DOS CRIMES TRIBUTÁRIOS E A CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO GRAVE DANO À COLETIVIDADE DA LEI 8.137/90 À LUZ DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Por: Luiz Carlos Mucci Neto[1] eBruno Yoji Ogata[2]                                                                           

 

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Breves notas acerca a Lei n. 8.137/90; 3. Do grave dano a coletividade, artigo 12, inciso I, da Lei n. 8.137/90.

 

RESUMO: Os crimes tributários previstos na Lei n. 8.137/90 são recorrentemente abordados quando o assunto é direito penal econômico, sobretudo, os reflexos causados pelas normas penais brancos. O propósito deste ensaio é retratar o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça estabelecido no Resp. n. 1.849.120/SC para fixação da causa de aumento de pena do grave dano à coletividade, contida no artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/90.

 

Palavras-chave: Crimes tributários; Princípio da legalidade; Grave dano à coletividade.

 

ABSTRACT: Actually, the tax crimes provided in Law n. 8.137/90 are recurrently debated when de subject is economic criminal law, especially in regarding the consequences causes by criminal norms. The purpose of this essay is to approach the recent understanding of the Superior Court of Justice established in Resp. n. 1.849.120/SC, to establish the cause of the aggravate in the penalty of serious damage tax collection, contained in the article 12, item I, of the law 8.137/90.

 

Key words: Tax crimes; Legality principle; Damage tax collection.

 

  1. INTRODUÇÃO

 

É certo que os crimes contra a ordem tributária previstos na Lei n. 8.137/90, não são mais novidade legislativa, contudo, assumem o protagonismo nos debates jurídicos devido à interdisciplinaridade com outros ramos do direito, especialmente, o direito administrativo e tributário.

Sendo assim, o presente trabalho ocupa-se em abordar a causa de aumento de pena referente ao grave dano à coletividade, prevista no artigo 12, inciso I, da Lei n. 8.137/90, utilizando como parâmetro a recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça em sede do Resp. n. 1.849.120/SC[3], à luz do princípio da legalidade penal.

 

  1. BREVES NOTAS ACERCA DA LEI N. 8.137/90

 

Os delitos tributários são considerados como desdobramento do “Direito Penal Tributário”[4] devido à mescla de conceitos do Direito Penal, que funciona como a ultima ratio na pacificação social por meio do ius punniend, com as lições do Direito Tributário, responsável por infrações de deveres perante a autoridade fazendária[5].

Desde a década de 90, experimenta-se o fenômeno denominado como “direito penal do risco”[6]. O legislador brasileiro passou a utilizar o poder punitivo para expandir o controle social, a fim de prover sensação de segurança social, irradiando-se para outros ramos da vida privada, como por exemplo: tributário e meio ambiente[7].

Os crimes tributários previstos no artigo 1º, incisos I ao V, da Lei n. 8.137/90[8], tutelam o bem jurídico supraindividual da ordem tributária, prezando pela correta arrecadação fiscal dos entes federados[9].

Ademais, os crimes e os ilícitos tributários possuem particular esfera de responsabilização. No entanto, exige-se a “dupla tipicidade” para caracterização da imputação penal fiscal, isso porque, a infração ao dever de pagar tributo é pressuposto para caracterização dos crimes fiscais[10].

No mais, a técnica legislativa empregada para elaboração dos delitos fiscais foi o abundante uso das normas penais em branco[11], justamente em razão da intersecção com institutos tributários, exigindo do intérprete juízo de valor que extrapola a lei penal[12].

Tendo em vista que os crimes tributários são basicamente compostos por elementos normativos, surge ponto de tensão entre o princípio da legalidade e a imprecisão na definição do conceito de grave dano à coletividade.

 

  1. DO GRAVE DANO À COLETIVIDADE DO ARTIGO 12, INCISO I, DA LEI N. 8.137/90

 

A expressão “grave dano à coletividade” constituía conceito jurídico aberto e indeterminado, pois exigia que a fraude tributária fosse extraordinária, no entanto, não estabelecia critérios objetivos capazes de quantificar a lesão substancial à arrecadação tributária[13].

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça em decisão paradigmática proferida em sede do Resp. 1.849.120/SC, definiu os parâmetros legais a serem seguidos para a correta exasperação da pena.

Não obstante o emaranhado legislativo tributário, a quantificação do grave dano à coletividade era regido por um único parâmetro, aplicado indiscriminadamente para todos os tributos, o valor igual ou superior R$ 1.000.000 (um milhão de reais), que representa o cadastro dos grandes devedores, nos termos do artigo 14, da Portaria n. 320 da PGNF[14].

Ocorre que, a competência legislativa tributária não é atribuição exclusiva da União. Pelo contrário, é distribuída entre os demais entes federativos. Dessa forma, quando da análise de sonegações fiscais que envolvam tributos estaduais, como o ICMS, ou até mesmo municipais, por exemplo: o ISS[15], não se mostra adequado aplicar o piso dos grandes devedores da União.

É sabido que a União, os estados-membros, o Distrito Federal e os municípios possuem diferentes níveis de arrecadação tributária, afastando a hipótese de aplicação de critério único, por conseguinte, a efetividade do dano à coletividade deve ser auferida em cada caso, conforme o tributo sonegado[16].

Na hipótese da respectiva Fazenda não dispor de legislação que estabeleça os parâmetros mínimos aptos a caracterizarem o grave dano à coletividade, poderá ser utilizada para exasperar a pena, desde que, no caso concreto, seja demonstrado o substancial dano a arrecadação tributária, não sendo suficiente a mera alusão ao valor do tributo sonegado[17].

Desse modo, vislumbra-se que os entes federativos estão legislando indiretamente em matéria penal, sem invadir a competência privativa da União, do artigo 22, inciso I, da constituinte de 88.

Ademais, destaca-se outro ponto da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça: qual seria o valor sonegado a ser comparado com os parâmetros legais estabelecidos pelos entes federados?

Num primeiro momento, considerava-se apenas a quantia sonegada propriamente dita, isto é, não se computava os acréscimos legais[18]. Todavia, atualmente, o dano tributário é computado integralmente, abrangendo os acréscimos legais – como multa e juros – visto que a sua totalidade representa fielmente parcela negativa da arrecadação dos cofres públicos.

Desse modo, entende-se que o teor da decisão proferida pelo Superior Tribunal Justiça viabiliza a aplicação prática da majorante prevista no artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/90, pois estabelece parâmetros objetivos para definir o conceito do grave dano à coletividade, variando conforme o tributo sonegado, respeitando a arrecadação tributária de cada ente federativo.

 

  1. Considerações Finais

 

No presente ensaio, abordou-se a (in) viabilidade prática da aplicação da causa de aumento de pena do grave dano à coletividade, contida no artigo 12, inciso I, da Lei n. 8.137/90, através do método comparativo entre o anterior e atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, este último firmado em sede Resp. 1.849.120/SC.

O posicionamento adotado pelo tribunal superior abandona conceito unitário de grave dano à coletividade, que levava em consideração o cadastro dos grandes devedores da União, que atingia o montante de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), nos termos do artigo 14 da PGNF, o qual era aplicado independentemente da natureza do tributo.

Atualmente, restou decidido que a quantificação do grave dano à coletividade varia conforme o tributo sonegado. Desse modo, quando a sonegação atingir tributo de competência da União, aplica-se o parâmetro federal; se o delito fiscal tiver como objeto tributo de ordem estadual ou municipal, será considerado para fins de grave dano à coletividade, o montante fixado pela legislação tributária regional ou local, e não havendo disposição normativa, basta demonstrar, no caso concreto, o efetivo dano à arrecadação tributária.

Dito isso, vislumbra-se que aplicação da causa de aumento de pena do artigo 12, inciso I, da Lei n. 8.137/90, deixa de ser considerada como conceito jurídico aberto e indeterminado, respeitando a legalidade penal, como também, protege proporcionalmente a arrecadação tributária dos entes federativos.

 

REFERÊNCIAS

 

ANDRADE, Andressa Paula de; FERREIRA, Pedro Paulo da Cunha. Modernização do direito penal. Revistas dos Tribunais. vol. 4. mar-mai, 2014. p. 305.

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal econômico. v.1. São Paulo. Saraiva Educação, 2016.

BRASIL. STJ. AgRg no HC n. 549.066/SP. Rel. Min. Laurita Vaz. Sexta Turma. Dje: 18.12.2020.

BRASIL, STJ. AgRg no Recurso Especial n. 1.274.989/RS. Rel. Min. Laurita Vaz. Quinta Turma. Dje: 19.08.2014.

BRASIL, STJ. Habeas Corpus n. 412.205/PE. Rel. Min. Joel Ilan Paciornik. Dje: 02.03.2018.

BRASIL, STJ. Recurso Especial n. 1.849.120/SC. Rel. Min. Néfi Cordeiro. Dje: 11.02.2020.

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Direito Penal Tributário: uma análise lógica, semântica e jurisprudencial. São Paulo: Quartier Latin, 2009.

DELMANTO, Roberto. Leis penais especiais comentadas. 3. São Paulo. Saraiva, 2018.

GUARAGNI, Fábio André. Norma penal em branco e outras técnicas de reenvio em direito penal. São Paulo, Grupo Almeida. 2014.

