O PROBLEMA DOS MÚLTIPLOS REGIMES DE LENIÊNCIA E O NECESSÁRIO ALINHAMENTO PÚBLICO INSTITUCIONAL

Por: Samuel Justino de Moraes[1]

A higidez da ordem econômica, como aborda Patrícia Sampaio, constitui direito difuso de que é titular toda a coletividade[2]. Por essa razão, o Estado estrutura uma política rigorosa de prevenção e repressão às práticas anticompetitivas, buscando salvaguardar a saudável disputa entre os agentes no mercado.

Este estudo, por sua vez, volta-se para os instrumentos não repressivos utilizados alternativamente no combate às práticas anticoncorrenciais. Com efeito, por meio de uma reciprocidade de concessões, os negociantes firmam um acordo que lhes traga benefícios, de modo a extinguir um cenário de litigiosidade.

Nesse sentido, seguindo uma tendência do direito moderno, o ordenamento jurídico pátrio assistiu, recentemente, a um “verdadeiro espraiamento da figura dos acordos de Leniência Administrativa, em paralelo ao uso de institutos análogos na seara criminal”, como pontuado pelo Min. Gilmar Mendes no julgamento do MS 35.435[3].

Esses acordos, ainda segundo o Ministro, são instrumentos relevantes voltados ao fortalecimento de uma política de combate às infrações econômicas, de modo a desarticular ilícitos que envolvem a atuação concertada de uma multiplicidade de agentes econômicos com o intuito de restringir a concorrência ou fraudar as regras de processos seletivos públicos. Nessa linha, no âmbito da atuação do Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE)[4], há dois instrumentos fundados no consenso utilizados alternativamente para o enfrentamento de práticas infracionais anticompetitivas, a saber, o acordo de leniência e o termo de compromisso de cessação.

Em linhas gerais, como dispõem Giannini et al, o acordo de leniência pode ser entendido como um instrumento de cooperação entre o integrante de eventual prática ilícita e a autoridade pública, em que, auxiliando na obtenção de provas de determinadas infrações à ordem econômica e na identificação dos demais envolvidos na prática, o leniente recebe um abrandamento da sua punição ou, ainda, imunidade administrativa e penal. O termo de compromisso de cessação, por sua vez, é um instituto destinado a possibilitar à autoridade antitruste o encerramento de processo instaurado para apurar infração à ordem econômica, por meio de acordo em que o representado assume obrigações visando à cessação da prática investigada ou de seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo fundamentado de conveniência e oportunidade, entender a autoridade que a medida atende aos interesses protegidos pela legislação[5].

Esses instrumentos de consenso desburocratizantes permitem, indubitavelmente, respostas estatais mais céleres, efetivas e menos onerosas, concretizadas por meio da negociação entre o aparelho estatal e o representado ou investigado.

No que tange ao acordo de leniência, instituto objeto do estudo, a relevância é ainda mais notória, vez que se projeta como instrumento para romper com as dificuldades de detecção de práticas anticompetitivas. Com efeito, sua utilização materializa a estratégia estatal de desestabilização dos laços de confiança entre os integrantes das práticas ajustadas, permitindo que o agente colaborador receba benefícios para expor os meandros da conduta, trazendo provas relacionadas à atuação das quais o Estado não tinha conhecimento. No entanto, a multiplicidade de regimes de leniência existentes torna problemática a atuação multifacetada do Estado, o que pode comprometer a própria eficácia do instrumento, como pontua Luiz Guilherme Ros[6].

Com efeito, uma prática anticoncorrencial pode repercutir em diversas áreas do direito, de modo que cada uma das respectivas autoridades públicas pode ter interesse na investigação e na punição do infrator. A título do exemplo, uma prática ajustada entre uma pluralidade de agentes econômicos pode ser considerada criminosa, corruptiva sob a ótica da pessoa jurídica, anticoncorrencial e ofensiva ao erário. Diante disso, por um mesmo fato, é possível, quando não necessária, a celebração de acordos de leniência com múltiplas autoridades, a exemplo da Superintendência Geral (SG) na esfera do CADE, da Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia Geral da União (AGU) no âmbito da Lei Anticorrupção, do Ministério Público Federal (MPF) e do Tribunal de Contas da União (TCU).

Esse fenômeno desnuda, assim, a falta de alinhamento institucional, o que pode minar a eficiência dos mecanismos de solução consensual adotados pelo Poder Público. Como o acordo visa a romper com o silêncio dos agentes envolvidos na conduta ilícita, retirando-os de uma situação confortável e vantajosa, o sucesso do programa de leniência depende da previsibilidade e da sensação de segurança jurídica provocada pela negociação, além da necessária garantia de proteção ao leniente em outras áreas que o possam atingir mais severamente, como o direito penal. Não por outro motivo garante-se imunidade penal e administrativa ao colaborador, até pela necessidade de reconhecimento de participação na conduta anticoncorrencial, o que pode resultar na incriminação do leniente em outras esferas.

No entanto, não basta a mera promessa, mas a garantia de efetivo desfrute das vantagens oferecidas, com a previsão potencial das consequências do ajuste com o Estado, sob pena de se desestimular a cooperação. Entretanto, a coexistência dos diversos regimes de leniência previstos no direito brasileiro, não raras vezes, colide com essa exigência, ante o descompasso da atuação estatal com a sobreposição de múltiplas autoridades interessadas na celebração do acordo. Nesse sentido, destaca-se o julgamento do MS 35.435 pelo STF, case apto a ilustrar a controvérsia que ora se demonstra.

No caso, a sociedade empresária Andrade Gutierrez S.A. havia firmado acordo de leniência com o MPF e termo de compromisso de cessação com o CADE, em função de ilícitos relacionados às contratações para as obras de Angra III. Não obstante, o TCU aplicou à leniente a sanção de declaração de inidoneidade, determinando, contudo, a suspensão da execução da medida, subordinando a eficácia do acordo de leniência junto ao MPF ao cumprimento de outras condições impostas pelo TCU, a saber, a reabertura das negociações com o parquet para que se obtivesse o compromisso de cooperação com as fiscalizações e de ressarcimento integral do dano causado ao erário.

Nota-se, portanto, que, embora os ilícitos investigados tenham sido objeto de acordos firmados em programas de leniência com outras instituições a nível federal, o TCU veiculou ameaça expressa de declaração de inidoneidade pelos mesmos fatos. Por isso, a discussão versava acerca da possibilidade de aplicação da sanção, de modo a garantir-se a completa reparação dos danos, sem que a medida se traduzisse em comportamento contraditório do Estado, o que poderia ofender o princípio da unidade estatal, da legítima confiança, da segurança jurídica e da eficiência da atuação pública.

Em assim sendo, em que pese a relevância do poder sancionatório do Tribunal de Contas, parece insustentável a aplicação da referida sanção, vez que, quando da celebração, o suporte fático que sustentou o acordo não incluía as condições impostas pelo TCU, de modo que não poderia a Corte, posteriormente, determinar a reabertura das negociações para inclusão de condições inicialmente não previstas no ajuste originário. Do contrário, a sensação que se poderá causar é a de que o Estado não cumpre com os seus compromissos, o que poderia minar os incentivos para a colaboração no âmbito do acordo de leniência. Caso estritamente cumpridas as condições do acordo, não há espaço para aplicação de sanção por outro órgão estatal, se assegurada, nesse mesmo instrumento negocial, a não aplicação da referida penalidade.

Diante desse cenário, o Min. Gilmar Mendes apontou, acertadamente, para aquilo que entendeu evidenciar o desalinhamento entre os diversos regimes de leniência, a saber, a ausência de convergência nos requisitos para a celebração dos acordos, bem como a inexistência de harmonia entre os benefícios passíveis de serem obtidos, além da imprevisibilidade acerca da extensão desses benefícios às outras frentes da atuação pública.

Para solucionar os fatores da controvérsia elencados, o aludido Ministro indicou que, para prestigiar os múltiplos regimes de leniência, deve-se zelar pelo alinhamento de incentivos institucionais à colaboração e pela realização do princípio da segurança jurídica, a fim de que os colaboradores tenham previsibilidade quanto às sanções e benefícios premiais cabíveis quando optarem por cooperar com a Administração Pública.

Para tanto, é importante que a atuação do Poder Público se expresse de maneira coordenada, de modo que as empresas investigadas não tenham a percepção de que o Estado falta com os compromissos assumidos. Além disso, sob o viés prático, as sanções aplicadas pelo Estado não podem esvaziar o cumprimento de outra medida por ele determinada, ainda que pela via negocial, como no caso da declaração de inidoneidade, verdadeira “pena de morte” para o empresário, dado o comprometimento da capacidade econômica, o que pode inviabilizar o cumprimento das obrigações assumidas no instrumento consensual.

Por essa razão, o STF formou maioria para reconhecer a impossibilidade de imposição de sanção de inidoneidade pelo TCU pelos mesmos fatos que deram ensejo à celebração de acordo de leniência, ante a incompatibilidade com os princípios constitucionais da eficiência e da segurança jurídica.

Essa decisão mostra-se paradigmática para demonstrar a necessidade de harmonização da atuação das diversas entidades no âmbito dos regimes de leniência. A existência de inúmeros instrumentos de acordos nas mais diversas frentes de atuação do Estado exigem atuação alinhada, de modo que reste assentada a transparência e a previsibilidade necessárias para a celebração dos ajustes de vontades, como o é em toda negociação jurídica. Uma atuação mais harmônica, coerente e coordenada do Poder Público implica em ganhos institucionais e consolida a credibilidade desejável para o sucesso dos instrumentos consensuais institucionalizados para o enfrentamento das infrações à ordem econômica.

Em meio a esse contexto, em maio de 2020, a Presidência do Supremo Tribunal Federal tomou a iniciativa de capitanear a celebração de um Acordo de Cooperação Técnica envolvendo a AGU, a CGU, o TCU e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, no âmbito da atuação da Lei Anticorrupção, o qual foi assinado em setembro de 2020.

No documento, ficou assentado que, quando algum ilícito envolver fatos de competência do TCU, as entidades enviarão informações à corte, para estimação dos danos. Ademais, após a celebração do acordo de leniência, a CGU e a AGU compartilharão as informações e documentos fornecidos pela empresa colaboradora com as demais autoridades, não podendo esses dados serem usados para punir a companhia pelos mesmos fatos. Estabeleceu-se, ainda, que a AGU e o MPF poderão buscar a responsabilização, por meio de ações de improbidade administrativa, das demais pessoas e empresas envolvidas nos atos revelados pela companhia colaboradora, o que, no âmbito administrativo, incumbirá à CGU e ao TCU. Por fim, as instituições também concordaram em estabelecer mecanismos de compensação ou abatimento de multas pagas pelas empresas em condutas tipificadas por mais de uma lei[7].

Esse acordo, mesmo que relacionado apenas à matéria de combate à corrupção, é positivo, pois é elementar a consolidação de uma cultura de alinhamento institucional, dado que a consolidação e o fortalecimento da estratégia estatal de enfrentamento às práticas antijurídicas por meio da colaboração dos envolvidos na prática dependem da percepção de atratividade da celebração de acordo com o Estado, o que perpassa, sobretudo, pela observância dos marcos de previsibilidade e de segurança jurídica. A expectativa é a de que medidas como essa se disseminem por todas as frentes da atuação estatal em temas de acordo de leniência, de modo a garantir uma atividade mais coordenada do Poder Público.


[1] Bacharelando em Direito pela PUC Minas.


[2] SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. A utilização do termo de compromisso de cessação de prática no combate aos cartéis. Revista de Direito Administrativo, v. 249, p. 245-265, 2008.

[3] BRASIL. STF. MS 35.435, 36.173, 36.496 E 36.526. Relator: Ministro Gilmar Mendes. 27 mai. 2020.

[4] BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Brasília 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm. Acesso em: 25 abr. 2021.

[5] GIANNINI et al. Comentários à nova lei de defesa da concorrência: lei 12.529, de 30 de novembro de 2011 / coordenadores Eduardo Caminati Anders, Vicente Bagnoli, Leopoldo Pagotto– Rio De Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.

