administração Pública estrangeira —, por norma, admitem, ao menos, a celebração de acordo de não persecução penal. Significa dizer que seria um contrassenso — e até mesmo um desrespeito à proporcionalidade — inadmiti-lo nas hipóteses de crimes em licitações e contratos administrativos, especialmente quando as condutas descritas não apresentam uma maior reprovabilidade social que àquelas previstas no Código Penal.
Isso posto, como se vê, nada justificaria o recrudescimento da pena mínima nos delitos já mencionados, os quais destoam dos interesses da própria Administração Pública, assim como das últimas políticas legislativas favoráveis aos mecanismos de diversão processuais e, nessa medida, o ideal seria que fossem tais alterações objeto de veto presidencial.
Thiago Diniz Nicolai é sócio do escritório Malheiros Filho, Meggiolaro e Prado – Advogados.
Renata Rodrigues de Abreu Ferreira é advogada do escritório Malheiros Filho, Meggiolaro e Prado – Advogados, mestre e doutoranda em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra.
[1]. Dados disponíveis na página da instituição, conforme: <http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-celebra-mais-de-2-mil-acordos-de-nao-persecucao-penal>.
[2]. Dados esses computados até setembro de 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-set-17/mpf-fechou-mil-acordos-nao-persecucao-penal#:~:text=O%20Minist%C3%A9rio%20P%C3%BAblico%20Federal%20
anunciou,somente%20no%20ano%20de%202020>.
[3]. Tampouco de oferecimento de transação penal, benesse prevista pela Lei nº. 9.099/1995.
[4]. Desde que não se trate de reincidente, de que não haja elementos que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas, e que não tenha o indivíduo sido beneficiado, nos últimos 5 anos, de outro ANPP ou suspensão condicional do processo.
[5]. Notícia disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-set-04/mpf-celebra-dois-acordos-nao-persecucao-recuperar-150-mi#:~:text=MPF%20celebra%20dois%20acordos%20de%20n%C3%A3o%20persecu%C3%A7%C
3%A3o%20para%20recuperar%20R%24%20150%20milh%C3%B5es&text=O%20Minist%C3%A9rio%20P%C3%BAblico%20Federal%20firmou,heran%C3%A7a%20e%20de%20sonega%C3%A7%C3%A3o%20fiscal>.
[6]. Nesse sentido, pode-se mencionar, a título ilustrativo, o acordo de não persecução celebrado pelo Ministério Público Federal em um caso em que houve contratação de bandas para evento com dispensa indevida de licitação envolvendo verbas do Ministério do Turismo. Segundo noticiado, logo após a celebração do ANPP, os valores dos pagamentos de prestação pecuniária já estavam sendo depositados em conta de titularidade da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado da Paraíba e seriam redirecionados às entidades sociais beneficiárias previamente cadastradas pelo Juízo. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pb/sala-de-imprensa/noticias-pb/mpf-firma-acordos-de-nao-persecucao-penal-com-agentes-publicos-envolvidos-em-irregularidades-com-verbas-do-ministerio-do-turismo>.
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Ninguém é obrigado a fornecer a senha do seu celular
Por Luiz Flávio Borges D'Urso[1]
O aparelho celular tem se tornado, cada vez mais, um dispositivo no qual armazenamos praticamente tudo sobre nossas vidas. Desde nossa agenda de telefones, até fotos, documentos, anotações e mensagens.
Pelo celular recebemos e transmitimos nossos e-mails e mensagens, de modo que ali se encontram nossas conversas profissionais, pessoais e íntimas. Talvez por uma falha do fabricante, não se exige uma senha específica para acessar alguns aplicativos e os e-mails, quando o usuário já tiver desbloqueado o celular.
Habituamos a registrar as nossas vidas, por meio de milhares de fotos e vídeos que são armazenadas no álbum de fotografias do celular, de maneira que, por elas, se pode verificar, facilmente, por onde andamos, quais locais visitamos, com quem estivemos, o que apreciamos, etc. Por este dispositivo, nossa vida é desnudada.