MENDES, Gilmar Ferreira. Direito penal contemporâneo. 1. São Paulo. Saraiva, 2010.

PAULSEN, Leandro. Crimes federais. ed. 2. São Paulo. Saraiva, 2018.

PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. v. 11. São Paulo. Saraiva, 2019.

PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. ed. 8. Rio de Janeiro. Forense, 2018.


[1] Advogado criminalista, oab/pr n. 97.550. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Campus Londrina. E-mail: muccinetoo@gmail.com.

[2] Advogado criminalista, oab/pr n. 101.022. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Campus Londrina. E-mail: ogatabruno@me.com.


[3] BRASIL, STJ. Recurso Especial n. 1.849.120/SC. Rel. Min. Néfi Cordeiro. Dje: 11.02.2020.

[4]CARVALHO, Aurora Tomazini de. Direito Penal Tributário: uma análise lógica, semântica e jurisprudencial. São Paulo: Quartier Latin, 2009. P. 52.

[5] FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Direito Econômico. 10. Rio de Janeiro. Forense, 2019. P. 509.

[6] O alemão Ulrich beck utiliza-se da expressão “direito penal do risco” como fenômeno característico das sociedades pós-modernas. ANDRADE, Andressa Paula de; FERREIRA, Pedro Paulo da Cunha. Modernização do direito penal. Revistas dos Tribunais. vol. 4. mar-mai, 2014. p. 305.

[7] MENDES, Gilmar Ferreira. Direito penal contemporâneo. 1. São Paulo. Saraiva, 2010. P. 116-120.

[8] Pertinente mencionar que os crimes tributários descritos no artigo 1º, inciso I ao IV, da Lei 8.137/90 são materiais, consumando-se com o definitivo lançamento do tributo, nos termos da Súmula Vinculante 24. Não se pode olvidar que, há também previsão de crime formal previsto no artigo 1º, inciso V, da Lei 8.137/90. PAULSEN, Leandro. Crimes federais. ed. 2. São Paulo. Saraiva, 2018. P. 361-365.

[9] PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. ed. 8. Rio de Janeiro. Forense, 2018. P. 285.

[10] BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal econômico. v.1. São Paulo. Saraiva, 2016. P. 677.

[11] GUARAGNI, Fábio André. Norma penal em branco e outras técnicas de reenvio em direito penal. São Paulo, Grupo Almeida. 2014. P. 27-28.

[12] DELMANTO, Roberto. Leis penais especiais comentadas. 3. São Paulo. Saraiva, 2018. P. 254.

[13] BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal econômico. v. 1. São Paulo. Saraiva, Educação, 2016. P. 809.

[14] BRASIL, STJ. AgRg no Recurso Especial n. 1.274.989/RS. Rel. Min. Laurita Vaz. Quinta Turma. Dje: 19.08.2014.

[15] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. v. 11. São Paulo. Saraiva, 2019. P. 99-101.

[16] BRASIL, STJ. Recurso Especial n. 1.849.120/SC. Rel. Min. Néfi Cordeiro. Dje: 11.02.2020.

[17] BRASIL. STJ. AgRg no HC n. 549.066/SP. Rel. Min. Laurita Vaz. Dje: 18.12.2020.

[18] BRASIL, STJ. Habeas Corpus n. 412.205/PE. Rel. Min. Joel Ilan Paciornik. Dje: 02.03.2018.


Este artigo reflete a opinião de seus autores e não necessariamente a opinião do IBDPE.
Este espaço é aberto aos Associados do IBDPE! Para submeter seu artigo, envie uma mensagem para contato@ibdpe.com


O Ministério Público enquanto parte fundante da dialética processual penal

Por: Thaise Mattar Assad[1]

Com a gradativa adoção do modelo acusatório, algo que se mostrou como imprescindível foi a divisão do processo em fases e a outorga das atividades de acusar e julgar a pessoas e órgãos distintos[2]. Desta necessidade[3], de garantir a imparcialidade do juiz, nasce o Ministério Público.

A partir daí, podemos vislumbrar, com facilidade, a grande importância institucional do Ministério Público, parte fabricada[4] e estruturante de uma dialética processual. Assim, denota-se um nexo entre o sistema inquisitivo e o Ministério Público, eis que a necessidade de fragmentar a atividade estatal, naturalmente, exigirá duas partes[5].

Temos, então, que a posição do Ministério Público é de parte, enquanto a do juiz é de ser mero espectador[6] destinatário da produção probatória realizada pelas partes, além de responsável pela oferta de respostas às demandas de justiça submetidas ao Estado[7].

A magistratura, enquanto entidade completamente afastada da atividade probatória, não é diminuída[8]. Muito pelo contrário, é esse afastamento que pode criar a isenção necessária que permita o verdadeiro controle[9] sobre a atividade de produção probatória atinente às partes, no sentido de possibilitar uma atuação voltada a garantir os interesses do acusado durante a produção probatória (por exemplo: evitar pressão em interrogatórios com o indeferimento de perguntas).

A exemplo do quão importante é que cada um ocupe seu lugar constitucionalmente demarcado, como vaticinou Jacinto Coutinho[10], Denilson Feitoza[11] expõe:

O juiz brasileiro deve ter a coragem, a força moral e o senso crítico necessário para assumir sua missão, implementando a Constituição com observância do princípio da supremacia constitucional, que lhe impõe e possibilita o reconhecimento da inconstitucionalidade das normas infraconstitucionais que sejam compatíveis com o princípio acusatório constitucional.

Se a intenção é adotar um sistema de matriz acusatória, nada mais lógico do que o Ministério Público assumir sua posição de parte processual. Na posição de parte, não é possível se defender a equidistância com a prova[12], ou mesmo sua pretensa imparcialidade (não há contaminação possível), eis que sua função se revela justamente em optar por um caminho de produção de provas que sustente sua formulação acusatória inicial (denúncia).

Não há como exigir da mesma parte que exerça funções tão antagônicas como acusar e defender, o que se deve exigir, em verdade, é a estrita e fiel observância da legalidade e da objetividade. Assim, a parcialidade do Ministério Público – enquanto parte – é condição inerente ao contraditório e a dialética no processo até para que possa possibilitar à defesa condições mínimas de exercer sua função[13].

Inclusive, as próprias reformas processuais recentes[14], que possuem olhos voltados à Constituição Federal e objetivam efetivar a consagração da pretensa implementação do sistema acusatório no Brasil, referendam uma postura ativa do Ministério Público enquanto parte, limitando poderes de magistrados que, com perfil dominador, se adiantavam na realização concreta processual do silogismo regressivo, escravizando a produção probatória em face de convicções adquiridas[15], em ato subversivo de transformar a missão de julgar em missão de vingar, em prática de uma verdadeira farsa processual.

Infelizmente, o que se observa no Brasil é uma forte resistência à implementação das diretrizes de um sistema de matriz acusatória. Porém, denota-se que tal resistência não é relativa à espécie de rejeição ou receio ao novo, mas sim de uma séria disputa sobre o poder[16].

A medida em que exista, em um sistema de matriz acusatória, a plena separação entre as funções de acusar e julgar em figuras (pessoas) distintas, o que ocorre, na prática, é a divisão do poder. O magistrado deixa de se preocupar com atividades que agora passam a ser inerentes de um órgão novo e fabricado[17] para estruturar e tornar possível uma dialética processual: o Ministério Público.

Um julgamento sóbrio apenas pode ser alcançado a partir da dúvida[18]. Não por um julgar com dúvida, mas sim pela atuação de uma magistratura que desafie sua própria mentalidade inquisitória e exerça sua função de decidir (no sentido de alcançar uma parcialidade como resultado) após ter funcionado como mera espectadora de um duelo entre as partes[19].

Porém, em realidade, o ato de duvidar é tarefa mais árdua do que se pensa, eis que se revela em um afastamento da ignorância para uma aproximação ao conhecimento, sendo certo que os dois maiores inimigos da dúvida são chamados de ignorância e orgulho[20]. Assim, quem menos conhece, menos dúvida carrega[21], pois o caminho do saber envolve certo grau de dificuldade e de desafio. É por isso que no processo há dúvida[22]. A dúvida é o elemento fornecido ao duelo. As partes servem para isso no processo: lutar entre si, entre elas, sendo o duelo o contraditório e a parcialidade revelada pela superação do que se apreciou do duelo[23].

O juiz não está vinculado às partes, mas precisa delas[24]. Daí o nexo entre o processo de matriz inquisitorial e a figura do Ministério Público. O papel inerente a atividade do órgão ministerial é de confrontar a parte defensiva no sentido de sustentar a proposta acusatória (denúncia) e, quando não obter sucesso nesta tarefa, ter como uma de suas opções inclusive o pedido de absolvição. Ao passo em que não há uma estrutura dialética no processo, quando não há naturalmente duas partes aptas a exercerem o contraditório, algo precisa ser criado, por isso a necessidade de fabricação do Ministério Público como parte artificial, eis que, do contrário, tal função precisaria ser exercida pelo Estado-juiz, fato que desvirtuaria por completo sua missão institucional.

Há que se considerar ainda que, com o advento da Constituição Federal, nasceu um desenho de Ministério Público que deve atuar na vanguarda do regime democrático[25], com atribuições crescentes e variadas com relação às garantias constitucionais das minorias, da defesa do patrimônio público e de direitos difusos, por exemplo.