[6] ROS, Luiz Guilherme. Criando incentivos, a partir da teoria dos jogos, para celebração de termos de compromisso de cessação por pessoas físicas: uma análise das ações penais da lava jato. 114 f. Dissertação (mestrado em direito). Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Brasília, 2020.

[7] TCU aprova termo de cooperação com instituições para acordos de leniência. Consultor Jurídico. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-ago-05/tcu-aprova-cooperacao-instituicoes-acordos-leniencia2. Acesso em: 03 mar. 2021.


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DOGMÁTICA PENAL E DIREITO PENAL ECONÔMICO

Hellen Luana de Souza e João Pedro Barione Ayrosa[1]

A melhor definição da função da ciência do direito penal é a que lhe atribui a orientação da produção legislativa e da prática jurídico-penal, de forma a possibilitar maior segurança e controle na concretização da “justiça penal historicamente situada”[1]. Realiza sua tarefa por meio de desenvolvimento de conceitos, fundamentos, limites e metodologia para a produção e realização do direito[2], que, em termos práticos, deve conduzir à resolução de determinado caso concreto enfrentado na jurisprudência. Em síntese, o direito penal é uma ciência normativa propositiva[3], devendo indicar caminhos.

A crítica dentro deste desenho é, por certo, bem vinda. Porém, se o cientista do direito penal se limita a apenas desconstruir, deixando para trás uma terra arrasada, não está cumprindo com a função atribuída à dogmática. Aqui, pode-se apontar o problema das críticas “historicizantes” (direito penal moderno x clássico, p.e.), que acabam se perdendo por difusas, não conseguindo enfrentar, na maior parte das vezes, um problema normativo específico[4].

Portanto, parece-nos mais produtivo uma ciência que enfrenta questões localizadas, atentando para sua função de racionalização, com o desenvolvimento de categorias cujo conteúdo, limites e consequências sejam claros e capazes de solucionar um caso problema localizado[5].  Olhemos agora para o objeto deste pequeno estudo, o direito penal econômico.

Há muitas discussões sobre a autonomia ou não do direito penal econômico[6], sobre sua fundamentação[7], limites etc. O que nos interessa aqui é encontrar a forma como esse ramo específico do direito penal se relaciona com a colocação acima apresentada da função da dogmática penal.

E esse elo é mais simples do que parece: se a função da dogmática do direito penal é a racionalização e indicação de caminhos para a resolução de problemas, a dogmática voltada para o direito penal econômico deve analisar o quadro normativo e jurisprudencial, sistematizar seus conceitos e apresentá-los de forma ordenada e útil para a prática. Com isso, encontram-se caminhos para a redução de complexidade dos problemas do direito penal dito econômico e possibilita-se o estreitamento entre os fundamentos da parte geral (regras e categorias) e os novos problemas oferecidos pelo desenvolvimento econômico-social, sem que se caia no erro da fuga do direito penal, reputando tudo como ilegítimo[8] – ou seja, a crítica que olvida a função da dogmática.

Buscando concretizar o que foi apresentado, vejamos um tópico importante do direito penal econômico e como ele pode ser enfrentado na hora do desenvolvimento dogmático.

O bem jurídico coletivo é apontado reiteradamente como o centro do que protege o direito penal econômico[9]. No entanto, a doutrina não se ocupa muito com sua conceituação, limitando-se a definir bens coletivos como aqueles bens jurídicos pertencentes à coletividade, o que não está errado, mas pouco esclarece[10]. Além disso, sobre eles pairam dois problemas destacados: em primeiro lugar, o bem jurídico coletivo facilita a vida do legislador porque, ao incriminar certa conduta para proteger um bem coletivo ao invés de um individual, consegue justificar uma consumação ou proibição antecipada, autorizando uma intervenção originalmente ilegítima[11]; em segundo, o problema do bem jurídico coletivo aparente, cuja diferença para bens jurídicos de fato coletivos muitas vezes não encontra instrumental claro na produção dogmática.[12]

Entretanto, conforme exposto no início deste estudo, não cabe ao cientista do direito apenas desconstruir e criticar, é preciso apontar caminhos para a resolução dos problemas, de forma a cumprir a função da dogmática. Conjugando isso com a problemática dos bens jurídicos coletivos protegidos pelo direito penal econômico e com a necessidade de “considerar em que casos a atividade económica pode comportar ataques intoleráveis a bens jurídicos relevante”[13], temos que a contribuição da dogmática deve ser a elaboração de critérios objetivos para identificar e diferenciar um bem jurídico coletivo legítimo de um falso bem jurídico coletivo.

Exemplo disso é o já referido estudo de Greco[14] que, após discorrer sobre os argumentos de ataque aos bens jurídicos coletivos, extrai três conclusões intermediárias sob a forma de regras/testes que funcionam como critérios para identificação de bens jurídicos coletivos, são elas: (a) teste de circularidade, pelo qual “o fato de que um dispositivo penal não seria legitimável sem um bem coletivo não fornece qualquer razão para postular um tal bem”[15]; (b) teste da divisibilidade, fundado no “fato de que um número indeterminado de indivíduos tem interesse em um bem não é uma razão para postular um bem coletivo”[16]; (c) teste da não-especificidade, segundo o qual “não é permitido postular um bem coletivo como objeto de proteção de uma determinada norma penal, se a afetação desse bem necessariamente pressupõe a simultânea afetação de um bem individual”[17]. Traçados os critérios, o passo seguinte é submeter a eles os bens jurídicos coletivos a fim de verificar se são de fato coletivos ou falsos, sendo; por exemplo, a saúde pública tutela pelo crime de tóxicos não passa pelo teste da não-especificidade[18].

No mesmo rumo, mas por outra via, está a definição do bem jurídico tutelado pelo direito penal econômico através do diálogo interdisciplinar entre direito penal e economia[19], o que nos parece, assim como os critérios acima descritos, um bom caminho, haja vista que, tanto no aspecto metodológico quanto em relação a sua função – proteção de bens jurídicos -, o direito penal necessita de outros saberes e ciências[20],, cujas categorias podem contribuir para o desenvolvimento do ferramental dogmático, impedindo uma “ultradogmatização” [21], na qual a ciência do direito torna-se mero relicário de teorias e categorias que não são manejáveis.

Disso se extrai que cabe à doutrina, de um lado, travar um diálogo com outros campos do saber que possibilite a aproximação das categorias dogmáticas com o objeto concreto de regulamentação; e, de outro, a criação de filtros próprios da dogmática penal - no caso, o filtro de controle da legitimidade do bem jurídico. Por meio desse procedimento, consegue-se racionalizar um conceito que originalmente poderia ser perigoso, restringindo seu alcance e extraindo suas eventuais virtudes. Também se preenche uma função crítica sem cair na “fuga do direito penal”, posto que há critérios claros para indicar uma criminalização ilegítima, abrindo espaço para o controle prévio (projeto de lei) e posterior (controle de constitucionalidade).

 

REFERÊNCIAS

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ROTSCH, T. Concerning the hypertrophy of law: a plea for the harmonization between theory and practice. Zeitschrift für Internationale Strafrechtsdogmatik, v. 4, n.3, p. 89-96, 2009.

RUIVO, Marcelo Almeida. Quatro diferenças científicas fundamentais entre a criminologia e o direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 25, v. 137, p. 323-345, nov. 2017.

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[1] Hellen Luana de Souza, graduanda do quarto ano do curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina,

hellenluanas78@gmail.com

João Pedro Barione Ayrosa, graduando do quarto ano do curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina, joaobayrosa@gmail.com.


[1] RUIVO, Marcelo Almeida. Quatro diferenças científicas fundamentais entre a criminologia e o direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 25, v. 137, p. 323-345, nov. 2017, p. 337

[2] Ibidem, p. 339-340

[3] Ibidem, p. 339

[4] GRECO, L. A criminalização no estágio prévio: um balanço do debate alemão. Revista do Instituto de ciências penais, vol. 5, dez./mai. 2020, p. 11 – 34. Belo Horizonte: Editora D-Plácido, 2020, p. 21-22; GRECO, L. Existem critérios para a postulação de bens jurídicos coletivos? Revista de Concorrência e Regulação, a. 2, v. 7-8, p. 349-374, jul.-dez. 2012, p. 350. ROTSCH, T. Concerning the hypertrophy of law: a plea for the harmonization between theory and practice. Zeitschrift für Internationale Strafrechtsdogmatik, v. 4, n.3, p. 89-96, 2009, p. 92-93.

[5] PUPPE, I. Ciência do direito penal e jurisprudência. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 58, p. 105-113, jan-fev., 2006, p. 113.

[6] COSTA, José de Faria; ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre a concepção e os princípios do direito penal económico. In: PODVAL, Roberto. Temas de direito penal econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 107; SCHIMIDT, Andrei Zenkner. Fundamentos para uma parte geral do direito penal econômico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 22, v. 111, p. 61-90, nov.-dez. 2014, p. 64, KALACHE, Maurício. Direito penal econômico. In: PRADO, Luiz Regis. Direito penal contemporâneo: estudos em homenagem ao professor José Cerezo Mir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 393; TIEDEMANN, Klaus. El concepto de delito económico y de derecho penal económico. Nuevo Pensamiento Penal: Revista de Derecho y Ciencias Penales. Buenos Aires, a. 4, v. 5-8, p. 461-475, 1975, p. 464; DARCIE, Stephan Doering. Notas reflexivas em torno do direito penal econômico e do conteúdo material do ilícito penal econômico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 95, p. 357-404, mar.-abr. 2012, p. 374; BATISTA, Nilo. Concepção e princípios do direito penal econômico, inclusive a proteção dos consumidores, no Brasil. Revista de Direito Penal, Rio de Janeiro, n. 33, p. 78-89, jan.-jun.. 1982, p. 89.

[7] SCHIMIDT, op. cit., p. 69; RODRIGUES, Anabela Miranda. Direito penal econômico – É legítimo? É necessário? Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 25, v. 127, p. 15-38, jan. 2017, p. 24-26.

[8] RODRIGUES, 2017, p. 35; BATISTA, op. cit., p. 82-84.

[9] RODRIGUES, op. cit., p. 33; KALACHE, op. cit., p. 397; COSTA; ANDRADE, 2000, p. 103; SCHIMIDT, 2014, p. 76; TIEDEMANN, 1975, p. 467; DARCIE, 2012, p. 372; SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Teoría del delito y Derecho penal económico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 20, v. 99, p. 327-356, nov.-dez. 2012, p. 330; DIAS, Jorge de Figueiredo. O direito penal económico entre o passado, o presente e o futuro. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Coimbra, v. 22, n. 3, p. 521-543, jul.-set. 2012, p. 535.

[10] GRECO, 2012, p. 66

[11] Ibidem, 2012, p. 64-65.

[12] GRECO, 2020, p. 23-24.

[13] RODRIGUES, 2017, p. 33.

[14] GRECO, 2012, p. 66-72.

[15] Ibidem, p. 69.

[16] Ibidem, 2012, p. 71

[17] Ibidem, 2012, p. 72.

[18] Ibidem, 2012, p. 73.

[19] SCHIMIDT, 2014, p. 64.

[20] RUIVO, 2017, p. 335-337.

[21] Sobre: ROTSCH, op. cit.


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Coaf não tem última palavra de licitude de movimentações financeiras

Para STJ, mesmo que Coaf não identifique movimentação atípica, deve viabilizar o acesso às movimentações ao Ministério Público.

A 6ª turma do STJ fixou que o Coaf não tem a única e última palavra sobre movimentações financeiras atípicas. O colegiado, sob relatoria do ministro Schietti, considerou que mesmo quando não identificada pelo Coaf movimentação atípica, não há impedimento a que o Ministério Público, por meio de autorização judicial, tenha acesso ao conteúdo daquelas movimentações financeiras.

Consta nos autos que o MPF recebeu notícia-crime anônima, por meio de mensagem eletrônica, acerca de possíveis irregularidades envolvendo saques de altos valores na agência do Banco do Brasil em Jacareí/SP, desacompanhada de qualquer documento.

O MPF requereu ao Coaf informações relativas à existência das movimentações financeiras narradas na notícia anônima e foram confirmadas, porém consideradas lícitas. O Coaf informou que os saques em espécie, acima de 100 mil, eram realizados semanalmente, mas não resultaram em RIF.