Muitos documentos, inclusive os mais importantes, que outrora estavam no cofre ou em gavetas trancadas em nossas casas e escritórios, agora estão conosco, acompanhando-nos todo o tempo, podendo ser acessados por qualquer pessoa que obtenha a senha do nosso celular.
Nossa agenda diária de compromissos, que antes era feita no papel e descartada ao final de cada ano, agora acumula informações ano após ano, na palma da mão, registrando o passado, o presente e o futuro.
Não há dúvida, que neste aspecto, o aparelho celular se assemelha às gavetas, arquivos e cofres do cidadão, cujo acesso, reitera-se, é extremamente facilitado, bastando inserir uma senha (numérica, biométrica ou de reconhecimento facial) para escancarar todo o seu conteúdo.
A questão principal é se o cidadão pode manter esta senha em sigilo absoluto, não a revelando a ninguém, nem mesmo à polícia ou a um juiz de Direito, mesmo no caso de apreensão do aparelho. A resposta é positiva. O cidadão não está obrigado a fornecer esta senha a ninguém, nem, tampouco, a desbloquear seu celular.
Em outras palavras, caso se obtenha acesso ao conteúdo do celular, sem autorização do seu proprietário ou sem uma ordem judicial, tudo o que for ali encontrado não poderá ser utilizado como prova contra o dono do celular.
Este foi o entendimento da 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujos Ministros decidiram, por unanimidade, no julgamento do RHC 89.981, que a conversa por WhatsApp não pode ser utilizada como prova, quando o seu acesso não foi autorizado pela Justiça, pois será uma invasão, além de uma prova ilegal.
O inciso X do artigo 5º da Constituição Federal brasileira veda o acesso a estas informações, quando estabelece, a inviolabilidade a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Assim decidiu o ministro relator Reynaldo Soares da Fonseca, no RHC citado, ao analisar o acesso a mensagens, sem prévia autorização judicial, concluindo que houve violação dos dados armazenados no celular, e em razão disso, determinou o desentranhamento dos autos, das conversas pelo WhatsApp.
Conforme se verifica, as garantias individuais protegem as informações e dados do cidadão constantes do celular, assim, de acordo com a lei, um policial não pode, para produzir provas, obrigar ninguém a informar a senha do celular ou a desbloqueá-lo.
Dúvida persistiria, nos casos em que a apreensão do celular se dá por ordem judicial, ou mesmo quando um Juiz de Direito ordena (ilegalmente), que lhe seja fornecida a referida senha. Nestes casos, o cidadão estaria obrigado a obedecer à ordem judicial e caso não o fizesse, responderia por algum crime?
A resposta é simples. Em nenhuma hipótese o cidadão estará obrigado a fornecer a senha de seu celular a quem quer que seja, nem mesmo a um Juiz de Direito. O aparelho pode ser apreendido, o juiz poderá determinar a realização de perícia e a tentativa da quebra do sigilo da senha, mas não poderá ordenar ou compelir o cidadão a revelar a senha desse aparelho.
Ademais, outro fundamento para esta conclusão decorre do princípio de que ninguém está obrigado a fazer prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere) e também do Pacto San José da Costa Rica (art. 8º, 2, g), do qual o Brasil é signatário, que garante o direito da pessoa de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.
Diante de tudo isto, verifica-se que a não obrigatoriedade de fornecimento da senha para desbloqueio do celular visa proteger o conteúdo da vida do cidadão, vida esta, que por um fenômeno da atualidade, encontra-se armazenada no seu celular, razão pela qual, este conteúdo precisa estar amparado e protegido pela lei.
[1] Luiz Flávio Borges D'Urso é advogado criminalista do escritório D'Urso e Borges Advogados Associados, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, presidente da OAB/SP por três gestões, conselheiro Federal da OAB, presidente de honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM).
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HOMENAGEM AO PRESIDENTE DE HONRA DO IBDPE ADVOGADO PROFESSOR RENÉ ARIEL DOTTI
HOMENAGEM AO PRESIDENTE DE HONRA DO IBDPE ADVOGADO PROFESSOR RENÉ ARIEL DOTTI
ADVOGADO PARANAENSE QUE ULTRAPASSOU AS FRONTEIRAS DE NOSSO ESTADO;
HOMEM PÚBLICO QUE SE DESTACOU POR TODOS OS LUGARES ONDE PASSOU;
PROFESSOR DE GERAÇÕES E GERAÇÕES;
PESSOA GENTIL E AFÁVEL QUE A TODOS RECEBIA COM CARINHO E ENSINAMENTOS.