Com as reformas processuais e, principalmente, pelo advento da Constituição Federal de 1988, encontra-se, hoje, o Ministério Público, na condição de parte processual responsável pela formulação do caso penal a partir do qual pretende – e deve – produzir elementos de prova suficientes, em contraposição (ou não) da parte defensiva, que possam ensejar o provimento jurisdicional de seu pedido[26]. Não pode mais o órgão ministerial adotar a postura de mero espectador da atividade probatória do magistrado, eis que quando assim atua abre mão de sua missão institucional e permite que sua função seja usurpada indevidamente. A ninguém interessa um Ministério Público omisso, submisso ou até servente do Poder Judiciário. Ao órgão ministerial se reserva a importante missão de ser um dos pilares do Estado Democrático de Direito e estar na vanguarda da defesa dos direitos individuais e coletivos.

Assim, nada mais urgente do que a necessidade de que o Ministério Público finalmente e de forma definitiva assuma[27] e ocupe sua posição de parte no processo penal – com todas as funções a ela inerentes – principalmente no que tange a ser parte legítima da produção probatória possibilitando, assim, a real dialética processual e a preservação da originalidade cognitiva do magistrado, evitando a contaminação do mesmo com a consequente e indevida iniciativa probatória.

O atingimento do ideal de um processo de partes, inserido na perspectiva de uma matriz acusatória, é a única fórmula que, segundo Paulo César Busato[28], propõe um ideal de justiça em substituição a uma pretensão de verdade que a tudo justifica. A partir de tal raciocínio, podemos concluir que apenas iremos estabelecer uma dialética possível e efetiva no processo penal a partir do momento em que as partes tomarem para si as “rédeas” do processo, no sentido de terem a plena consciência do que efetivamente representam, colocando-se o magistrado em seu devido lugar, constitucionalmente demarcado[29], recolhendo-se à posição equidistante do processo e para além[30] das partes. Portanto, é o Ministério Público figura indispensável para a efetivação da dialética e de um processo penal democrático de matriz acusatória.


[1] Thaise Mattar Assad é advogada criminalista, mestre em ciências criminais pela PUC-RS, vice-presidente da Associação Paranaense dos Advogados Criminalistas (APACRIMI - ABRACRIM-PR), vice-presidente da Comissão de Defesa das Prerrogativas Profissionais da OAB-PR e Conselheira do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico - IBDPE.


[2] LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal: introdução crítica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 158.

[3] LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal: introdução crítica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 158.

[4] LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal: introdução crítica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 158.

[5] CARNELUTTI, Francesco. Poner en su puesto al Ministerio Público. In: CARNELUTTI, Francesco.  Cuestiones sobre el proceso penal. Buenos Aires: El Foro,1994, p. 209 e seguintes.

[6] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 71.

[7] BUSATO, Paulo César. De magistrados, inquisidores, promotores de justiça e samambaias. Um estudo sobre os sujeitos no processo em um sistema acusatório. Revista Justiça e Sistema Criminal, Curitiba: FAE Centro Universitário, v. 1, n. 1, jul./dez, 2009, p. 110.

[8] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 28. ed. São Paulo: Editora Gen Atlas, 2020, p. 505.

[9] BUSATO, Paulo César. De magistrados, inquisidores, promotores de justiça e samambaias. Um estudo sobre os sujeitos no processo em um sistema acusatório. Revista Justiça e Sistema Criminal, Curitiba: FAE Centro Universitário, v. 1, n. 1, jul./dez, 2009, p. 113.

[10] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 186, p. 103-116, jul./set. 2009.

[11] FEITOZA, Denilson. Reforma processual penal. Niterói: Impetus, 2008, p. 39.

[12] BUSATO, Paulo César. De magistrados, inquisidores, promotores de justiça e samambaias. Um estudo sobre os sujeitos no processo em um sistema acusatório. Revista Justiça e Sistema Criminal, Curitiba: FAE Centro Universitário, v. 1, n. 1, jul./dez, 2009, p. 116.

[13] BUSATO, Paulo César. De magistrados, inquisidores, promotores de justiça e samambaias. Um estudo sobre os sujeitos no processo em um sistema acusatório. Revista Justiça e Sistema Criminal, Curitiba: FAE Centro Universitário, v. 1, n. 1, jul./dez, 2009, p. 116.

[14] Lei nº 11690/2008, Lei nº 12.403 de 2011, Lei nº 13.964 de 2019, dentre outras.

[15] BUSATO, Paulo César. De magistrados, inquisidores, promotores de justiça e samambaias. Um estudo sobre os sujeitos no processo em um sistema acusatório. Revista Justiça e Sistema Criminal, Curitiba: FAE Centro Universitário, v. 1, n. 1, jul./dez, 2009, p. 111.

[16] BUSATO, Paulo César. De magistrados, inquisidores, promotores de justiça e samambaias. Um estudo sobre os sujeitos no processo em um sistema acusatório. Revista Justiça e Sistema Criminal, Curitiba: FAE Centro Universitário, v. 1, n. 1, jul./dez, 2009, p. 111.

[17] “Na Alemanha, até o século XIX, com a prática do processo inquisitório, a figura do juiz se confundia com a do inquisidor. Somente com o advento do Processo Penal Reformado é que a condução da investigação foi encarregada ao recém-criado Ministério Público. Ou seja, foi criado um órgão acusador. As atribuições desse novo órgão se mesclavam às funções de defesa jurídica do Estado”. (SCHÜNEMANN. Bernd. O juiz como um terceiro manipulado no processo penal? Uma confirmação empírica dos efeitos perseverança e correspondência comportamental. Revista Liberdades, I Publicação Oficial do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n. 11, set./dez. 2012, p. 31).

[18] CARNELUTTI, Francesco. Poner en su puesto al Ministerio Público. In: CARNELUTTI, Francesco.  Cuestiones sobre el proceso penal. Buenos Aires: El Foro,1994, p. 209 e seguintes.

[19] CARNELUTTI, Francesco. Poner en su puesto al Ministerio Público. In: CARNELUTTI, Francesco.  Cuestiones sobre el proceso penal. Buenos Aires: El Foro,1994, p. 209 e seguintes.

[20] CARNELUTTI, Francesco. Poner en su puesto al Ministerio Público. In: CARNELUTTI, Francesco.  Cuestiones sobre el proceso penal. Buenos Aires: El Foro,1994, p. 209 e seguintes.

[21] CARNELUTTI, Francesco. Poner en su puesto al Ministerio Público. In: CARNELUTTI, Francesco.  Cuestiones sobre el proceso penal. Buenos Aires: El Foro,1994, p. 209 e seguintes.

[22] CARNELUTTI, Francesco. Poner en su puesto al Ministerio Público. In: CARNELUTTI, Francesco.  Cuestiones sobre el proceso penal. Buenos Aires: El Foro,1994, p. 209 e seguintes.

[23] CARNELUTTI, Francesco. Poner en su puesto al Ministerio Público. In: CARNELUTTI, Francesco.  Cuestiones sobre el proceso penal. Buenos Aires: El Foro,1994, p. 209 e seguintes.

[24] CARNELUTTI, Francesco. Poner en su puesto al Ministerio Público. In: CARNELUTTI, Francesco.  Cuestiones sobre el proceso penal. Buenos Aires: El Foro,1994, p. 209 e seguintes.

[25] BUSATO, Paulo César. De magistrados, inquisidores, promotores de justiça e samambaias. Um estudo sobre os sujeitos no processo em um sistema acusatório. Revista Justiça e Sistema Criminal, Curitiba: FAE Centro Universitário, v. 1, n. 1, jul./dez, 2009, p. 117.

[26] BUSATO, Paulo César. De magistrados, inquisidores, promotores de justiça e samambaias. Um estudo sobre os sujeitos no processo em um sistema acusatório. Revista Justiça e Sistema Criminal, Curitiba: FAE Centro Universitário, v. 1, n. 1, jul./dez, 2009, p. 116.

[27] BUSATO, Paulo César. De magistrados, inquisidores, promotores de justiça e samambaias. Um estudo sobre os sujeitos no processo em um sistema acusatório. Revista Justiça e Sistema Criminal, Curitiba: FAE Centro Universitário, v. 1, n. 1, jul./dez, 2009, p. 123.

[28] BUSATO, Paulo César. De magistrados, inquisidores, promotores de justiça e samambaias. Um estudo sobre os sujeitos no processo em um sistema acusatório. Revista Justiça e Sistema Criminal, Curitiba: FAE Centro Universitário, v. 1, n. 1, jul./dez, 2009, p. 124.

[29] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 186, p. 103-116, jul./set. 2009.

[30] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da; PAULA, Leonardo Costa de. (Orgs.). Observações sobre os sistemas processuais penais. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018, p. 32. (Escritos do Prof. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho).


Este artigo reflete a opinião de seus autores e não necessariamente a opinião do IBDPE.
Este espaço é aberto aos Associados do IBDPE! Para submeter seu artigo, envie uma mensagem para contato@ibdpe.com


RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS NOS DELITOS DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (LEI Nº 12.850/2013).