Diante disso, o MPF instaurou procedimento investigatório criminal e formulou pedido de quebra de sigilo financeiro visando obter do Coaf a relação de transações financeiras. Sobreveio decisão indeferindo o pedido sob o fundamento, em suma, de que, até o momento, não se vislumbrava a existência de elementos concretos que autorizassem o afastamento do sigilo.

O STJ analisa, então, se o parquet teria direito de acesso a movimentação financeira ou se o fato de o Coaf não ter lavrado RIF e não ter encontrado nenhuma irregularidade justificaria o indeferimento da quebra de sigilo bancário.

Trabalho coordenado

Para o relator, ministro Rogerio Schietti, não se pode admitir que a única e última palavra sobre movimentações financeiras atípicas seja do órgão administrativo.

"O titular da ação penal é o Ministério Público, que necessita desses dados para exercer seu juízo valorativo sobre a licitude das movimentações financeiras. Não há uma condição de procedibilidade que vincule o Parquet ao entendimento do Coaf sobre a legalidade da movimentação financeira do contribuinte. O MP deve ter acesso ao conteúdo apurado para que possa exercer as atribuições."

Schietti salientou que o Estado é uno e a regra é que os seus diversos órgãos trabalhem de modo coordenado.

Compartilhamento de informações

No caso concreto, o ministro ressaltou que não se pode negar que saques semanais de valores expressivos em moeda corrente são lícitos, porém é possível afirmar que são também sujeitos à fiscalização não apenas do Coaf mas ainda por parte do MP.

"As informações sobre essas operações financeiras devem ser compartilhadas porquanto, de fato, o que ocorre é apenas uma transferência de sigilo entre os órgãos e, com a devida venia aos que pensam de modo diverso, entendo que carece de fundamento jurídico decisão que imponha óbice ao compartilhamento."

Para Schietti, garantir o acesso do parquet a movimentações suspeitas é viabilizar o exercício de sua função constitucional.

Dessa forma, conheceu e proveu o recurso.

Veja o acórdão.

Por: Redação do Migalhas


ALGUMAS NOTAS SOBRE SOLIDARIEDADE NAS MEDIDAS CAUTELARES REAIS NO PROCESSO PENAL

Marion Bach[1]  e Isabela Maria Stoco[2]

O tempo, como se sabe, é um dos fatores que mais frustra a eficácia do processo penal. Seja o trâmite mais célere ou mais lento, há, sempre, um intervalo de tempo a permitir que ocorram eventos que afetem diretamente a utilidade – e, consequentemente, a justiça – do (futuro) provimento jurisdicional.

Na intenção de minorar os riscos advindos da passagem do tempo, o processo penal lança mão das chamadas medidas cautelares/assecuratórias. “São providências urgentes, com as quais se busca evitar que a decisão da causa, ao ser obtida, não mais satisfaça o direito da parte e não realize, assim, a finalidade instrumental do processo, consistente em uma prestação jurisdicional justa.[3]

As medidas cautelares, no âmbito do Processo Penal, são divididas em (i) medidas cautelares pessoais; (ii) medidas cautelares probatórias; e (iii) medidas cautelares reais. Quanto à última hipótese – que a estas linhas interessa -, a legislação processual prevê três distintas hipóteses: sequestro, hipoteca legal e arresto. Existem, porém, outras medidas constritivas previstas em leis extravagantes, como por exemplo - e sem a pretensão de esgotá-las -: (i) Lei nº 11.343 de 2006 (Lei de Drogas); (ii) Lei nº 9.613, de 1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro), (iii) Lei nº 13.260 de 2016; (iv) Decreto-lei nº 3.240 de 1941; (v) Lei nº 11.346 de 2006 e (vi) Lei nº 13.322 de 2016.

As medidas assecuratórias reais – ou patrimoniais -, através da limitação da disponibilidade de bens, têm como objetivo assegurar a execução dos pronunciamentos patrimoniais de qualquer classe que possa constar da sentença condenatória[4]. Leia-se: buscam assegurar a reparação do dano ao(s) ofendido(s), o pagamento das despesas processuais[5], de eventuais penas pecuniárias e multas e, ainda, garantir o perdimento caso comprovada a origem criminosa dos bens e valores.

Tais instrumentos podem ser deferidos tanto na fase inquisitorial quanto já durante a Ação Penal.[6]

Não é demais afirmar que as medidas assecuratórias reais vêm ganhando significativo espaço nos últimos anos, no Brasil.

A previsão do art. 91 do Código Penal – sobre os efeitos secundários genéricos da condenação – ganhou novos contornos em 2008, com a obrigatoriedade de fixação de indenização mínima pelo juiz sentenciante, nos termos do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal.

Mais recentemente, com a Lei nº 13.964 de 2019 (Pacote Anticrime), notadamente com a inserção do artigo 91-A do Código Penal - o qual reconhece o instituto da perda alargada do patrimônio incompatível com a renda do condenado -, adveio a permissão para o Estado adentrar no patrimônio não diretamente relacionado com o fato delitivo. Tornou-se possível, então, promover o confisco de (todos os) bens de posse do acusado, desde que, para tanto, o Ministério Público demonstre que tal patrimônio é incompatível com seu rendimento e, ao final, requerê-lo.[7]

Aliado a isto, o Pacote Anticrime incluiu o artigo 133-A no Código de Processo Penal, o qual autoriza a utilização dos bens apreendidos, sequestrados ou sob o regime de qualquer outra medida cautelar pelos órgãos públicos. Criada, então, a custódia provisória de bem apreendido – o qual, após o trânsito em julgado, poderá ser transferido definitivamente ao órgão que realizava tal custódia.

Em razão dos severos impactos na esfera individual econômica dos investigados, parece redundante afirmar que os valores e/ou bens assegurados deveriam limitar-se ao valor incontroverso nos autos, sempre obedecendo os pressupostos do fumus comissi delicti e periculum in mora[8], e, em caso de coautoria no cometimento do crime, que cada um respondesse na medida de sua culpabilidade. Não é, porém, a lógica que vem operando nos tribunais brasileiros.

A regra que atualmente impera é: se determinado crime – cometido em coautoria - produziu o prejuízo X ou permitiu o ganho ilícito no valor de Y, o Poder Judiciário automaticamente autoriza a constrição dos bens/valores no valor X ou no valor Y, na íntegra, de cada um dos corréus.

Veja-se, por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 4º Região, no julgamento dos autos n. 5014604-14.2019.4.04.7000[9], ao entender que "a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes de atos ilícitos, até a liquidação, é solidariamente compartilhada por todos aqueles que os praticaram ou deles se beneficiaram" e, por consequência, "enquanto não definida a responsabilidade de cada coobrigado, a medida cautelar deve atingir os respectivos patrimônios das pessoas físicas e jurídicas, de forma simultânea e pelo montante integral correspondente ao valor mínimo estimado para o dano".

A lógica que parece guiar os pedidos ministeriais e os deferimentos judiciais é: se o crime foi causado por (por exemplo) dois réus e causou um prejuízo total (e atualizado) de R$ 100.000,00 (cem mil reais) à vítima, defere-se o bloqueio do valor total de R$ 100.000,00 (cem mil reais) de cada um dos réus. Assim, caso não haja sucesso em localizar e bloquear bens/valores de um deles, o outro suprirá (e, depois, ambos que se resolvam na esfera cível, em ação de cobrança regressiva...).

Tal lógica, porém, faz algum sentido[10] no momento da autorização/determinação das medidas cautelares reais. Porém, realizadas as cautelares, e supondo que foi, sim, localizado e constrito o valor integral de R$ 100.000,00 (cem mil reais) de cada um dos réus, como justificar – de modo razoável e proporcional – que tais valores sigam constritos? Se os valores declaradamente buscam garantir a restituição do prejuízo – o qual, por sua vez, está claramente delineado nos autos, em cem mil reais -, como justificar a manutenção do bloqueio do dobro do valor até o fim do processo?

Há situações em que o prejuízo causado (e atualizado) é de R$ 100.000,00 (cem mil reais) – em um crime licitatório, imagine-se – e são dez réus denunciados. Há, por anos a fio, a manutenção do bloqueio de R$ 100.000,00 (cem mil reais) no patrimônio de cada um dos réus, o que faz com que o Estado constrinja, por anos e anos, o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) para garantir, desde sempre, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Veja-se que, ao final, mesmo que advenha a condenação dos réus, injustiça já há. Isso porque cada réu perderá – na medida da própria culpabilidade apurada - parte do valor que estava constrito, e terá a si restituída a outra parte. Sobre essa parte restituída, o prejuízo é significativo, posto que foram valores que ficaram sem movimentação, sem investimento, sem a devida valorização.

Recentemente, as subscritoras presenciaram, em processo que atuam, a seguinte situação: três pessoas físicas – integrantes da mesma pessoa jurídica – foram denunciadas por crime licitatório. Tal crime teria causado um prejuízo de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) ao erário, em benefício da referida pessoa jurídica. O Ministério Público pugnou e o Poder Judiciário deferiu medidas cautelares reais no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) para cada uma das três pessoas físicas denunciadas.

A pessoa jurídica – supostamente beneficiada pelo crime licitatório -, então, ofereceu o depósito judicial de (exatamente) R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) para garantia do processo, pugnando, em troca, a liberação dos valores das pessoas físicas. O Ministério Público se manifestou contrariamente, alegando que há solidariedade entre as pessoas físicas. Ora, qual o sentido? O valor do prejuízo já não está garantido, na íntegra? Independentemente de qual réu – ou de quantos – seja condenado, há o valor assegurado, na íntegra. Ou seja, a medida assecuratória cumpre satisfatoriamente o seu papel.

Tal situação se agrava de modo contundente quando se verifica que, no campo do direito penal econômico, é bastante usual que haja medidas assecuratórias deferidas no âmbito penal e, exatamente pelos mesmos fatos, no âmbito do direito administrativo sancionador.

Pense-se, assim, em determinado fato que causa o prejuízo total ao Estado de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Este mesmo fato é considerado um ilícito penal e um ilícito administrativo. Por consequência, o juízo penal deferirá cautelares patrimoniais na intenção de indisponibilizar R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) de cada coautor denunciado, bem como haverá o (mesmo) deferimento no âmbito do administrativo sancionador.

O resultado é: para garantir a restituição de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) – advinda do prejuízo causado por apenas um fato -, torna-se indisponível R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) de cada coautor do crime (sendo dez coautores, o Estado está indisponibilizando, por anos, R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais) para salvaguardar um total de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) (!).

Não se olvida da justificação constitucional das medidas cautelares patrimoniais, as quais se destinam a concretizar e harmonizar direitos fundamentais em conflito, tampouco se olvida da importância de seu manejo para a garantia de um processo penal justo. Porém, caso sejam mantidas cegamente tais relatadas práticas, a cautelar passará a configurar, antes, uma inaceitável pena - sem processo - para o acusado.

 


[1] Advogada Criminalista. Doutora em Ciências Criminais pela PUC/RS. Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Professora de Direito Penal em cursos de graduação e pós-graduação. Contato: marion@marionbach.com.br.

[2] Advogada Criminalista. Pós-graduanda em Direito Penal Econômico (PUC/MG) e Compliance (FAE). Contato: isabela@marionbach.com.br.


[3] FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 279.

[4] ARAGONESES MARTINEZ, Sara; OLIVA SANTOS, Andrés; HINOJOSA SEGOVIA, Rafael; TOMÉ GARCIA, José Antonio. Derecho Procesal Penal. 8ª ed. Madrid: Ramon Areces, 2007, p. 429.

[5] NICOLITT, André. Processo Penal Cautelar: prisão e demais medidas cautelares. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 130.

[6] "O legislador visa assegurar o interesse público ou o direito da vítima ou de seus sucessores em relação à futura reparação do dano proveniente do ilícito penal, podendo as medidas cautelares de sequestro, arresto e hipoteca legal serem propostas, visando assegurar a reparação do dano, durante a investigação criminal ou a ação penal, tendo como limite o trânsito em julgado desta ação" (LIMA, Marcellus Polastri. A tutela cautelar no Processo Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 164).

[7] MENDES, Tiago Bunning; LUCCHESI, Guilherme Brenner. Lei anticrime – a (re)forma e a aproximação de um sistema acusatório. 1.ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020, p. 85-86.