ESTAMOS ENLUTADOS MAS SEGUIREMOS O CAMINHO QUE NOSSO PRESIDENTE DE HONRA NOS INDICOU.
SIGA EM PAZ PROFESSOR RENÉ!
As cenas dos próximos capítulos
Dora Cavalcanti[1] e Bruno Salles Ribeiro[2]
Nos círculos jurídicos, é praticamente um consenso que provas obtidas por meios ilícitos não podem ser usadas para acusar, por força de mandamento constitucional. A vedação da prova ilícita, distante de ser uma filigrana processual formalista, é um alicerce do Estado de Direito sem o qual o sistema de justiça se transmuda em mera encenação para o exercício arbitrário de poder.
Paradoxalmente, esse consenso tentou ser desbastado pelo braço de publicidade da Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba, que entre as famigeradas “10 medidas contra a corrupção”, elencava a necessidade de “Ajustes nas Nulidades penais”. Um eufemismo que eclipsava a intenção de criar hipóteses em que provas ilícitas poderiam ser convalidadas. Felizmente, prosperaram os princípios da República Federativa do Brasil, e não os de Curitiba. Após amplo processo de consulta pública, o Congresso Nacional rechaçou as propostas legislativas nesse sentido, resguardando com o pacote anticrime a higidez do processo penal democrático.
Agora, porém, que o feitiço voltou-se contra o feiticeiro, protagonistas das conversas reveladas pela Operação Spoofing procuram encontrar justificativas para inviabilizar o conhecimento e o uso das mensagens trocadas no curso de inquéritos e processos, ainda que em favor da defesa de pessoas que foram diretamente impactadas pela relação promíscua e orquestrada entre Ministério Público e Juízo.
No entanto, também é consenso entre os maiores estudiosos do processo penal brasileiro que, ainda que obtidas por meios ilícitos, elementos de prova podem ser utilizados no processo penal, diante da constatação de que essas fontes de informação são meios singulares de demonstração da violação de direitos fundamentais do réu ou acusado.
Em primoroso artigo publicado no “Livro das Suspeições”[3], Juliano Breda recapitula e atualiza a doutrina sobre o tema (Badaró, Casara, Gomes Filho, Grinover, Lopes Filho, Nucci, Scarance Fernandes e Tavares), anotando que “se admite a prova ilícita em favor do acusado, a fim de prevenir uma condenação injusta pela inexistência ou atipicidade do fato, e, também, em face da violação ao devido processo legal”.
Com essas considerações iniciais, é possível que se analise de maneira técnica a validade dos elementos de prova obtidos indigitada Operação Spoofing. No curso das investigações, foram apreendidos os backups de diálogos de Procuradores da República e do ex-juiz da Operação Lava Jato. Do conteúdo de mencionados diálogos, podem emergir duas consequências jurídicas de refração distinta. Por um lado, evidencia-se um possível ajuste entre acusação e juiz que mina por completo a validade da prestação jurisdicional, ante a quebra da imparcialidade. Por outro, emergem suspeitas de possíveis ilícitos praticados pelos envolvidos nas conversas entabuladas.
Nesse último caso, naturalmente, não se pode advogar qualquer outra consequência, a não ser a nulidade das provas. Em que pese o Superior Tribunal de Justiça tenha extensa jurisprudência, de viés pouco garantista, no sentido de que as provas obtidas de maneira fortuita podem ser convalidadas, a nosso sentir os procuradores e o juiz, de forma alguma, poderiam ser acusados criminalmente com base nas mensagens que trocaram, na medida em que mencionadas evidências teriam sido obtidas por meio criminoso.
Por outro lado, qualquer acusado criminalmente que possa se valer de mencionadas informações como prova de sua inocência ou de violações às regras do processo, tem o direito de acessá-las e de utilizá-las, lícita e validamente, em um processo penal.