Por: Luccas Chiamulera Böhler1

A possibilidade de responsabilidade penal da pessoa jurídica, embora controversa, é prevista na constituição federal, e, como tal, deve ser debatida. As discussões acerca do sujeito geralmente problematizam o método de punição aplicável a esses sujeitos de direito. Como bem articula o professor Paulo César Busato2, podem ser aplicadas analogicamente as previsões relativas à responsabilidade penal dos inimputáveis, como as medidas de segurança. Quanto à responsabilidade penal individual das pessoas jurídicas, sem concomitante imputação de pessoas naturais, salientam-se as conclusões de Heloisa Estellita sobre o assunto3.

Na lei nº 12.850/2013, preveem-se os crimes de associação criminosa - em sua feição atual - e de organização criminosa. Nesses crimes, não há distinção entre concurso de pessoas capazes e incapazes. Um vínculo estável de 4 ou mais indivíduos para a comissão de mais de uma espécie delitiva - com estruturação ordenada e divisão de tarefas - constitui o crime de organização criminosa, mesmo se só uma das pessoas for adulta. Entretanto, há dúvidas quanto à possibilidade de aplicação desse tipo penal para o conluio com pessoas jurídicas, algo que poderia ser compreendido como analogia in malam partem.

A questão do bem jurídico tutelado nos delitos de associação criminosa e organização criminosa é controversa, vez que não é reputada como suficiente para a criação de um tipo penal distinto e autônomo. Entende-se que o bem seria a “paz pública”. Roberto Bittencourt4 qualifica o bem como tal, mas entende que haveria uma divisão em duas feições, objetiva e subjetiva. Para o penalista, a noção subjetiva seria a “confiança da coletividade no ordenamento jurídico penal e na ‘paz pública’ ”. Assim, o bem seria balizado pela opinião pública, a percepção de segurança - a confiança nas instituições públicas e privadas, de acordo com Bittencourt. Dentro dessa noção, a mesma argumentação vale para o conluio dos particulares com a pessoa jurídica.

Os tipos penais de associação criminosa e organização criminosa estipulam, entre outros requisitos, o conluio de ao menos três pessoas, no caso de associação criminosa, ou ao menos quatro, no caso de organização criminosa. Nesses tipos penais, a existência ou não de dolo específico de estabelecer vínculo definitivo e estável para a prática de mais de uma espécie delitiva é essencial para a tipificação da conduta. Podem-se evitar debates ontológicos sobre a natureza da vontade, na sua acepção psicológica, ao se adotar a definição da doutrina alemã: a vontade, para Roxin, é o “esforço voltado para um fim”. O dolo, por sua vez, possui um componente de conhecimento (Wissen) e de querer (Wollen)5, sendo o segundo elemento objeto de críticas pela doutrina alemã6. O jurista explica, ainda, que a vontade não corresponde à finalidade da ação. Pouco importa, assim, se o autor visava o incremento patrimonial ou a derrocada do capitalismo com a prática de um furto, por exemplo.

Destarte, para a caracterização do dolo das pessoas jurídicas nos tipos penais em comento, basta verificar-se a existência de affectio societatis no agir do ente jurídico. O uso do termo, de forma análoga, para a análise dos delitos de associação criminosa e organização criminosa é defendido por penalistas como Lúcio Chamon Junior7, e é de serventia para a compreensão da adequação ao tipo penal. Há uma vontade de se associar e uma vontade de assumir riscos. Portanto, deve-se reconhecer a tipicidade da prática dos delitos de associação criminosa e organização criminosa por parte das pessoas jurídicas.

Tal entendimento decorre do fato de que, à luz da constituição brasileira, todos os capazes e imputáveis podem ser sujeitos ativos na prática de todos os crimes, algo previsto no próprio art. 5º da CF/88, que fixa a igualdade perante a lei. Mesmo os crimes que exigem qualidade especial do agente como o peculato (art. 312 do código penal) ou o infanticídio (art. 123) admitem comunicabilidade de circunstâncias a coautores, vez que se tratam de elementares do tipo penal. Os supostos obstáculos lógicos não obstam a imputação de tipos penais a terceiros. Embora possa-se entender, prima fascie, que o artigo 124 do Código Penal, referente ao “aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento” só pode ser aplicado à gestante em si, por exemplo, não existe impedimento legal para a coautoria no caso de provocação ou auxilío, desde que não haja intervenção cirúrgica material do agente, comportamento este previsto em tipo penal próprio. Tal foi o entendimento do TJ/SC no recurso criminal 470941, consoante trecho colacionado a seguir8:

“A doutrina assim tem se manifestado. Celso Delmanto , in Código Penal Comentado, edição de 1986, pág. 212, ensina:"Concurso de pessoas: Quem apenas auxilia a gestante, induzindo, indicando, instigando, acompanhando, pagando, etc., será co-partícipe do crime do art. 124 e não do art. 126, do Código Penal. A co-autoria do art. 126 deve ser reservada, apenas, a quem eventualmente auxilie o autor da execução material do aborto (ex: enfermeira, anestesista, etc.)".

Como os crimes de associação criminosa e organização criminosa são de coautoria necessária, aplicar-se-á lógica semelhante. Não existem, no regime republicano e democrático de Direito atual, indivíduos, capazes e imputáveis, isentos de responsabilidade ou imunes a certas sanções criminais, ao contrário, por exemplo, da carta constitucional de 1824, que assegurava, em seu artigo 99, a inviolabilidade e do Imperador e sua completa isenção de qualquer tipo de responsabilidade. Para prestigiar o princípio da igualdade perante a lei e evitar a criação de um ordenamento jurídico penal paralelo através da hermenêutica, sem input legislativo ou popular, deve-se presumir que todos os dotados de capacidade jurídico-penal podem responder por todos os crimes passíveis de imputação a sereshumanos, ao menos para os que defendem a expansão da responsabilidade penal da pessoa jurídica para além dos parâmetros constitucionais.

Assim, contrariamente ao entendimento que o enquadramento das pessoas jurídicas seria uma analogia in malam partem, trata-se, de fato, de um reconhecimento de sua plena capacidade penal. Não pode o ordenamento admitir que determinados crimes se configurem como inexequíveis por determinadas entidades jurídicas, ao menos sob a égide da presente constituição e das presentes leis penais. Portanto, para se preservar o entendimento do termo “pessoa” dos tipos de associação criminosa e de organização criminosa como se referindo apenas a pessoas naturais, pode-se atribuir ao termo a qualidade de circunstância elementar do tipo penal. Dessa forma, o atributo de “pessoa” será transmitido para a pessoa jurídica.

Logo, a pessoa jurídica não poderá fazer parte do cálculo mínimo de integrantes necessários para a configuração do delito penal. Da mesma forma que dois cidadãos privados não podem cometer crime de peculato se estiverem desacompanhados de funcionário público que lhes transmita essa circunstância pessoal, não podem dois agentes - pessoas naturais - incorrer em crime de associação criminosa ou organização criminosa na companhia de apenas pessoas jurídicas. Somente a consolidação do tipo penal por três ou mais pessoas naturais possibilitará a imputação - no crime de associação criminosa - também a outros agentes com capacidade jurídico-penal, o mesmo valendo para o crime de organização criminosa, desde que preenchidos os requisitos específicos.

A conclusão é um desdobramento da personalidade jurídica efetiva e plena das pessoas jurídicas. É um entendimento para além da ficção jurídica. O contrato plurilateral, defendido por Túlio Ascarelli, cria um centro de imputação jurídica a partir da convergência de interesses que não pode ser compreendido como um mero instrumento de blindagem patrimonial de um grupo de interessados, mas como entidade jurídica autônoma.

 

Referências 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Participação em Organização Criminosa: uma Leitura Dogmática. Revista Caderno de Relações Internacionais, vol. 5, nº 8, jan-jun,                                   2014.                                        Disponível                      em: http://faculdadedamas.edu.br/revistafd/index.php/relacoesinternacionais/article/view File/204/192, acesso em 28 de abr. de 2021.

 

BRASIL, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. RCCR 470941 SC 1988.047094-1. Recurso criminal. Aborto consentido. Quem colabora no delito da abortante, como mero auxiliar ou encorajador, sem participação direta no ato material ou cirúrgico, comete o crime do art. 124, e não o do art. 126, que é o da executante da operação física. Relatora: Thereza Tang, 09 de setembro de 1991. Disponível online em https://tj-sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/3742052/recurso-criminal-rccr-470941-sc- 1988047094-1/inteiro-teor-10930697, acesso em 28 de abr. de 2021.

 

BUSATO, Paulo César. Responsabilidade penal de pessoas jurídicas no projeto do novo código penal Brasileiro. Revista liberdades Especial - Reforma do Código Penal. Set. 2012, artigo 4.

 

ESTELLITA, Heloisa. Uma aproximação às formas de responsabilidade penal individual em empresas/an overview of the strategies to attribute criminal liability to individuals within corporations. FGV Direito SP Research Paper Series, n. CL001, 2019,                                                  disponível               em https://www.academia.edu/38430320/Uma_aproxima%C3%A7%C3%A3o_%C3%A0 s_formas_de_responsabilidade_penal_individual_em_empresas_An_overview_of_th e_strategies_to_attribute_criminal_liability_to_individuals_within_corporations, acesso em 28 de abr. de 2021.

 

JÚNIOR, Lúcio Antônio Chamon. Princípios Normativos de persecução ao" crime organizado": uma discussão acerca do devido processo penal no, arco de uma compreensão procedimental do estado de direito. Revista do curso de Direito, Nova      Lima,  v.3,  n.    5,    p.           71-91,             1º          sem.  2005.      Disponível      em https://www.metodista.br/revistas-izabela/index.php/dih/article/viewFile/103/87, acesso em 28 de abr. de 2021.