[8] Há doutrinadores que entendem que referidos requisitos são fumus boni iuris e periculum in mora. Vide: LIMA, Marcellus Polastri. A tutela cautelar no Processo Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 164. No mesmo sentido: AgRg no REsp 1861850/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 15/09/2020. Estamos, porém, com Marta Saad ao afirmar que “não se deve exigir a presença do fumus boni iuris, como na seara civil. Isso porque um juízo de probabilidade implicaria numa previsão da resolução final do processo, o que não se admite no âmbito criminal. Deve-se apenas fazer um juízo a respeito da materialidade delitiva e autoria, ainda que indiciário, sem prévia consideração da culpabilidade” (fumus comissi delicti). No que refere ao periculum in mora, entendido como o perigo causado pela demora inerente ao processo garantista, bem como o perigo da ocorrência de algum evento que dificulte ou impossibilite a efetividade da decisão, embora o Código de Processo Penal silencie a respeito da exigência de comprovação do risco efetivo de dano, que é necessário no âmbito do processo civil, não se pode dispensá-lo. Assim, devem ser colhidos elementos que tenham o condão de concretizar o dano temido, tais como indícios de que a situação patrimonial do investigado ou acusado sofrerá alterações no caso da não decretação de medidas patrimoniais.” SAAD, Marta. As medidas assecuratórias do Código de Processo Penal como forma de tutela cautelar destinada à reparação do dano causado pelo delito. Tese de Doutorado apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2007, p. 36 e ss.

[9] Neste sentido: TRF4, ACR 5014604-14.2019.4.04.7000, SÉTIMA TURMA, Relator DANILO PEREIRA JUNIOR, juntado aos autos em 28/08/2019. Ainda no mesmo trilhar: TRF4, ACR 5008589-29.2019.4.04.7000, SÉTIMA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 21/08/2019.

[10] Diz-se “algum sentido”, pois como se sabe, à lume da codificação civil brasileira – a qual tanto se apega o regime cautelar do processo penal -, a solidariedade das obrigações decorre da lei ou do contrato. Inexiste qualquer menção à solidariedade na lei penal e não há o que se falar em obrigação contratual da questão. "Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes."


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O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUA APLICABILIDADE NOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

 Por: Giulia Mazzetto Coqueiro[1] eIsabela Corso Baptista dos Santos[2]

 

RESUMO

Este artigo põe em análise o princípio da insignificância e sua aplicação nos crimes contra a ordem tributária. A doutrina majoritária atrela a existência do princípio a Roxin e menciona a tipicidade conglobante como importante aspecto para a análise do fato típico. O princípio em questão foi produto de uma construção doutrinária e o histórico de sua formação revela a necessidade de sua aplicabilidade para o ordenamento jurídico e também fundamenta a sua existência. O tema trabalhado neste artigo cujo escopo é entender a relação entre os dois institutos, envolve um conglomerado de jurisprudências, as quais serão objeto de estudo.

 

  1. INTRODUÇÃO

O Estado Democrático de Direito, pautado na Constituição de 1988, possui o Jus Puniendi, ou seja, a prerrogativa sancionadora do Estado - direito estatal de punir. No que tange à análise do crime e seus elementos, a teoria predominante no ordenamento jurídico brasileiro é a tricrômica ou tripartida. Essa teoria apresenta o crime como fato típico, ilícito e culpável.

A tipicidade, diretamente afetada pela incidência do princípio em estudo, pode ser analisada a partir de dois ângulos - formal e material - O aspecto formal é a mera relação entre o fato concreto e o tipo penal. No entanto, essa interpretação restritiva exclui o aspecto prático da conduta. Se sob a égide da teoria finalista da ação, a ação é uma conduta humana consciente e voluntária, dirigida a uma finalidade (WELZEL), a lei penal sempre será aplicada quando presentes os três elementos citados?  O caso em concreto pode demonstrar difícil compreensão quando além da lei penal, se relaciona com os costumes, bem jurídicos e princípios constitucionais. Dessa forma, o conflito entre Estado e indivíduo exige que, juntamente com a aplicação da norma penal, exista uma reflexão que seja capaz de relacionar os aspectos teóricos da lei com a prática dos casos em concreto. O princípio da razoabilidade demonstra que todo representante do Estado está, ao mesmo tempo, obrigado a fazer uso de meios adequados e de abster-se de utilizar meios e recursos desproporcionais. (BITENCOURT, 2011, p. 55).

Com isso, a teoria social da ação define a ação como uma conduta positiva socialmente relevante, dominada pela vontade e dirigida a uma finalidade[3]. Destarte, essa teoria desenvolvida por Jascheck e Wessels consegue vincular a aplicação do direito penal a uma conduta penalmente relevante e por fim, demonstrando a proporcionalidade entre a conduta e a norma.

A partir da tipicidade conglobante de Zaffaroni - tipicidade material juntamente com a antinormatividade - observa-se que a adequação do fato à norma envolve a proibição e o alcance proibitivo da norma. Portanto, a limitação ao ius puniendi propõe fazer-se mister que esteja presente o exame do bem jurídico tutelado antes da aplicação da lei penal ao caso em estudo.

 

  1. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL: ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Com base no conflito entre indivíduo e Estado, foi verificado que nem todo resultado é penalmente relevante. Em 1964, Claus Roxin iniciou o estudo do princípio da insignificância, o qual seria analisado posteriormente no Brasil pelo jurista Francisco de Assis Toledo:

“Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas. Assim, no sistema penal brasileiro, por exemplo, o dano do art. 163 do Código Penal não deve ser qualquer lesão à coisa alheia, mas sim aquela que possa representar prejuízo de alguma significação para o proprietário da coisa; o descaminho do artigo 334, parágrafo 1°, d, não será certamente a posse de pequena quantidade de produto estrangeiro, de valor reduzido, mas sim a de mercadoria cuja quantidade ou cujo valor indique lesão tributária, de certa expressão, para o Fisco; o peculato do artigo 312 não pode ser dirigido para ninharias como a que vimos em um volumoso processo no qual se acusava antigo servidor público de ter cometido peculato consistente no desvio de algumas poucas amostras de amêndoas.” (TOLEDO, 1982, p.133).

 

 

O STJ dispõe que: “A admissão da ocorrência de um crime de bagatela reflete o entendimento de que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionam." (STJ, 5ª Turma, AgRg no HC 480.413/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 21/02/2019, publicado 01/03/2019).

Dessa forma, observa-se que que o STJ admite a aplicabilidade do princípio da insignificância caso o autor do fato seja reincidente, porém negou a sua aplicação em habeas corpus envolvendo reincidência específica[4].

 

  1. A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

O Direito Tributário, instituído pelo Art. 145 da constituinte, prevê o poder da criação de tributos pela União, Estado e Município como meio de viabilizar a garantia do desenvolvimento nacional. No que concerne a sua concretização na ordem tributária, percebe-se que muito embora o haja um sentido minorado da insignificância, nos crimes contra o sistema de tributação a ocorrência constitui-se como um dos mais nefastos e confrontadores tipos de delito, posto que coloca em voga a atuação estatal. Com sua prática torna-se cerceado o intuito basilar da tributação, o qual seja, promover o equilíbrio nas relações entre os que têm e os que não tem poder, ou ainda entre aqueles que têm mais poder e os que têm menos.

A Lei 8.137/90, chamada Lei dos Crimes Contra Ordem Tributária, vem justamente para incriminar a conduta de sonegar tributos, ao  discorrer como crime suprimir ou reduzir tributos -  ou quaisquer outras contribuições - omitindo informações, falsificando notas, fraudando a fiscalização, sob pena de aplicação de multa e reclusão. Na prática o que se observa é que o abalo entre o dever de pagar e a sonegação dos tributos acaba por refletir nos direitos fundamentais dos indivíduos ao passo em que ao valores não recolhidos não são aplicáveis na estruturação da sociedade.

Ocorre que, o sistema penal brasileiro admite a aplicação do princípio da insignificância no limite de R$20.000,00 (vinte mil reais) com a justificativa de que esse seria o montante que a Fazenda Nacional poderia requerer o ajuizamento de ação de execução fiscal[5]. É bem verdade que o Direito, enquanto ultima ratio deve criminalizar as condutas graves que levem a supressão ou diminuição da arrecadação tributária - com o fito de equilibrar a distribuição de riquezas e gerar equilíbrio entre o poder de tributar e a obrigação de pagar tributos - mas, os tribunais entendem que valores inferiores ao montante acima não seriam relevantes à atuação penal.

De acordo com o Sistema Tribunal Federal, em seus julgados recentes, existem alguns requisitos necessários à aferição da tipicidade penal, os quais sejam (i) a mínima ofensividade da conduta do agente, (ii) a nenhuma periculosidade social da ação, (iii) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (iv) a inexpressividade da lesão jurídica provocada[6]. No caso de lesão à aplicação tributária esse requisitos não são observados.Esse entendimento decorre da limitação da atuação do Direito Penal, afastando a sua imposição aos crimes que, pela sua característica de baixo grau de lesividade, não necessitam de sanção penal.

 

  1. CONCLUSÃO.

O Direito Penal é exceção à regra, sendo aplicável somente quando observados requisitos de ilicitude, culpabilidade e punibilidade. Deve ser invocado apenas quando outros ramos do Direito não forem suficientes à titulação dos direitos, o que, reitera-se, não ocorre nas sanções do Direito Tributário. O fato é tão verdade que na aplicação do sistema tributário, a banalização do Direito Penal fica evidente quando observado que com o pagamento dos tributos devidos, a punibilidade é extinguida, posto que não há como se falar em lesão ao bem jurídico. Em mesmo sentido, o princípio da insignificância nos crimes contra ordem tributária não atinge a tipicidade do fato, visto que não são verificados requisitos  - de consideráveis prejuízos - para que o ato criminoso seja considerado repulsivo e de imprescindível repressão estatal.

O que se conclui é que o Direito Penal na esfera tributária tem um único objetivo: de o Estado “ameaçar” a população para o pagamento do tributo. Não importa se já houve sonegação do imposto ou recolhimento indevido - mesmo com a observância da concretização do crime - quando há a devida quitação tributária, não existe mais crime e portanto, afastamento do Direito Penal.

Assim, o princípio da insignificância traduz a ideia de que o Direito Penal somente deve atuar na incriminação de situações com consequência juridicamente relevantes não cabendo na atuação do sistema tributário.

 


[1] Graduanda na Universidade Estadual de Londrina – UEL participante do Grupo de Direito Penal Econômico da PUC em Londrina\PR.

[2] Graduanda na Universidade Estadual de Londrina – UEL


[3] Comentários adicionados pelo autor na obra Direito Penal Esquematizado, 2019, no capítulo dirigido à análise da tipicidade

[4] HC 491.970/SP da 5ª Turma do STJ.

[5] Lei nº 10.522/02, que dispõe sobre o cadastro informativo dos créditos não quitados do setor público federal.

[6] HC  94.439 da 1ª Turma do STF discorrendo sobre o princípio da insignificância no caso concreto de furto.

 

  1. REFERÊNCIAS
  1. ESTEFAM, André. Direito Penal Esquematizado: parte geral. / André Estefam e Victor Eduardo Rios Gonçalves, Editora Saraiva, 2017, São Paulo
  2. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 5ª Turma, HC 491.970/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 26/02/2019, publicado em 08/03/2019.
  3. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal I. 16. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. 651p.
  4. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 5ª Turma, AgRg no HC 480.413/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 21/02/2019, publicado 01/03/2019.
  5. Lei nº 522/02 e Portarias nº 75 e 130, de 2012, do Ministério da Fazenda.
  6. Primeira turma. Habeas corpus 94.439/RS. Rel. Min. Menezes Direito, julgado em 03/03/2009.
  7. GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. v. 1. 12. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 63.

A CADEIA DE CUSTÓDIA E SEUS PRIMEIROS REFLEXOS NOS TRIBUNAIS

  Por: Rafael Junior Soares

O pacote anticrime inseriu no Código de Processo Penal o instituto da cadeia de custódia (arts. 158-A a 158-F), considerado como mecanismo importante para a lisura da prova na persecução penal, tendo em vista que há necessidade de se demonstrar documentalmente que o vestígio recolhido é o mesmo valorado na tomada de decisão judicial, pairando uma desconfiança entre as partes, a qual somente poderá ser superada pela correta demonstração dos elos inerentes à custódia da prova[1].