E o que é mais interessante. A valoração das consequências jurídicas das trocas de mensagens ora reveladas não será feita por seus protagonistas, mas sim pelas partes atuantes nos eventuais processos em que vierem a ser apresentadas. Espera-se, dessa vez, com a necessária equidistância e respeito aos corolários do devido processo legal.
Uma terceira dimensão, que se amplia a partir de agora, consiste em acompanhar os desdobramentos da nova leva de divulgações para além do universo dos investigados e réus diretamente atingidos pela Lava Jato. Como se deu nos grandes escândalos de revelação de dados comprometedores, como Wikileaks e Panama Papers, natural que outras pessoas reclamem legitimidade para pedir providências em razão das gravíssimas ilegalidades desnudadas, na esteira do ofício já encaminhado pela Presidência do Superior Tribunal de Justiça.
A briga vai ser boa e é extremamente relevante do ponto de vista da constante necessidade de aperfeiçoamento das instituições. Embora não reflita o comportamento técnico que em regra caracteriza a atuação do Ministério Público Federal, os bastidores da Lava Jato precisam ser submetidos a escrutínio público para que não se repitam seus métodos. Esse aprendizado passa necessariamente pela invalidação dos resultados obtidos fora das regras do jogo, de modo a desencorajar essa forma de proceder.
[1] advogada criminalista, diretora do Innocence Project Brasil e membra-nata do conselho do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.
[2] advogado criminalista, mestre em direito pela USP e membro da diretoria do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
[3] Streck, Lenio; Carvalho, Marco Aurélio, organizadores, Rio de Janeiro: Telha, 2020
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É nula busca e apreensão com base em depoimentos de colaboradores
Fonte: Migalhas
A 5ª turma do STJ, por unanimidade, anulou busca e apreensão em desfavor de ex-diretor de banco que foi embasada apenas em depoimentos de colaboradores. O colegiado ressaltou que a lei anticrime proibiu a decretação de medidas cautelares ou o recebimento da inicial acusatória com fundamento apenas nas declarações do colaborador.
Consta nos autos que foi deferido pedido de busca e apreensão em desfavor do paciente, cumprido em 12 de março do ano passado, por fatos ocorridos em 2012 e 2013, quando ocupava o cargo de diretor de banco.
A defesa alegou ao STJ que "passados sete anos do fato investigado e considerando que o paciente não mais exerce funções de diretor do banco desde o ano de 2014, não possui mais aparelhos telefônicos ou HD usados à época, nem documentos referentes ao momento do exercício das atividades".
Segundo a defesa, há ausência de contemporaneidade na busca e apreensão e carente de adequada fundamentação, em virtude de se embasar apenas em depoimentos contraditórios de colaboradores.
O relator do caso, ministro Reynaldo da Fonseca ressaltou em seu voto que enquanto o crime investigado não estiver prescrito, são cabíveis todos os meios de produção de prova, desde que devidamente motivada sua necessidade, não havendo se falar, portanto, em contemporaneidade de medida cautelar não pessoal.
No que diz respeito à carência de fundamentação no decreto de busca e apreensão, o ministro lembrou que a lei anticrime alterou a lei 12.850/13 para que, além da sentença condenatória, fosse igualmente proibida a decretação de medidas cautelares ou o recebimento da inicial acusatória, com fundamento apenas nas declarações do colaborador.
"Verifica-se, sem necessidade de revolvimento de fatos e provas, que, realmente, a decisão que decretou a busca e apreensão em desfavor do paciente se encontra deficientemente fundamentada, porquanto embasada apenas em declarações de colaboradores, o que vai de encontro ao disposto no art. 4º, § 16, da lei 12.850/13."
Dessa forma, não conheceu do habeas corpus, mas concedeu a ordem de ofício para anular o decreto de busca e apreensão, bem como as provas dele derivadas, em virtude de deficiente fundamentação, sem prejuízo de que seja novamente decretada a medida, em observância ao regramento legal.
Os advogados Pierpaolo Bottini e Ilana Luz, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, atuam pelo paciente.
- Processo: HC 624.608
Veja a decisão.