 

ROXIN, Claus. Strafrecht Allgemeiner Teil Band 1. 4. ed. Munich: Verlag C.H. Beck, 2006.


1 Discente de graduação em Direito na Universidade Federal do Paraná.

2 BUSATO, Paulo César. Responsabilidade penal de pessoas jurídicas no projeto do novo código penal Brasileiro. Revista liberdades Especial - Reforma do Código Penal. Set. 2012, artigo 4.

3 ESTELLITA, Heloisa. Uma aproximação às formas de responsabilidade penal individual em empresas/an overview of the strategies to attribute criminal liability to individuals within corporations. FGV Direito SP Research Paper Series, n. CL001, 2019, disponível em https://www.academia.edu/38430320/Uma_aproxima%C3%A7%C3%A3o_%C3%A0s_formas_de_res ponsabilidade_penal_individual_em_empresas_An_overview_of_the_strategies_to_attribute_criminal

_liability_to_individuals_within_corporations, acesso em 28 de abr. de 2021.

4BITENCOURT, Cezar Roberto. Participação em Organização Criminosa: uma Leitura Dogmática. Revista Caderno de Relações Internacionais, vol. 5, nº 8, jan-jun, 2014. Disponível em: http://faculdadedamas.edu.br/revistafd/index.php/relacoesinternacionais/article/viewFile/204/192, acesso em 28 de abr. de 2021.

5 ROXIN, Claus. Strafrecht Allgemeiner Teil Band 1. 4. ed. Munich: Verlag C.H. Beck, 2006.

6 IBIDEM.

7 JÚNIOR, Lúcio Antônio Chamon. Princípios Normativos de persecução ao" crime organizado": uma discussão acerca do devido processo penal no, arco de uma compreensão procedimental do estado de direito. Revista do curso de Direito, Nova Lima, v.3, n. 5, p. 71-91, 1º sem. 2005. Disponível em https://www.metodista.br/revistas-izabela/index.php/dih/article/viewFile/103/87, acesso em 28 de abr. de 2021.

8 BRASIL, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. RCCR 470941 SC 1988.047094-1. Recurso criminal. Aborto consentido. Quem colabora no delito da abortante, como mero auxiliar ou encorajador, sem participação direta no ato material ou cirúrgico, comete o crime do art. 124, e não o do art. 126, que é o da executante da operação física. Relatora: Thereza Tang, 09 de setembro de 1991.                                              Disponível                                      online em https://tj-sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/3742052/recurso-criminal-rccr-470941-sc-1988047094-1/in teiro-teor-10930697, acesso em 05 de mar. de 2021.


Este artigo reflete a opinião de seus autores e não necessariamente a opinião do IBDPE.
Este espaço é aberto aos Associados do IBDPE! Para submeter seu artigo, envie uma mensagem para contato@ibdpe.com


DA NECESSÁRIA QUALIFICADORA PARA OS CRIMES DE PECULATO E FRAUDE EM LICITAÇÃO NOS ATOS RELACIONADOS AO COMBATE À PANDEMIA DO COVID-19

Por Ronaldo dos Santos Costa e Luccas Beresa de Paula Macedo

Desde o início da pandemia em solo nacional, a mídia vem divulgando a ocorrência de diversas fraudes na aquisição de materiais hospitalares relacionados à prevenção e cura do Covid-19, em diversos estados da Federação, notadamente nos estados de Amazonas, Santa Catarina, Pará e do Rio de Janeiro.

Recentemente, a Procuradoria Geral da República apresentou denúncia em desfavor do Governador do Amazonas, Wilson Lima – PSC/AM, pela aquisição por parte de sua administração de 28 ventiladores pulmonares para tratar das pessoas infectadas pelo novo coronavírus. A referida aquisição foi concretizada via dispensa de licitação junto a uma empresa importadora de vinhos pelo preço de R$ 2,9 milhões. O valor unitário de cada respirador equivale a até quatro vezes o preço de mercado praticado por lojas no Brasil e no exterior, e, além do preço exorbitante, os equipamentos foram considerados "inadequados" para pacientes com Covid-19, segundo o Conselho Regional de Medicina do Amazonas (CREMAM).

Já no Rio de Janeiro, segundo as investigações da Polícia Civil, o governo do Estado comprou 1.000 respiradores, ao valor total de R$ 183,5 milhões, mas somente foram entregues 52 unidades. Ademais, os respiradores mecânicos são diferentes dos que foram requisitados pela administração pública e não servem para atender os doentes com Covid-19.  Por esta e outras irregularidades no combate a pandemia, o Governador Wilson Witzel – PSC/RJ sofreu um processo de impeachment na ALERJ e perdeu seu cargo, notadamente pela suspeita de superfaturamento e atrasos na construção dos hospitais de campanha e conluios com empresários do ramo da saúde.

Em Santa Catarina, o MP e a Polícia Civil apuraram uma suposta fraude na aquisição de 200 respiradores, que custaram R$ 33 milhões ao Estado. Nesta aquisição, foi realizado o pagamento antecipado, sem que houvesse a entrega dos respiradores, e somente a primeira remessa de apenas 50 respiradores foi efetivamente recebida pela administração pública, dos quais somente 11 estão em condições de uso nas UTI. Passados quase 10 meses após a constatação de que a empresa que se sagrou vencedora na licitação não adimpliu com suas obrigações contratuais, o Estado ainda não conseguiu recuperar em torno de R$ 19 milhões.

No Pará, uma empresa recebeu R$ 25 milhões do Estado para o fornecimento de 200 respiradores fabricados na China, mas entregou outro tipo de respirador que não pode ser utilizado em UTI. Além disso, segundo a equipe técnica da Secretaria de Saúde do Governo do Pará, os ventiladores pulmonares “colocariam em risco real os pacientes, por não possuírem alarmes que indicassem interrupção do funcionamento nem baterias internas para manter a respiração artificial em caso de queda de energia”. Os técnicos informaram ainda que os equipamentos poderiam se tornar vetores de infecções, por não permitirem a limpeza e a esterilização de fluidos corporais e gases expirados.

E, embora não diretamente relacionados aos crimes de peculato e fraudes em licitações, cabe ressaltar ainda os episódios ocorridos no norte do país, em que um empresário que foi preso em Manaus no início de janeiro de 2021, por segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM) ter retido cilindros de oxigênio para especulação, ou seja, criando uma ausência artificial para inflar os preços a serem pagos pela Administração Pública na aquisição deste tão crítico insumo para os pacientes acometidos da Covid-19.

E, neste mês de abril, houve ainda a descoberta de dezenove respiradores novos atrás de uma parede falsa no auditório Hospital Abelardo Santos a 20 km de Belém-PA, hospital este referência no atendimento a pacientes com Covid, fato este que está sob investigação interna da Secretaria Estadual de Saúde do Pará.

Os exemplos acima citados se repetiram em maior ou menor grau por inúmeros estados e munícipios do Brasil. Diante desse cenário de pouco caso com a vida humana, entende-se como necessário criar qualificadoras para os agentes públicos e particulares envolvidos nestes ilícitos, pois em se tratando de combate a pandemia, tais condutas se tornam extremamente gravosas e demandam uma apuração rigorosa pelas autoridades competentes, pois estas afetam significativamente a saúde do povo brasileiro, principalmente daquelas pessoas que não tem outra opção que não seja o sistema público de saúde.

No momento em que vivemos, com as médias de mortes diárias ultrapassando o número de 2.500, revela-se importante a apuração e eventual punição - após o exercício do contraditório e da ampla defesa - de potenciais ilícitos praticados por servidores públicos em conluio com empresários que consequentemente prejudiquem milhares de pessoas que necessitam de materiais hospitalares para tentar sobreviver a Covid-19.

Atualmente está em tramitação no Senado Federal o PL n° 2.846/2020, de autoria do Senador Zequinha Marinho (PSC/PA), que pretende tipificar no § 4º do art. 312 do Código Penal, o crime de peculato qualificado, com pena de reclusão, de 10 (dez) a 25 (vinte e cinco anos), e multa, para quando a apropriação recair sobre dinheiro, valor ou bem móvel destinado ao combate de epidemia.

Com idêntica previsão de pena do ilícito acima descrito, o PL também busca atingir condutas criminosas ocorridas em procedimentos licitatórios, que tenham por objeto adquirir equipamentos ou medicamentos destinados ao combate de epidemia, criando a tipificação de uma conduta qualificada para o crime de fraude em licitação instaurada para a aquisição ou venda de bem ou mercadoria destinada ao combate de epidemia, ou contrato dela decorrente e incidindo o referido tipo penal mesmo se houver dispensa ou inexigibilidade de licitação (art. 96, § 1º e 2º, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993) que atualmente foi revogado e transferido em sua maior parte para o art. 337-L do Código Penal, através da Lei nº 14.133 de 1º de abril de 2021.

Por fim, pretende ainda transformar tais condutas em crimes hediondos, pois seriam essas condutas de gravidade acentuada e producentes de dano significativo e difuso sobre as pessoas que necessitam buscar os órgãos públicos de saúde, inserindo tais dispositivos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.