O objetivo da cadeia de custódia é o de “garantir a preservação da integridade dos vestígios de um crime, documentando-se, inclusive, os agentes estatais que tiveram contato com a prova”[2]. Diante disso, garante-se todo o percurso da prova, que vai desde o reconhecimento do vestígio até o descarte, de modo que eventual interferência poderá redundar na imprestabilidade[3].

A discussão mais importante reside nos desdobramentos que poderão ocorrer em razão da quebra ou não preservação da cadeia de custódia, tendo em vista que existem duas correntes com a defesa de consequências bem distintas. A primeira sustentando que a violação implicará na exclusão do material probatório, enquanto a segunda advoga que caberá ao juiz valorar o elemento probatório à luz da irregularidade constatada[4].

Neste contexto, independentemente da posição a ser adotada, é possível verificar os primeiros reflexos do novo instituto na jurisprudência, como por exemplo, a decisão prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça no habeas corpus nº. 461.709/SP[5], no qual se reconheceu vícios no reconhecimento de vozes dos investigados. O caso examinado pela Corte Cidadã chama a atenção em dois aspectos: i) o reconhecimento de voz, em inobservância ao art. 226 do Código de Processo Penal; ii) a quebra da cadeia de custódia pela não conservação das vozes recolhidas na investigação preliminar.

Com efeito, o Ministro Rogério Schietti asseverou em seu voto o seguinte: “a inexistência de formalidade para a identificação do suspeito afasta seu potencial epistêmico. A gravação das vozes não foi preservada (quebra de cadeia de custódia), as falas não foram colocadas ao lado de outras, que com elas tivessem qualquer semelhança e não foi feito nenhum tipo de comparação, por perícia técnica, com as escutas dos sequestradores, que o delegado afirmou ter feito.”.

Desse modo, observa-se que o reconhecimento de voz realizado na delegacia de polícia não foi repetido em juízo, além de ter sido produzido em desconformidade com o art. 226 do Código de Processo Penal[6]. Assim, especialmente no que interessa ao presente trabalho, observa-se que as gravações de vozes não foram preservadas pelas autoridades, a fim de que pudessem ser comparadas em juízo, bem como periciadas e objeto de contraprova pela defesa.

Com efeito, o caso é muito interessante porque apresenta influxos concretos dos novos dispositivos na jurisprudência relativa à irregularidade da cadeia de custódia. Além disso, a partir do exame da decisão mencionada, entendeu-se como “ausentes critérios mínimos para garantir o nível de confiabilidade racional do elemento informativo”. Isso demonstra que a suposta quebra da cadeia de custódia foi interpretada como fator de diminuição da credibilidade da prova e não como sua ilicitude, cabendo ao magistrado valorar o elemento probatório.

Portanto, a inclusão da cadeia de custódia no ordenamento jurídico apresenta-se como mais um dos institutos essenciais para que ocorra uma “filtragem epistêmica” da prova penal[7], fixando-se procedimentos específicos para a produção de cada meio de prova, tudo com o objetivo de garantir um processo penal que seja capaz de respeitar as garantias processuais.

 


Rafael Junior Soares
Doutorando em Direito pela PUC/PR.

Mestre em Direito Penal pela PUC/SP

Professor de Direito Penal na PUC/PR. Advogado.

E-mail: rafael@advocaciabittar.adv.br


REFERÊNCIAS

BORRI, Luiz Antonio. SOARES, Rafael Junior. A cadeia de custódia no pacote anticrime. Boletim IBCCRIM, ano 28, nº. 335, p. 17-19, out./2020.

MATIDA, Janaina. A cadeia de custódia é condição necessária para a redução dos riscos de condenações de inocentes. Boletim IBCCRIM, ano 28, 331, p. 06-08, jun./2020.

MATIDA, Janaina. MASCARENHAS, Marcella; HERDY, Rachel. A prova penal precisa passar por uma filtragem epistêmica. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-13/limite-penal-prova-penal-passar-filtragem-epistemica. Acesso em: 30 abr. 2021.

MENEZES, Isabela A.; BORRI, Luiz A.; SOARES, Rafael J. A quebra da cadeia de custódia da prova e seus desdobramentos no processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 1, p. 281, jan./abr. 2018. Disponível em: https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i1.128. Acesso em: 30 abr. 2021.

PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019, p. 94-97.


[1] PRRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019, p. 94-97.

[2] BORRI, Luiz Antonio. SOARES, Rafael Junior. A cadeia de custódia no pacote anticrime. Boletim IBCCRIM, ano 28, nº. 335, p. 17-19, out./2020.

[3] MENEZES, Isabela A.; BORRI, Luiz A.; SOARES, Rafael J. A quebra da cadeia de custódia da prova e seus desdobramentos no processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 1, p. 281, jan./abr. 2018. Disponível em: https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i1.128. Acesso em: 30 abr. 2021.

[4] MATIDA, Janaina. A cadeia de custódia é condição necessária para a redução dos riscos de condenações de inocentes. Boletim IBCCRIM, ano 28, 331, p. 06-08, jun./2020.

[5] HC 461.709, Rel. Ministro Rogério Schietti, Sexta Turma, DJ 30/04/2021.

[6] O Superior Tribunal de Justiça construiu precedente importante a respeito do reconhecimento de pessoas, o qual foi reproduzido para o reconhecimento de vozes: HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. RIGOR PROBATÓRIO. NECESSIDADE PARA EVITAR ERROS JUDICIÁRIOS. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. (...) Conclusões: 1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime; 2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo; 3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento; 4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo. (...) . (HC 598.886/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020).

[7] MATIDA, Janaina. MASCARENHAS, Marcella; HERDY, Rache. A prova penal precisa passar por uma filtragem epistêmica. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-13/limite-penal-prova-penal-passar-filtragem-epistemica. Acesso em: 30 abr. 2021.


 


Insider Trading: O Impacto desta prática no corpo social

Por: Lara Miranda Caloy1

Resumo: O estudo aborda a hodierna realidade, em que o direito penal econômico resvala em muitas searas da vida populacional. Nesse diapasão, o crime de insider trading corrobora esse cenário, haja vista, estar sendo muito debatido pelos tribunais e pela doutrina, a fim de sedimentar um entendimento que assegure certa estabilidade para a prática da legislação a pouco vigente. Assim, é primordial o estudo aprofundado desta temática, bem como entender os impactos deste crime para a sociedade, com vistas a garantir a seguridade e a liberdade.

1.     Introdução

A presente pesquisa é fruto de um estudo aprofundado sobre o crime de Insider trading muito em voga atualmente, mas que, conforme explicita o caso concreto, ainda não possui delimitações jurisprudenciais e doutrinárias suficientes para estabelecer sua base procedimental. Balizado a isso, precípua discorrer sobre o direito penal econômico em seu sentido amplo e analisar o crime outrora mencionado partindo da realidade.

Nesse diapasão, o problema objeto da pesquisa é: quais os impactos do crime de Insider Trading para o mercado de capitais atual? Sendo assim, o objetivo geral do trabalho é analisar a discussão que envolve o tema, por meio de casos concretos muito atuais e verificar a incidência desta prática e, por conseguinte, seus desdobramentos. Ademais, como objetivos específicos é possível mencionar, verificar o impacto do crime de insider trading no mercado de capitais, analisar o caso concreto e como os tribunais têm se debruçado na temática e observar as tendências doutrinárias basilares da prática.

No que tange a metodologia de pesquisa, o estudo que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin (2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será predominantemente dedutivo. Quanto à natureza dos dados, o estudo se baseia em dados secundários. De acordo com a técnica de análise de conteúdo, afirma-se que se trata de uma pesquisa teórica.

2.     Noções gerais do Direito Penal Econômico

Direito Penal econômico passa a ser visto como um ramo do Direito Penal geral que, com relativa autonomia, estuda, regula e aplica os dispositivos legais aos delitos praticados contra a ordem econômica (CIPRIANI, 2006, p. 438).

Primeiramente, antes de adentrar na temática ora em análise, insta salientar no que consiste o direito penal econômico hodiernamente. Nesse diapasão, como bem discorre Cipriani, tal ramo tornou-se independente e, por consequência, passou a ter maior aplicação prática, principalmente pelo desenvolvimento da ordem econômica.

É cediço que as relações comerciais têm se desenvolvido de forma exponencial, principalmente com as facilidades advindas da era tecnológica. À exemplo, investir na bolsa de valores tem se tornado muito mais prático e rápido através dos meios digitais e das possibilidades de se aprender com tutoriais online de como realizá-las.

Todavia, tal facilidade também impacta o direito penal econômico, haja vista, com o crescimento desta seara, as tendências de incorrência em crimes contra o mercado de capitais cresceram. Nesse âmago, urge que a população tenha o devido conhecimento sobre os efeitos desta prática ao adentrar nessa seara. Conforme bem adverte André Luiz Callegari:

 

[…] os efeitos característicos da criminalidade econômica são o da ressaca ou espiral, cuja descrição é a seguinte: num mercado de forte concorrência, a deslealdade se produz quando se esgotam as possibilidades legais de luta. Nesta situação, quem primeiro delinque acaba pressionando o resto à comissão de novos fatos delitivos (efeito de ressaca), e cada participante se converte assim no centro de uma nova ressaca (efeito de espiral). Este efeito de especial contágio se encontra facilitado porque o autor potencial é consciente do número enorme de delitos econômicos, da importância da cifra negra e da benignidade das penas previstas nas leis, suscitando uma imagem amável e positiva do criminoso (CALLEGARI, 2003, p. 25)

 

3.     Insider Trading

Este crime se caracteriza pela utilização de informações relevantes de que o autor tenha conhecimento. Mas ainda não foi divulgada no mercado e, aqui, é possível perceber o caráter sigiloso - elemento basilar do tipo. Além disso, é preciso que tal informação seja capaz de propiciar, para ele ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação.

Desta feita, é possível destacar quais são os elementos caracterizadores do crime e quem pode incorre-lo. No que tange ao primeiro, são três, a existência de informação privilegiada e não divulgada, ela pode ser veiculada por qualquer pessoa e ela precisa trazer efetiva utilização em negociações de valores mobiliários, para que se possa caracterizar a vantagem indevida. Já no que concerne ao segundo, resta claro que o crime pode ser cometido por qualquer um que tenha acesso a informação sigilosa, à título de exemplo, sócios, administradores, conselheiros, diretores, membros integrantes de órgãos técnicos e consultivos, membros do conselho fiscal, dentre outros.

Nesse ínterim, após a breve análise do tipo, é válido analisar um caso concreto em que tal prática foi identificada e como os tribunais têm se sedimentado diante de tal prática. Porém, antes disso, é mister observar que a doutrina e jurisprudência ainda não consolidou entendimentos que possam apaziguar o assunto, haja vista, haver alterações legislativas muito recentes na seara e casos eminentemente diferentes a serem tratados pontualmente.

PENAL E PROCESSUAL. CRIME CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS. ART. 27-D DA LEI N. 6.385/1976. USO INDEVIDO           DE      INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA – INSIDER TRADING. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO ACOLHIMENTO. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. AUMENTO.          CULPABILIDADE

EXACERBADA. FUNDAMENTO IDÔNEO. PENA DE MULTA. APLICAÇÃO CORRETA. DANOS MORAIS. NÃO CABIMENTO. CRIME COMETIDO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI                     N.              11.719/2008. IRRETROATIVIDADE.

[…]

  1. A responsabilidade penal pelo uso indevido de informação privilegiada, ou seja, o chamado Insider Trading – expressão originária do ordenamento jurídico norte- americano – ocorreu com o advento da Lei n. 303/2001, que acrescentou o artigo 27-D à Lei n. 6.385/76, não existindo, ainda, no Brasil, um posicionamento jurisprudencial pacífico acerca da conduta descrita no aludido

 

 

dispositivo, tampouco consenso doutrinário a respeito do tema.