Analisando a legislação atual, verificamos que o crime de peculato tem a previsão de pena de reclusão, de dois a doze anos, e multa, e que, portanto, está muito abaixo da pena prevista no PL 2.846/2020 que é de reclusão, de dez a vinte e cinco anos, e multa.

Já para o crime de fraude em licitações e contratos administrativos, com o advento da Lei nº 14.133, de 2021, houve o aumento da previsão das penas, passando da antiga previsão de detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa para a atual reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa.  Esta alteração, apesar de ser um avanço, ainda está muito abaixo da pena de reclusão, de 10 (dez) a 25 (vinte e cinco) anos, e multa prevista no PL 2.846/2020.

Entende-se como necessária a aprovação das qualificadoras, especialmente nos casos de desvios de verbas públicas destinadas ao combate da pandemia de Covid-19. No entanto, alguns ajustes se fazem necessários para evitar que esse aumento de pena exacerbado venha a justificar novos endurecimentos de penas em crimes que não necessariamente atinjam bens jurídicos tão importantes quanto à saúde pública.

 

 


Ronaldo dos Santos Costa é advogado criminalista, sócio em Gilson Bonato, Ronaldo Costa e advogados associados, Procurador jurídico no ABRACRIM-PR e conselheiro do IBDPE.

Luccas Beresa de Paula Macedo é advogado e especialista em Direito Público Aplicado e Direito Previdenciário pela Escola Brasileira de Direito – EBRADI e integrante do Escritório de Advocacia Gilson Bonato e Ronaldo Costa e Advogados.

 


BRASIL - Lei Nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 25 abr. 2021

BRASIL - Lei Nº 14.133, de 1º de abril de 2021.
Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14133.htm#. Acesso em: 25 abr. 2021

BRASIL - Lei Nº 8.072, de 25 de julho de 1990.
Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm. Acesso em: 25 abr. 2021

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/142093

http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-denuncia-wilson-witzel-a-esposa-e-outras-dez-pessoas-por-organizacao-criminosa

https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/11/06/dos-200-respiradores-comprados-por-sc-por-r-33-milhoes-apenas-11-estao-sendo-utilizados.ghtml

https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2021/01/15/interna_nacional,1229341/empresario-e-preso-em-manaus-por-esconder-oxigenio-para-vender-mais-caro.shtml

https://www12.senado.leg.br/tv/programas/noticias-1/2020/05/projeto-endurece-pena-de-crimes-praticados-contra-administracao-publica-durante-pandemia?fbclid=IwAR2rFtBa_09Y4SRmrlz_S8wRu5AQilYQ3pSp2Xua7Neld6pJHbQFIvHCoNE

https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2021/01/15/interna_nacional,1229341/empresario-e-preso-em-manaus-por-esconder-oxigenio-para-vender-mais-caro.shtml

https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2021/04/17/parede-falsa-escondia-respiradores-sem-uso-em-hospital-do-para-diz-funcionaria


Este artigo reflete a opinião de seus autores e não necessariamente a opinião do IBDPE.
Este espaço é aberto aos Associados do IBDPE! Para submeter seu artigo, envie uma mensagem para contato@ibdpe.com


BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP) EM MATÉRIA DE CRIMES AMBIENTAIS PRATICADOS POR PESSOAS JURÍDICAS

Por: Dan Santiago[1], Juliana Hoiser[2] e Vinicius Silva Nascimento[3]

 

A Lei Federal nº 13.964/2019 (Lei Anticrime) instituiu ao ordenamento jurídico brasileiro medidas de aperfeiçoamento à legislação penal e processual penal, introduzindo mudanças significativas no combate às práticas delitivas em diversas temáticas. Uma das principais inovações advindas com o texto normativo da Lei Anticrime tange ao Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), disposto no artigo 28-A do Código de Processo Penal Brasileiro. Trata-se de um importante instrumento de justiça penal consensual que estabelece a possibilidade de solucionar casos com economia de recursos e maior celeridade[1].

Diversos são os requisitos delimitados no art. 28-A do referido Código para a formalização do ANPP, sobretudo a exigência da pena cominada ao delito ser inferior a 4 anos e a efetiva reparação do dano causado. Contudo, constata-se dos pressupostos do ANPP que uma pluralidade de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente podem ser abrangidas pela formalização do Acordo, em razão das penas atribuídas às práticas delitivas ambientais e da previsão legal da reparação do dano, estabelecida na Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais). A bem da verdade, “praticamente todos os crimes ambientais são passíveis de solução negociada”[2].

É importante frisar que os requisitos aludidos devem ser preenchidos cumulativamente. Em suma, são eles: (i) exigência de pena inferior a 4 anos, ou seja, a pena cominada deverá ser fixada em até 3 anos, 11 meses e 30 dias; (ii) não haver violência ou grave ameaça na prática delituosa,  empregando o legislador o conceito de “violência” em sentido amplo, que engloba todas as espécies de violência trazidas tanto pelo Código Penal como pela legislação penal extravagante; (iii) o ANPP não deve servir como instrumento para evitar o curso necessário da investigação criminal ou seu consequente arquivamento[3]; (iv) deve haver adequação para reprovação e prevenção do crime, cabendo verificar a abrangência da gravidade concreta do delito, o desvalor do resultado causado, bem como as condições pessoais do agente; (v) a confissão formal do investigado, com os fatos devida e detalhadamente documentados perante o Promotor de Justiça e o defensor do acusado.

Acerca do item V acima elencado, é importante salientar que a confissão poderá ser utilizada legitimamente no processo penal para oferecer suporte probatório à denúncia, nos casos em que o Acordo for homologado e depois descumprido. Rodrigo Leite Ferreira Cabral, Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná, salienta a importância dessa consequência do descumprimento do Acordo, que lhe atribui maior eficácia e coercitividade sobre o réu, vez que sem ela não haveria grandes implicações em deixar de observar os termos avençados, mas apenas vantagens como atrasar a investigação e ação penal. Assim, perpassando as características e objetivos do Acordo, pode-se afirmar que o ANPP constitui um relevante instrumento de aperfeiçoamento da justiça consensual e restaurativa.

Esse instrumento obtém especial relevância no que concerne aos crimes ambientais, pois nesses delitos o ANPP abrange um extenso rol dos tipos penais delimitados na Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), pelo fato de que à maioria deles é atribuída pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, além de ser prevista na legislação em comento a reparação do dano ambiental causado.

Revisitando a história do Direito brasileiro, infere-se que as tentativas empenhadas pelo Direito Civil e pelo Direito Administrativo na efetiva proteção do meio ambiente sempre foram frustradas, não conferindo ao direito fundamental a devida salvaguarda. Cabe, em ultima ratio, ao Direito Penal o resguardo e proteção da tutela ambiental, por meio da responsabilização tanto de pessoas naturais, quanto das pessoas jurídicas.

Segundo o jurista Paulo César Busato, em “​Responsabilidade penal de Pessoas Jurídicas no projeto do novo Código Penal Brasileiro”, o modelo de responsabilidade penal de pessoas jurídicas adotado atualmente no Brasil enfrenta diversos desafios e deságua em soluções insatisfatórias, pois a atual visão de hetero-responsabilidade culmina por responsabilizar a pessoa jurídica somente se ocorrer a imputação delitiva a atos praticados por pessoas naturais.

Entretanto, essa realidade se altera quando abordados os crimes ambientais praticados por pessoas jurídicas, conforme regulamentação da responsabilização penal de pessoas jurídicas por crimes lesivos ao meio ambiente disposta no art.  225, § 3º da Constituição Federal[4]. Outrossim, corroborando a regra constitucional, adveio a Lei de Crimes Ambientais, que disciplina em seu artigo 3º a possibilidade de responsabilização penal de pessoa jurídica por crimes cometidos contra o meio ambiente[5].

A jurisprudência brasileira consolida-se na mesma linha. No Recurso Extraordinário (RE) nº 548.181/PR​, julgado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal em 6 de agosto de 2013, apresentou-se uma inovação para a temática da responsabilidade penal de pessoas jurídicas que causaram danos ambientais. Trata-se de mudança de posicionamento jurisprudencial visando à interpretação sistemática da norma constitucional inserta no art. 225, § 3º, atenuando a impunidade de crimes ambientais causados por pessoas jurídicas e reforçando a tutela do bem jurídico ambiental ao posicionar-se a Suprema Corte pela exclusão da teoria da dupla imputação. Portanto, estabeleceu-se precedente jurisprudencial atribuindo a responsabilidade penal à pessoa jurídica nos crimes ambientais previstos no art. 54 da Lei nº 9.605/98, mesmo diante da absolvição da pessoa física que detinha cargo de direção naquele empreendimento.

Nesse sentido, destaca-se que o ANPP recepcionou adequadamente o entendimento do Supremo Tribunal Federal, pois não exige a vinculação entre a responsabilidade da pessoa jurídica e da pessoa física, conforme disposto no art. 3º da Lei de Crimes Ambientais, o que possibilita a imputação da responsabilidade exclusivamente à pessoa jurídica, motivo relevante que induz a empresa a optar pelo Acordo.

Dentre as medidas que tornam a transação medida mais efetiva no resguardo do meio ambiente, cita-se que nos termos do ANPP na temática ambiental deverão obrigatoriamente constar as sanções previstas na Lei de Crimes Ambientais, como multas, penas restritivas de direitos, prestação de serviços à comunidade, suspensão parcial ou total das atividades empresariais, interdição temporária do estabelecimento, obra ou atividade e proibição de contratar com o Poder Público, além de impossibilidade de obter subsídios e doações. Ademais desses alertas, é permitido ao representante do Ministério Público impor outras cláusulas necessárias para proteger e resguardar o bem jurídico ambiental tutelado no Acordo formalizado, seja na forma pecuniária ou na efetiva reparação do dano, prestação de serviços à comunidade ou limitações às atividades da empresa.

Nas palavras do Promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, o instrumento do ANPP possui “viabilidade de ser adaptado aos crimes ambientais, mediante o expresso cumprimento de todos os requisitos legais delineados na legislação especial da Lei 9.605/1998, que exige a reparação integral do dano causado atestada por laudo técnico”.

No tocante à reparação do dano consumado contra o meio ambiente, faz-se necessária a junção do artigo 28-A, I, do CPP com o disposto nos arts. 27 e 28 da Lei 9.605/98, sendo a reparação efetiva do dano causado a exigência indisponível para a incidência de medidas despenalizadoras do ANPP.

Desse modo, a existência de laudo de constatação de reparação do dano ambiental é premissa necessária para a consolidação do ANPP quando se tratar de Acordo firmado com pessoas jurídicas. Isso porque a reparação dos danos causados ao meio ambiente é um dos princípios basilares da legislação de crimes ambientais, nos termos do artigo 28 da Lei 9.605/98.

Ainda na temática, destaca-se que a eventual vantagem obtida pela pessoa jurídica a título do ilícito cometido contra o meio ambiente deverá, nos termos do artigo 25 da Lei 9.605/98, ser apreendida para desmotivar a prática delitiva consumada. Afora a apreensão aludida, a totalidade de recursos levantados com indenizações a título de ANPP deverá ser destinada para instituições que detenham atuação ou pertinência com a seara ambiental.

Desse modo, destaca-se a decisão do Conselho Nacional de Justiça no Pedido de Providências 2460-96.2014.2.00.0000, consolidando que a destinação de “valores decorrentes das transações penais ou sentenças condenatórias referentes à tutela do meio ambiente devem ter como destino específico o efetivo custeio de medidas de proteção ao meio ambiente”[6].

Conclui-se, assim, que o ANPP tem capacidade de reprovar e prevenir tais crimes da mesma maneira que uma condenação criminal, com acréscimo em efetividade na tutela do bem jurídico do meio ambiente ao apresentar mais celeridade na resolução do caso, se comparado à tramitação da investigação e ação penal, conferindo maior aderência à realidade fática dos jurisdicionados pela ausência do caráter impositivo que uma sentença judicial teria, mostrando-se adequada a hipótese de cabimento do Acordo em matéria de crimes ambientais praticados por pessoas jurídicas, desde que preenchidos os requisitos do art. 28-A do Código de Processo Penal brasileiro, em plena consonância à norma constitucional do artigo 225, § 3º da Constituição Federal, bem como ao artigo 3º da Lei 9.605/98, fazendo-se medida de justiça compatível com os ideais de proteção ambiental que alicerçam a legislação vigente desde que observados os requisitos nela dispostos para a concretização do Acordo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BITENCOURT, Cezar R. Tratado de Direito Penal: parte geral. Vol. I. 26ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 548.181/PR. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25342675/recurso-extraordinario-re-548181-pr-stf>. Acesso em: 16 abr. 2021.

 

BUSATO, Paulo C. Responsabilidade penal de pessoas jurídicas no projeto do novo Código Penal brasileiro. Disponível em: < https://www.ibccrim.org.br/publicacoes/redirecionaLeituraPDF/7326>. Acesso em: 05 abr. 2021.

 

CABRAL, Rodrigo L. F. Manual do Acordo de não persecução penal. 1ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2020.

 

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Pedido de Providências 2460-96.2014.2.00.0000. Disponível em:  <encurtador.com.br/kuyS8>. Acesso em: 10 abr. 2021.

 

GORDILHO, Heron J. S; SILVA, Marcel B. Acordo de Não Persecução Penal e discricionariedade mitigada na Ação Penal Pública. Disponível em: < https://www.indexlaw.org/index.php/revistacpc/article/view/6031>. Acesso em: 20 abr. 2021.

 

JÚNIOR, Aury L. Direito processual penal. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

 

MIRANDA, Marcos P. S. Primeiras reflexões sobre Acordo de não persecução penal em crimes ambientais. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-fev-15/ambiente-juridico-primeira-reflexoes-acordo-nao-persecucao-penal-crimes-ambientais>. Acesso em: 05 abr. 2021.

 

MORAES, Rodrigo I. A celebração de acordo de não persecução penal entre o Ministério Público e a pessoa jurídica responsável por crime ambiental. Disponível em: <encurtador.com.br/swM29>. Acesso em: 25 abr. 2021.


[1] Acadêmico de Direito do Estado na Universidade Federal do Paraná

[2] Acadêmica de Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do Paraná

[3] Acadêmico de Direito do Estado na Universidade Federal do Paraná


[1] Nas palavras de Heron José de Santana Gordilho e Marcel Bittencourt Silva, o Acordo apresenta uma “solução alternativa ao processo penal clássico, com celeridade na resposta estatal aos conflitos jurídico-penais de menor gravidade; reduzindo a deflagração de ações penais e otimizando os recursos do Estado”.

[2] Conforme defende o autor, os requisitos de negociação entre Ministério Público e empresa responsabilizada pelo delito ambiental permite ampla aderência às espécies de acordo, sejam elas a transação penal, o acordo de não persecução penal ou a suspensão condicional do processo, desde que se respeite o enquadramento do caso a cada uma das possibilidades de solução consensual.

[3] Com relação aos requisitos, Rodrigo Leite Ferreira Cabral afirma que “deve existir a aparência de prática de um crime (fumus comissi delicti), deve existir legitimidade de parte (ou seja, a ação deve ser penal pública), a punibilidade concreta deve estar preservada (não pode estar, por exemplo, prescrita a pretensão acusatória) e também deve estar presente a justa causa, consubstanciada pelos elementos informativos e probatórios mínimos que emprestem fundamento empírico para o oferecimento de denúncia”.

[4] Art. 225 [...] § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

[5] Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

[6] CNJ, Conselho Nacional de Justiça 2014. Pedido de Providências 2460-96.2014.2.00.0000.


Sobre a retroatividade da exigência de representação da vítima no crime de estelionato

Por: Guilherme Brenner Lucchesi[1] e Ivan Navarro Zonta[2]

Considerando que a discussão ainda se encontra "aberta", é importante levar em conta todas essas questões antes da formação de uma solução definitiva.

A recente reforma da legislação penal pela lei 13.964/19 ("Lei Anticrime") provocou diversas alterações no sistema de justiça criminal brasileiro. Na proposição originária, advinda de anteprojeto de lei do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, defendia-se de um lado o maior rigor para os crimes cometidos por organizações criminosas enquanto, de outro, buscava-se criar mecanismos com o intuito de "desafogar" a Justiça criminal. Dentre estes, ganharam notoriedade as propostas de expansão da justiça penal negocial, com o acordo de não persecução penal (incorporado ao CPP no art. 28-A) e o chamado "acordo penal" (rechaçado pelo Poder Legislativo).

Outra modificação relevante, tendente a reduzir a incidência de feitos para a apuração de delitos patrimoniais, foi a previsão de que a ação penal no crime de estelionato passa a ser condicionada à representação do ofendido. Nos termos do recém-criado § 5.º do art. 171 do CP, exige-se representação do ofendido para que o fato possa ser investigado e, eventualmente, torne-se objeto de ação penal. Não basta que o fato chegue a conhecimento das autoridades; somente haverá responsabilidade penal do autor do estelionato se houver manifestação de vontade da vítima nesse sentido.1

A análise da nova regra condicionando a ação penal no crime de estelionato à representação do ofendido traz uma importante reflexão: pode haver retroatividade da norma para fatos ocorridos anteriormente à vigência da lei e que já deram azo à instauração de inquérito policial ou ação penal? A questão está pendente de resolução definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, havendo decisões conflitantes, tanto no STF quanto no STJ, a depender do posicionamento adotado.

Uma coisa é certa: a lei penal não retroage, salvo para beneficiar o acusado (art. 5.º, XL, CR). Esse postulado é elementar ao direito penal, e se encontra também no art. 3.º do CP. No problema em análise, parte do cerne da controvérsia reside no fato de que a exigência de representação da vítima consiste, em primeira leitura, em dispositivo de natureza processual (condição de procedibilidade), mas que enseja consequências relevantes de natureza penal material, que condicionam a própria punibilidade do fato e a apuração da responsabilidade penal de seu autor.

Por brevidade, partamos da noção - que parece ser consensual - de que a exigência de representação da vítima como requisito para investigação e oferecimento de denúncia quanto ao crime de estelionato beneficia indivíduos que tenham praticado, venham a ser investigados e possam vir a ser denunciados pela prática de tal delito. Isso porque cria um requisito legal para exercício do poder punitivo, ensejando a existência de hipóteses que impedem a investigação do fato e o oferecimento de denúncia. Aí caberá analisar, em resumo, se a exigência da representação da vítima será aplicada retroativamente (i) a fatos ocorridos anteriormente à vigência da lei, (ii) a investigações que já estejam em curso quando da vigência da lei, (iii) a ações penais que já estejam em curso quando da vigência da lei e (iv) para casos em que já houve condenação.