  1. A teor do disposto nos arts. 3º e 6º da Instrução Normativa 358/2002 da Comissão de Valores Mobiliários e no art. 157, § 4º, da Lei n. 6.404/1976, quando o insider detiver informações relevantes sobre sua companhia deverá comunicá-las ao mercado de capitais tão logo seja possível, ou, no caso em que não puder fazê-lo, por entender que sua revelação colocará em risco interesses da empresa, deverá abster-se de negociar com os valores mobiliários referentes às informações privilegiadas, enquanto não forem divulgadas. [...]
  2. No caso concreto, não há controvérsia quanto às datas em que as operações ocorreram e nem quanto ao fato de que o acusado participou das discussões e tratativas visando à elaboração da oferta pública de aquisição de ações da Perdigão S.A, obtendo, no ano de 2006, informações confidenciais de sua companhia – Sadia S.A. – as quais, no exercício de sua profissão, tinha o dever de manter em sigilo [...]
  3. O cargo exercido pelo recorrente na época dos fatos – Diretor de Finanças e Relações com Investidores da Sadia S.A. – constitui fundamento idôneo para justificar o aumento da pena-base, “diante da sua posição de destaque na empresa e de liderança no processo de tentativa de aquisição da Perdigão”, conforme destacou o acórdão recorrido.

[…] (REsp 1569171/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA,

julgado em 16/02/2016, DJe 25/02/2016)

 

Diante da análise do julgado ora exposto, resta claro que se trata de um caso envolvendo a Perdigão e a Sadia e como bem explicitado no excerto ainda não há um posicionamento cediço. Porém, diante do cargo de destaque do profissional da Sadia - Diretor de Finanças e Relações com Investidores - e da situação que o envolveu, restou eminente que ele possuía informações privilegiadas e da forma como foi exposto, incorreu na prática do Insider Trading.

 

4.     Conclusão

Mesmo as mais poderosas pressões só serão levadas em conta e elaboradas juridicamente a partir da forma como aparecem nas 'telas' internas, onde se projeta as construções jurídicas da realidade. Nesse sentido, as grandes evoluções sociais 'modulam' a evolução do Direito, que, não obstante, segue uma lógica própria de desenvolvimento. (TEUBNER, 1983, p. 249.)

A presente pesquisa ainda se encontra em estágio inicial. Desse modo, como conclusões parciais, é possível verificar que a dinâmica do insider trading está tomando forma de acordo com os casos práticos que são submetidos aos tribunais e a partir disso, a doutrina está realizando análises capazes de sedimentar a teoria com base na prática.

No entanto, é fato que tal crime está tendo fortes consequências na vida do corpo social e assim, é de suma importância que estes tomem os devidos conhecimentos do tipo e das bases que estão sendo lapidadas. Balizado a isto, também é imperial que o Direito se desenvolva e reflita as mudanças sociais, pois, conforme explicita Teubner, o ramo jurídico é fruto das relações humanas e fim para respaldá-las.

 


1 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora – email: laracaloy@hotmail.com


5.     Referências Bibliográficas

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1569171/SP. PENAL E PROCESSUAL. CRIME CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS. ART. 27-D DA LEI N. 6.385/1976. USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA – INSIDER TRADING. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO ACOLHIMENTO. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. AUMENTO. CULPABILIDADE EXACERBADA. FUNDAMENTO IDÔNEO. PENA DE MULTA. APLICAÇÃO CORRETA. DANOS MORAIS. NÃO CABIMENTO. CRIME COMETIDO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N. 11.719/2008. IRRETROATIVIDADE. Ministro

Gurgel de Faria. 16 fev. 2016.

CALLEGARI, André Luís. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro: aspectos criminológicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

CIPRIANI, Mário Luís Lírio. Direito penal econômico e legitimação da intervenção estatal – Algumas linhas para a legitimação ou não-intervenção penal no domínio econômico à luz da função da pena e da política criminal. In: D’ÁVILA, Fábio Roberto; SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder (Coord.). Direito penal secundário: estudos sobre crimes econômicos, ambientais, informáticos e outras questões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

TEUBNER, Gunther. O Direito como Sistema Autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.

WITKER, Jorge. Cómo elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.


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COMPLIANCE OFFICER E POSIÇÃO DE GARANTE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A DELEGAÇÃO DE FUNÇÕES EXECUTIVAS NO ÂMBITO COPORATIVO

Por: Lucas Rosa Zyngier

Na seara dos delitos omissivos impróprios, a doutrina discute sobre a possibilidade da configuração da posição de garante do compliance officer, o qual desempenha importante função nas grandes corporações. Diante desta problemática, surgem diversos questionamentos, dentre os quais podemos destacar o seguinte: “No caso de não haver a delegação de funções executivas ao oficial de compliance, poderá ele ocupar uma posição de garantidor?”.

Sabe-se que as funções destes profissionais não possuem contornos homogêneos, isto é, elas serão distintas conforme as peculiaridades de cada empresa1. Apesar desta heterogeneidade, mostra-se possível citar tarefas que costumam ficar ao encargo dos sujeitos em questão (funciones estândar), como: promoção de normas de conduta; análise prévia dos riscos penais envolvidos nos procedimentos da empresa; confecção de canais de denúncia, entre outras. Geralmente, as incumbências destes indivíduos se referem ao desenvolvimento e à manutenção da vigência de políticas e procedimentos internos ordenados com o fim de minorar os riscos de a empresa e seus funcionários praticarem ilícitos na persecução dos objetivos sociais empresariais2.

Relativamente à posição do encarregado de cumprimento no âmbito corporativo, frisa-se que ele ocupa um espaço imediatamente subordinado aos órgãos de direção, similar ao de um alto gerente. Além disso, ele possui independência em termos organizativos, econômicos e materiais, ainda que careça de faculdades executivas3.

Costuma-se afirmar, inclusive, que este profissional será eficaz quando a sua atuação se der com suficiente autonomia em relação à companhia, mas tendo, simultaneamente, apoio total dos recursos desta4. Em suma, o setor de compliance se constitui, apenas, em mais um órgão auxiliar5.

No que toca aos deveres do compliance officer, impende frisar que estes lhe são atribuídos por delegação. Brevemente: os deveres de garante pertencem, originariamente, ao empresário, uma vez que sua liberdade empresarial é acompanhada, necessariamente, pelo dever de cuidar para que a pessoa jurídica não lesione bens jurídicos de terceiros6.

Quanto à referida delegação de funções, pertinente demonstrar como ela se concretiza. Inicialmente, o empreendedor delega a coordenação e a execução de tarefas a determinadas pessoas (gerentes financeiros, de produção, de qualidade etc.). Deste modo, o seu dever de garante, referente às instalações e às atividades de risco, sofre uma mutação, transformando-se em um dever de supervisão e vigilância da atividade dos funcionários citados7.

Em um segundo momento, o empresário, atualmente titular do dever de supervisão e vigilância, realiza nova delegação, sendo que, desta vez, em face do compliance officer. Destarte, a obrigação do proprietário do empreendimento deixa de ser a de supervisão ativa (desenvolvimento de atividades de vigilância e controle sobre quem executa as tarefas empresariais), passando a ser de supervisão passiva (comunicar-se com quem executa materialmente os encargos de vigilância e controle, assim como tomar providências quando restar configurada determinada situação de perigo a bens jurídicos)8. Depreende-se, portanto, que o oficial de compliance passa a ostentar o dever de supervisão ativa.

Imprescindível realçar que o indivíduo analisado foi contemplado com a responsabilidade de desenvolver atividades de vigilância e controle sobre quem executa

as tarefas empresariais. Vale dizer, portanto, que não houve a delegação de funções executivas. Eis aqui o ponto nevrálgico para a análise da suposta posição de garantidor aqui debatida.

Nos delitos omissivos impróprios, o ponto de partida para a realização do juízo de equivalência entre ação e omissão diz respeito à possibilidade de agir para evitar o resultado. Tal exigência se deve ao fato de que seria ilógico exigir-se uma obrigação de agir quando não há capacidade de atuar conforme o dever objetivo de cuidado.

No caso do oficial de cumplimiento, frisa-se que ele não define as decisões a serem tomadas pela companhia, uma vez que a sua funcionalidade precípua é a de alertar sobre os riscos evidentes e inerentes às decisões9. De modo a fomentar ainda mais o debate, destaca-se que, na maioria das estruturas administrativas, o profissional ora analisado não possui conhecimento das decisões tomadas pela alta administração e, muito menos, poder de veto para barrar tais condutas10.

Diante disso, questiona-se: “como cogitar a imputação de um resultado delitivo, a título de omissão imprópria, a um sujeito que não teria meios de evitar o resultado?”. Como resposta, poder-se-ia dizer que, para que se configure o domínio para fins de evitação do resultado, o indivíduo deverá ter capacidade de administração e decisão dentro da empresa ou, ao menos, poder de veto/suspensão das condutas dos administradores. Sem que haja a delegação de tais poderes ao compliance officer, torna- se significativamente questionável a configuração da sua posição de garante, especialmente pelo fato de que o “poder agir” é pressuposto lógico e inarredável do “dever agir”.

 


Lucas Rosa Zyngier: Advogado. Graduado em Direito pela PUC/RS. Especialista em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS. Mestrando em Ciências Criminais pela PUC/RS. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8964930798072864


1 GÓMEZ-ALLER, Jacobo Dopico. Posición de garante del compliance officer por infracción del “deber de control”: una aproximación tópica. In: ZAPATERO, Luis Arroyo (org.); MARTÍN, Adán Nieto (org.). El Derecho Penal Económico en la era Compliance. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 168.

2 GÓMEZ-ALLER, op cit., p. 168.

3 PLANAS. Ricardo Robles. El responsable de cumplimiento (compliance officer) ante el derecho penal. In: SÁNCHEZ, Jesús-María Silva (org.). Criminalidad de Empresa y Compliance – Prevención y Reacciones Corporativas. Barcelona: Atelier, 2013. p. 321.

4 McCONNELL, Ryan; MARTIN, Jay; SIMON, Charlotte. Plan Now or Pay Later: The Role of Compliance in Criminal Cases. Houston Journal of International Law. Houston: University of Houston Law Center, v. 33, n. 03, 2011, p. 55.

5 PLANAS, Ricardo Robles. El responsable de cumplimiento (compliance officer) ante el derecho penal. In: SÁNCHEZ, Jesús-María Silva (org.). Criminalidad de Empresa y Compliance – Prevención y Reacciones Corporativas. Barcelona: Atelier, 2013. p. 321.

6 PLANAS, op cit., p. 322.

7 SÁNCHEZ, Juan Antonio Lascuraín. La responsabilidad penal individual en los delitos de empresa. In: BARRANCO, Norberto J. de la Mata et al (org.). Derecho Penal Económico y de la Empresa. Madrid: Dykinson, 2018. p. 124.

8 GÓMEZ-ALLER, Jacobo Dopico. Posición de garante del compliance officer por infracción del “deber de control”: una aproximación tópica. In: ZAPATERO, Luis Arroyo (org.); MARTÍN, Adán Nieto (org.). El Derecho Penal Económico en la era Compliance. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 175.

9 COSTA, Helena Regina Lobo da; ARAÚJO, Marina Pinhão Coelho. Compliance e o julgamento da APn

  1. 470. Revista Brasileira de Ciências São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 22, 2014. p. 223.

10 COSTA; ARAÚJO, op cit., p. 223-226.


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NOTAS SOBRE A SÚMULA 24 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E OS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

Por: José Ewerton Bezerra Alves Duarte[1] Mayara de Lima Paulo[2] eMatheus Ribeiro Barreto Dias[3]

 

1 INTRODUÇÃO

O Direito Penal, enquanto ultima ratio do sistema jurídico, possui em seu cerne um propósito básico: a proteção dos bens jurídicos mais relevantes e a eventual punição de ações que venham lesá-los, na esteira dos princípios da intervenção mínima, da fragmentariedade e da subsidiariedade (BITENCOURT, 2017).

Nessa esteira, o bem jurídico tributário se encaixa numa categoria especial - os ditos bens jurídicos institucionais de caráter coletivo (GUIRAO, 2005) -, que é correlacionado com determinadas atividades usualmente atribuídas ao Poder Público e imprescindíveis para a vida em sociedade (ALENCAR, 2006).

Logo, sendo a tributação um meio essencial para o funcionamento e a manutenção do Estado, chega-se à conclusão de que os tributos exercem uma função social voltada ao desenvolvimento individual e geral (PRADO, 2007), revelando, pois, a necessidade da tutela protetiva do Direito Penal, sobretudo, na vertente econômica (DIB, GUARAGNI, 2012), o que se encontra efetivado pela Lei nº 8.137/1990.

Na perspectiva do Direito Penal Econômico e ancorado na jurisprudência dos Tribunais Superiores, os crimes contra à ordem tributária previstos no art. 1º da Lei nº 8.137/1990 são delitos materiais, consumando-se com o lançamento definitivo do tributo, ou seja, é necessário um resultado consistente na redução ou na supressão do tributo, entendimento que se convencionou na súmula 24 do Supremo Tribunal Federal.

Convém, ainda, registrar que existem também os crimes formais, que constam do art. 2º da referida lei, de menor potencial ofensivo, o qual possui resultado, mas não é exigida a sua ocorrência para fins de consumação delitiva. Assim, o presente artigo tem por objeto a problematização das nuances e particularidades dos crimes materiais contra a ordem tributária a partir da aplicação do citado enunciado sumular, bem como debates correlacionados ao tema, por meio de uma revisão bibliográfica e documental, verticalizando-se numa análise doutrinária-jurisprudencial.

 

2 ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS DA REFERIDA SÚMULA

 

A súmula vinculante 24 surge em meio à discussão acerca da possibilidade de o Ministério Público propor ação penal por crime material contra a ordem tributária independentemente de outras questões de natureza processuais ou procedimentais, a exemplo da natureza da ação e do prévio debate em via administrativa para que seja definido a consumação desses crimes nos moldes do art. 1º da Lei nº 8.137/90 (MACHADO, 2013).

Estando, pois, a jurisprudência e a doutrina controvertidas quanto à questão do exaurimento prévio da via administrativa ou não para a proposição da ação penal em relação a esses crimes tributários, restou, assim, editada essa súmula, com o intuito de superar e unificar a interpretação normativa acerca da tipicidade material, assentando o entendimento de que, nos delitos materiais, o lançamento definitivo do crédito no processo administrativo é um dos fundamentais elementos para amparar o recebimento da ação penal, em que pese persistirem críticas dogmáticas sob a sua (in)aplicabilidade (MACHADO, 2013, pp. 112-113).

A par disso, alguns entendem que se trata de condição de procedibilidade para a configuração do tipo penal ou de um elemento normativo do tipo em tela, o que acarreta no não recebimento da inicial ou na rejeição da denúncia após a apresentação da defesa, conforme artigo 395, II, do Código de Processo Penal; enquanto outros afirmam que a inexistência da condição de definitividade do crédito tributário gera a falta de justa causa para o exercício da ação penal, prevista no inciso III desse mesmo dispositivo; de qualquer sorte, ambos levam à extinção do processo sem análise do mérito.

Os créditos tributários são comumente discutidos em sede de ações civis (anulatórias e embargos à execução). Nos casos em, no curso do processo-crime, houver a sua anulação com respectivo retorno à fase administrativa, o STF, no Agravo Interno em Reclamação 31.194/RS, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, entendeu não pela extinção da ação penal, mas pela suspensão do processo e do curso do prazo prescricional enquanto perdurar o novo processo administrativo, apegando-se, para tanto, aos princípios da celeridade processual e da eficiência.

Dessa forma, observa-se que a Suprema Corte tem flexibilizado a incidência desse enunciado de natureza vinculante, de modo que, a exemplo desse caso, valem as indagações: Se houve a desconstituição da dívida fiscal, por que apenas suspender se a prescrição? Seria justo impor ao indivíduo as consequências de uma condução anômala do processo administrativo pelo Estado, que é o credor, o legislador e o julgador ao mesmo?

Ademais, ela também foi alvo de inúmeras críticas, pois, a partir da interpretação desta, inexistiria o início do prazo prescricional (BORRI, SOARES, 2014). Há ainda alegações de que os processos administrativos fiscais serviriam apenas como exame de corpo de delito para verificação da materialidade, mas nunca como condicionante à configuração da infração penal (REALE JÚNIOR, 2013).

Isso porque o conceito de crime, a partir da teoria tripartite, requer o fato típico, ilícito e culpável. No que tange ao crime tributário, destacam-se, neste sucinto trabalho, esses elementos: o fato típico, que é composto pela conduta, resultado, tipicidade formal e material (ou ainda a conglobante de Eugénio Raul Zaffaroni) e nexo causal, e a culpabilidade, que é subdividida em imputabilidade, consciência potencial da ilicitude e inexigibilidade de conduta diversa. Será que há tipicidade material quando o crédito tributário for de pequena monta? No Habeas Corpus 486.854/RJ, o Superior Tribunal de Justiça já aplicou o princípio da insignificância diante do ínfimo valor envolvido.

Assim, é preciso registrar que a peça acusatória deve ser dotada de justa causa, sob pena de adoção de uma responsabilidade penal objetiva e de respectiva violação do Estado Democrático de Direito, que, conforme Maria Thereza Rocha de Assis Moura (2001, p. 276), requer, sob seu aspecto material, a certeza da materialidade e a presença de indícios suficientes de autoria. Inclusive, nos autos do Habeas Corpus 106.152/MS, de relatoria da Ministra Rosa Weber, o STF entendeu que a exigência da súmula 24 não se aplica à fase investigatória.

Outra discussão decorrente dessa súmula, consiste na possibilidade de tramitação de inquérito policial junto à Polícia Judiciária ou de procedimento investigativo criminal pelo Ministério Público sem a constituição definitiva do débito tributário. À primeira leitura, considerando ser este um procedimento investigativo para reunir elementos probatórios acerca da existência da infração penal (materialidade) e da (co)autoria/(co)participação hábeis à configuração da justa causa para o início da ação penal (JORGE, 2011), entender-se-ia que, se não há materialidade por meio do lançamento definitivo do tributo, não há como instaurar ou permitir o prosseguimento dessa investigação.

 

3 DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Dessarte, como expõe Decomain (2008), nota-se que os crimes contra a ordem tributária não violam tão somente o tributo fiscal enquanto objeto jurídico indisponível, mas atinge, outrossim, uma complexa rede de valores que permeiam o mercado econômico-financeiro, perpassando pela exigibilidade dos pagamentos dos tributos, o relacionamento com o fisco, a questão da idoneidade do contribuinte, a (in)competência da seara administrativa-cível de apuração das condutas, dentre outros aspectos.

Os seres humanos, no mundo globalizado, são complexos, assim como suas relações jurídicas. E, neste contexto, onde o Direito e o Estado regularam uma infinitude de áreas de atuação das pessoas físicas e jurídicas, não se pode perder de vista que a seara criminal é a ultima ratio e os entendimentos podem ser revisitados e aperfeiçoados no decurso do tempo.

Entretanto, é preciso sempre observar os ditames que sustentam o Estado (Democrático) de Direito, que tem princípios, direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos, erigidos na Constituição Federal.  Assim, é salutar refletir sobre a interpretação e a aplicação desses enunciados sumulares, a fim de evitar que, na tentativa de avançar, viole-se as premissas constitucionais, mormente quando a vítima direta é a fazenda pública enquanto credoras e implique-se em responder investigação criminal ou ação penal, que, por si só, já acarretam agruras pessoais e sociais aos indivíduos.

 


4 REFERÊNCIAS

 

ALENCAR, Romero Auto de. Crimes contra a ordem tributária: legitimidade da tutela penal e inadequação político-criminal da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo. MS thesis. Universidade Federal de Pernambuco, 2006.

 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Crimes Contra a Ordem Tributária. São Paulo: Saraiva Educação SA, 2017, Cap. 1.

 

BORRI, Luiz Antonio, e SOARES, Rafael Junior. A relativização da competência nos crimes tributários. Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal. Boletim Informativo IBRASPP - Ano 04, nº 07 - ISSN 2237-2520 - 2014/02.

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 106152. Relatora: Ministra Rosa Weber. Brasília, julgado em 29/03/2016, publicado em 24/05/2016.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 486854. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Brasília, julgado em 22/10/2019, publicado em 18/11/2019.

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 31194. Relator: Ministro Roberto Barroso. Brasília, julgado em 29/11/2018, publicado em 03/12/2018.

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante 24. Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, [2009].

 

DECOMAIN, Pedro Roberto. Crimes contra a ordem tributária. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

 

DIB, Natália Brasil e GUARAGNI, Fábio André. O princípio da insignificância e os crimes contra a ordem tributária: linhas críticas à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jurídica 1.28 (2012): 378-405.

 

GUIRAO, Rafael Alcácer. La protección del futuro y los daños cumulativos. Revista Electrónica de Ciência Penal y Criminologia, n. 04-08, p. 25, 2002.

 

JORGE, Estêvão Luís Lemos. O contraditório no inquérito policial à luz dos princípios constitucionais. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2011.Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/98938/jorge_ell_me_fran.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 27 abr. 2021.

 

MACHADO, Hugo de Brito. A irretroatividade da súmula vinculante 24 e a prescrição impeditiva da ação penal. NOMOS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, Fortaleza, v.33, n.1, 2013.

 

MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa causa para ação penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

 

PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

 

REALE JÚNIOR, Miguel. Restrição ilegal. Boletim do IBCCRIM, nº. 245, abril de 2013.

 


[1] Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC). Pós-graduando em Docência do Ensino Superior pela Universidade Federal de Campina Grande. Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade Futura de São Paulo (2021). Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade São Francisco da Paraíba (2019). Especialista em Direito Público pela Faculdade Legale de São Paulo (2020). Bacharel em Direito pela Faculdade São Francisco da Paraíba (2017). Pesquisador do GEDAI/UFC. Servidor Público Efetivo na Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social da Paraíba. E-mail: ewertonduartecz@gmail.com

[2] Advogada. Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC). Bacharela em Direito pela Universidade de Fortaleza (2012). Membro do Núcleo de Estudos Aplicados Direito, Infância e Justiça (NUDIJUS/UFC) e do GEDAI/UFC. Membro do Conselho Jovem da OAB/CE. E-mail: mayaralp.adv@gmail.com

[3] Graduando em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pesquisador do GEDAI/UFC. Pesquisador do Laboratório Internacional de Investigação em Transjurisdicidade (LABIRINT), vinculados à UFPB. Estagiário junto ao MPF-PB. E-mail: matheusbarreto14@hotmail.com


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O crime de frustração do caráter competitivo de licitação (art. 337-F, do Código Penal), a Súmula nº 645 do STJ e o problema da prescrição

Por: Camila Rodrigues Forigo[1] e Rodrigo Muniz Santos[2]

 

Em 10 de fevereiro de 2021, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula nº 645, com o seguinte enunciado: "o crime de fraude à licitação é formal, e sua ​​consumação prescinde da comprovação do prejuízo ou da obtenção de vantagem".

 

Pela própria data de edição, o verbete refere-se ao artigo 90 da Lei nº 8.666/1993[3], recentemente revogado pela nova Lei de Licitações[4], que inseriu o art. 337-F no Código Penal, com a seguinte redação:

 

“Art. 337-F. Frustrar ou fraudar, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, o caráter competitivo do processo licitatório:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa.”

 

Fora o aspecto mais evidente, ou seja, o substancial aumento da pena, o legislador operou sutil alteração na estrutura do novo tipo, pois o “ajuste ou combinação” (condutas bilaterais) deixaram de figurar entre os elementos descritivos da conduta para cederem lugar ao que antes se definia como “qualquer outro expediente” (vale dizer: qualquer ato unilateral do agente destinado a frustrar ou fraudar o certame), conferindo maior amplitude à incriminação.

 

A mudança de redação não obsta a aplicação da nova Súmula, já que a conduta incriminada mantém seu traço essencial, que é a prática de qualquer expediente desonesto tendente a inviabilizar o caráter competitivo da licitação, independente do resultado.

 

A Súmula 645, portanto, supera alguns entendimentos isolados no âmbito do próprio STJ[5] e sedimenta a orientação de que a infração penal ora em análise é de natureza formal, instantânea e, por isso, desvinculada da adjudicação do objeto ou da assinatura do contrato administrativo, de modo que qualquer ato ou arranjo fraudulento, seja mediante combinação entre os licitantes ou entre estes e funcionários públicos, seja, ainda, por conduta unilateral de qualquer desses agentes, aperfeiçoa o crime.

 

André Guilherme Tavares de Freitas corrobora esse entendimento:

 

“Identifica-se nesse tipo penal a conduta de ‘frustrar ou fraudar o caráter competitivo do procedimento licitatório’, como meio de praticar tal conduta, o ‘ajuste, combinação ou qualquer outro expediente’ e, por fim, como resultado naturalístico desse proceder a ‘vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação’. Com efeito, apesar de o legislador mencionar nesse tipo o resultado naturalístico, não exige sua ocorrência para consumar o crime, mas apenas, que o agente tenha atuado com a intenção de (com o intuito de) obtê-lo, pelo que vindo efetivamente a alcançar este resultado o crime será tido como exaurido, porém consumado já estava desde o momento em que o caráter competitivo do certame foi frustrado ou fraudado. Temos aqui, por conseguinte, hipótese de crime formal.”[6]

 

A opção do legislador na construção do tipo penal, isto é, com abstração do resultado, revela-se congruente com o bem jurídico penalmente tutelado, que é moralidade administrativa[7], indistintamente lesada se houver ou não a efetiva entrega do objeto licitado ao vencedor do certame.

 

Aliás, o crime do novo artigo 337-F, tal como o anterior artigo 90, consuma-se mesmo quando, havendo a prática de fraude, o certame vier a ser suspenso, cancelado ou anulado pela própria Administração Pública ou pelo Poder Judiciário.

 

Se o crime fosse material, a conduta seria impunível caso o(s) agente(s) praticasse(m) a fraude, mas ao final ninguém se beneficiasse da adjudicação do objeto, tornando isentas de sanção eventuais condutas contrárias à moralidade administrativa.

 

Nessa perspectiva, a adjudicação a um dos concorrentes participantes da fraude constitui mero exaurimento, servindo como parâmetro apenas para a majoração da pena, nada mais.

 

Esse entendimento, prevalente na doutrina[8], foi consagrado tanto na jurisprudência do STF como do STJ, o que legitima a edição da Súmula 645. Veja-se:

 

STF: “3. O Plenário desta Corte já decidiu que o delito previsto no art. 90 da Lei 8.666/1993 é formal, cuja consumação dá-se mediante o mero ajuste, combinação ou adoção de qualquer outro expediente com o fim de fraudar ou frustrar o caráter competitivo da licitação, com o intuito de obter vantagem, para si ou para outrem, decorrente da adjudicação do seu objeto, de modo que a consumação do delito independe da homologação do procedimento licitatório”. (STF. HC 116680, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 18/12/2013, DJe-030 DIVULG 12-02-2014 PUBLIC 13-02-2014)

 

STJ: "[...] LEI DE LICITAÇÕES. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO PENAL. CIÊNCIA DA ILICITUDE DA CONDUTA. [...] ART. 90 DA LEI N. 8.666/1993. CRIME FORMAL. LISURA DAS CONTRATAÇÕES. DESNECESSIDADE DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. [...] O crime previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1993 objetiva tutelar a lisura das licitações e contratações com a Administração Pública, bastando para sua consumação a frustração do caráter competitivo do procedimento licitatório por meio de expedientes fraudulentos, independentemente de efetivo prejuízo ao erário. [...]" (STJ. AgRg no AREsp 1127434 MG, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe 09/08/2018 – destacamos[9])

O tema não mereceria maior atenção ou destaque não fosse pelo franco descompasso entre o entendimento agora sumulado e a jurisprudência construída pelo próprio STJ acerca do momento consumativo do crime do artigo 90 da Lei de Licitações revogada, para fins de cálculo da prescrição.              Como é cediço, o Código Penal estabelece, por um lado, que o crime é considerado consumado quando “nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal” (art. 14, I) e, por outro, que a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr “do dia em que o crime se consumou” (art. 111, I).             Isso leva à inevitável conclusão de que, nos crimes formais, de consumação instantânea, a prescrição é contada a partir da própria data em que a conduta for perpetrada, estando presentes todos os elementos da sua tipificação legal, sendo irrelevante o momento da produção do resultado.             Assim, por exemplo, no crime do artigo 304 do Código Penal, a prescrição é contada da data em que o documento falso foi utilizado, exibido ou apresentado. Na difamação (art. 139), da data em que a ofensa foi proferida ou publicada e, na corrupção passiva (art. 317), da data em que a solicitação ou exigência foi feita, independentemente da data do pagamento da vantagem indevida.              Já no novo crime do 337-F do Código Penal, considerando o teor da Súmula nº 645, a consumação se dará no momento da prática da fraude, levando à conclusão (óbvia) de que, para fins prescricionais, o prazo deve ser contado a partir desse momento.             Todavia, o STJ construiu, paradoxalmente, orientação que não guarda nenhuma sintonia com esse pensamento, estabelecendo que, para a contagem da prescrição, deve-se utilizar não a data do ajuste ou combinação (na redação da lei antiga) ou da consumação da fraude, mas da assinatura do contrato administrativo decorrente da licitação fraudada. Confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. FRAUDE À LICITAÇÃO (ART. 90 DA LEI N. 8.666/1993). PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA EM ABSTRATO. NÃO OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL PARA CONTAGEM. ASSINATURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO. AGRAVO NÃO PROVIDO.

  1. Esta Corte Superior já se manifestou no sentido de que, em relação ao delito previsto no art. 90 da lei n. 8.666/1993, o termo inicial para contagem do prazo prescricional deve ser a data em que o contrato administrativo foi efetivamente assinado. Nesse sentido: MS 15.036/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/11/2010, DJe 22/11/2010; e HC 484.690/SC, deste Relator, QUINTA TURMA, julgado em 30/5/2019, DJe 4/6/2019.
  2. No caso em exame, tendo sido o contrato administrativo assinado em 17/12/2010 e a denúncia recebida em 10/12/2018, não transcorreu o prazo prescricional de 8 anos (art. 109, inciso IV, do Código Penal).
  3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no RHC 136.462/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 02/02/2021, DJe 08/02/2021)

Os posicionamentos adotados sobre os dois temas (consumação e prescrição) são totalmente contraditórios entre si, uma vez que, na definição da sua natureza, afirma-se que o crime é formal, ao passo que na contagem da prescrição utiliza-se a data do resultado material (que, aliás, nem sempre se produz, pois o certame direcionado pode ser interrompido ou cancelado antes da adjudicação).              Além dos julgados mencionados na ementa acima (MS nº 15.036/DF e HC 484.690/SC) e do MS 23608/DF, Rel.  Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Dje 05/03/2020, o tema da prescrição foi um dos enunciados da edição nº 134 do Jurisprudência em Teses do Superior Tribunal de Justiça, divulgada em setembro de 2019, que assim consignou:

 

8) Em relação ao delito previsto no artigo 90 da Lei 8.666/1993, o termo inicial para contagem do prazo prescricional deve ser a data em que o contrato administrativo foi efetivamente assinado.

 

Não seria surpresa, nesse cenário, se o STJ viesse a editar nova Súmula consignando que, para fins prescricionais, deve ser levada em conta a data de formalização do instrumento contratual, cristalizando a contradição.               Não há, com todo respeito, como sustentar logicamente a convivência de posicionamentos tão diametralmente opostos, pois ou se considera a consumação do crime com a prática da fraude ou frustração do certame ou se leva em conta somente a data de adjudicação do objeto ou assinatura do contrato, para todos os fins penais.             Alterar a natureza do crime, interpretando-o como formal ou material de acordo com a conveniência da situação em cada caso concreto, especialmente para postergar o momento consumativo e preservar o poder punitivo do Estado, é incompatível com a natureza da atuação jurisdicional do STJ e sua missão constitucional, que é justamente conferir harmonia – e coerência - na aplicação do direito pelos tribunais.             A natureza de qualquer ilícito penal é sempre uma só, seja para a análise da antijuridicidade e culpabilidade, seja para a imposição da pena, concessão ou denegação de benefícios legais ou, ainda, para aferir a subsistência do poder punitivo estatal.              A manutenção, pelo STJ, de posicionamentos tão díspares e incompatíveis entre si reduz a prestação jurisdicional à mera imposição do apelo à autoridade, sem compromisso com a integridade do sistema jurídico[10]. Trata-se, quando muito, de simples coerência estéril[11], uma vez que os posicionamentos “acomodados” pelas decisões do STJ não poderiam, em realidade - e por questão de lógica -, coexistir no mesmo campo de interpretação.             É dizer: ou o crime é formal ou é material, sempre, em qualquer situação.             A recente mudança legislativa, com a duplicação do quantum da pena e consequente aumento do prazo prescricional pode eventualmente retirar relevância da discussão ora em pauta, pela excepcionalidade do advento da prescrição em futuros direcionamentos de licitações, mas a contradição não deve ser simplesmente ignorada ao ponto de perpetuar-se.  A edição da Súmula nº 645, aliada à recente alteração do Código Penal (art. 337-F) sedimentaram, de forma categórica, a natureza formal do crime de fraudar ou frustrar o caráter competitivo do certame licitatório, razão pela qual a orientação jurisprudencial sobre o cálculo da prescrição deve ser revista, afastando-se a data de adjudicação ou assinatura do contrato como marco inicial de contagem da prescrição.             Afinal, a aplicação do direito exige racionalidade, não sendo aceitável desvirtuar a natureza do crime para, “heroicamente”, salvar dos efeitos da prescrição situações em que a aplicação correta dos dispositivos legais levaria a outro entendimento.

 


[1] Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paula (USP). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Secretária da Comissão da Advocacia Criminal da OABPR. Conselheira do IBDPE. Advogada criminal.

[2] Mestre em Direito Processual Penal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ex-secretário da Comissão da Advocacia Criminal da OABPR. Advogado Criminal.


[3]Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa“

[4] Lei nº 14.133/2021, de 1º de abril de 2021

[5] Cfr. STJ - HC 484.690/SC, 5ª T., rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 04.06.2019 e HC 86.858/SE, 6ª T., rel. Min. Og Fernandes, DJe 09.12.2008

[6] FREITAS, André Guilherme Tavares de. Crimes na Lei de Licitações. 3.ed. Niterói: Impetus, 2013. p. 92.

[7] De acordo com Vicente Greco Filho, “o bem jurídico amparado é a moralidade e regularidade do procedimento licitatório, protegendo-se, no caso específico, a igualdade e a competitividade do certame(Dos crimes da lei de licitações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 73)

[8] A propósito: BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito Penal das licitações. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 190/191; FREITAS, André Guilherme Tavares de. Crimes na lei de licitações. 3. Ed. Niterói, 2013. Em sentido contrário:  Vicente Greco Filho, sustenta ser “perfeitamente possível a tentativa, como, por exemplo, se, feito o ajuste ou a combinação, a licitação não venha a realizar-se por circunstâncias alheias a vontade dos agentes”, sinalizando para o entendimento de ser de natureza material o ilícito. (GRECO FILHO, Vicente. Dos crimes da lei de licitações. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 75).

[9] No mesmo sentido, confiram-se os seguintes precedentes do STJ: AgRg no REsp 1679993/RN, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe 16/04/2018; AgRg no REsp 1737035/RN, Rel.Min. Nefi Cordeiro, DJe 21/06/2019; HC 300910/PE, Rel.Min. Ribeiro Dantas, DJe 06/03/2018; HC 341341/MG, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe 30/10/2018; HC 373027/BA, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 26/02/2018; REsp 1597460/PE, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 03/09/2018; RHC 74812/MA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 04/12/2017; RHC 94327/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 19/08/2019 e  REsp 1498982/SC, Rel. Min.Rogerio Schietti Cruz, DJe 18/04/2016.

[10] STRECK, Lênio Luiz. Por que a discricionariedade, um grave problema para Dworkin e não o é para Alexy? In: Revista Direito e Práxis, nº 7, vol. 4, 2013, p. 343 – 367.

[11] PASSADORE, Bruno de Almeida. Precedentes e Uniformização de Jurisprudência: Uma Análise Crítica. Dissertação de Mestrado em Direito. Universidade de São Paulo, 2016. p. 194.


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