Essa discussão já foi levada aos Tribunais Superiores, havendo a adoção de diferentes entendimentos nos órgãos colegiados.

No Superior Tribunal de Justiça, a 5.ª Turma - sob a relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, acompanhado pelos ministros Ribeiro Dantas, Felix Fischer e Jorge Mussi2 - reconheceu que "o novo comando normativo apresenta caráter híbrido, pois, além de incluir a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução penal, apresenta potencial extintivo da punibilidade". Contudo, ante a inexistência de regra quanto à aplicação do dispositivo a casos já em trâmite, a Turma decidiu que "seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo" (STJ, 5.ª T., HC 573.093/SC, rel. ministro Reynaldo Soares da Fonseca, julg. 9 jun. 2020).

Já a 6.ª Turma, em posicionamento divergente - sob a relatoria do ministro Sebastião Reis Junior, acompanhado pelos ministros Rogério Schietti Cruz, Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro e Laurita Vaz -, decidiu que a exigência da representação consiste em condição de procedibilidade e não enseja a extinção da punibilidade nos feitos em curso em que não houve manifestação da vítima (antes da vigência da Lei). Contudo, a Turma decidiu que a exigência de representação deveria ser aplicada retroativamente aos feitos em curso, sem trânsito em julgado, aplicando-se analogicamente a regra prevista no art. 91 da lei 9.099, de 1995, com a intimação da vítima para manifestação no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de decadência (STJ, 6.ª T., HC 583.837/SC, rel. ministro Sebastião Reis Junior, julg. 4 ago. 2020).

Ante a divergência dos órgãos colegiados do STJ, a questão foi posta a julgamento em 24 de março de 2021 - no HC 610.201/SP - pela 3.ª Seção, a qual "pacificou" naquele Tribunal o posicionamento de que a exigência da representação para o crime de estelionato não pode ser aplicada de forma retroativa em processos que já estavam em curso quando da entrada em vigência da lei 13.964. Vencidos os ministros Nefi Cordeiro (relator) e Sebastião Reis Junior, os ministros Ribeiro Dantas (prolator do voto vencedor), Antonio Saldanha Palheiro, Felix Fischer, Laurita Vaz, Otávio de João Noronha e Rogério Schietti Cruz decidiram que a representação não seria exigível nos processos já em curso, porque (i) ambas as Turmas do STF já haviam decidido nesse sentido, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, bem como a 5.ª Turma do STJ, (ii) o Congresso, exercendo o poder popular, já decidiu tratar-se de condição de procedibilidade, e não de "prosseguibilidade" (conforme constava originalmente no anteprojeto do chamado "Pacote Anticrime" do MJSP), e (iii) seria necessário evitar a abertura da "Caixa de Pandora" que seria a aplicação retroativa sem algum parâmetro limitador.

Até o presente momento, portanto, a questão está aparentemente resolvida no âmbito do STJ. Embora aquela Corte tenha mencionado que o STF também já teria se posicionado no mesmo sentido em ambas as suas Turmas, atualmente não há consenso no Supremo a respeito da questão.

De fato, a 1.ª Turma - sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, no HC 187.341/SP - já decidiu que a exigência de representação quanto ao crime de estelionato consiste em norma de natureza mista, com aplicação retroativa para todos os casos em que ainda não tiver ocorrido o oferecimento de denúncia, independentemente da data da prática do fato (STF, 1.ª T., HC 187.341/SP, rel. ministro Alexandre de Moraes, julg. 13 out. 2020). Limitou a Turma, porém, o alcance da exigência aos casos ainda sem denúncia oferecida, pois nos demais a peça acusatória teria sido oferecida em momento em que a lei processual não previa a referida condição de procedibilidade. Esse entendimento foi mais tarde reiterado pela Turma no HC. 190.683, julgado em 7 de dezembro de 2020, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio.

O caso julgado pela 2.ª Turma e mencionado no acórdão da 3.ª Seção do STJ consiste no AgRg no ARE 1.230.095/SP, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, no qual o relator entendeu por indeferir pleito preliminar de baixa dos autos a fim de fosse intimada a vítima a respeito da exigência da representação. A fundamentação do voto, nesse tocante, deu-se inteiramente de forma remissiva ao parecer ministerial, no sentido de que a norma seria de conteúdo processual e irretroativa, e, subsidiariamente, não poderia retroagir ao caso, pois já havia ocorrido instrução processual e decisão condenatória. No mais, o voto tratou da questão do (des)cabimento de recurso extraordinário interposto pela parte. Note-se que embora o posicionamento do ministro Gilmar Mendes tenha sido acompanhado pelos ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia e Edson Fachin, a questão da retroatividade da exigência da representação surgiu apenas incidentalmente, em caso específico no qual já havia condenação mantida em segundo grau.

Embora parecesse haver consenso na Corte até esse ponto, recentemente a 2.ª Turma adotou posicionamento diverso. No julgamento de agravo regimental no HC 180.421/SP, finalizado em 22 de junho de 2021, a Turma concedeu ordem de ofício a fim de trancar a ação penal originária, ante "aplicação retroativa do § 5.º do art. 171 até o trânsito em julgado". O ministro Edson Fachin, relator do feito, asseverou no dia 15 de junho que o dispositivo em questão deve retroagir para beneficiar o réu, não podendo a aplicação da norma mais favorável ser condicionada por regulação legislativa. O ministro Gilmar Mendes acompanhou o posicionamento e ressaltou a natureza mista - material e processual - da norma, ressaltando que a Corte adotou o mesmo entendimento quando da previsão de exigência de representação nos casos de lesão corporal leve e culposa, na lei 9.099, de 1995. Os ministros Nunes Marques, Carmen Lúcia e Ricardo Lewandowski acompanharam o entendimento do relator quanto à retroatividade (embora tenha havido divergências em outros pontos no caso), tendo havido unanimidade na Turma quanto à aplicação da exigência de representação e necessidade de intimação da vítima para manifestação mesmo nos casos com denúncia oferecida antes da vigência da lei 13.964, de 2019.

Com esse novo posicionamento da 2.ª Turma do STF, e ainda não havendo decisão com força vinculante em âmbito nacional, a questão está pendente de resolução definitiva.

Até o presente momento, os argumentos mais coerentes - tanto do ponto de vista jurídico técnico processual quanto do ponto de vista dos aspectos práticos e operacionais da justiça criminal - são os adotados pela 5.ª Turma do STJ - posicionamento que prevaleceu na 3.ª Seção - e pela 1.ª Turma do STF. Ou seja, a posição de que a exigência de representação da vítima nos casos de crimes de estelionato não ser aplicada retroativamente aos casos em que já havia denúncia oferecida quando da entrada em vigência da lei 13.964, de 2019.

Não há dúvidas a respeito do seguinte: a alteração legislativa em comento é um grande acerto da recente reforma operada na legislação penal e processual penal. A exigência de representação para os casos de estelionato, em resumo, (i) favorece a composição civil entre os envolvidos, na medida em que encoraja a reparação voluntária do prejuízo no interesse da renúncia ou retratação da representação, (ii) potencialmente reduz a incidência do aparato persecutório sobre situações que consistiram em desacordos comerciais e/ou contratuais e (iii) atenua e relativiza o questionável peso elevado dado ao Código Penal ao bem jurídico do patrimônio - em comparação com outros como a vida, a liberdade e a integridade física. De fato, a exigência da representação poderia perfeitamente ser estendida a outros crimes contra o patrimônio, como o furto e a receptação3. Isso muito provavelmente ensejaria, ao mesmo tempo, alguma redução nos casos de lesões patrimoniais que chegam à seara penal e maiores oportunidades de composição consensual de prejuízos financeiros pequenos e médios.

Por outro lado, isso não significa que a exigência da representação deva retroagir de forma absoluta.

Como apontado inicialmente pela 5.ª Turma do STJ, a representação consiste em condição de procedibilidade cuja ratio está indissociavelmente associada à fase pré-processual anterior ao oferecimento de denúncia. A natureza de norma penal mista - visto que também enseja efeitos diretos sobre a punibilidade em si, e não apenas sobre questões processuais - não altera o fato de que a exigência da representação só faz sentido se considerada até o oferecimento da peça acusatória, visto que esse é o marco processual já estabelecido pela lei processual penal como divisor nesse tocante. Justamente por isso, a lei processual penal já prevê que a representação será irretratável depois de oferecida a denúncia (art. 25, CPP).

Isso significa dizer que, para além da discussão da natureza do dispositivo em análise, a sua aplicação está inseparavelmente relacionada à instauração da ação penal: a partir do momento em que a peça acusatória é oferecida, não mais importa a vontade da vítima quanto ao prosseguimento da persecução penal.

Na situação em análise, nos casos em que a denúncia já foi oferecida antes da vigência da lei 13.964 - e, portanto, sem a exigência da representação -, o marco processual até o qual o interesse da vítima é condicionante já foi ultrapassado validamente (art. 1.º, CPP: tempus regit actum). Embora realmente se possa reconhecer a natureza mista da exigência da representação, a aplicação retroativa só faz sentido para os casos em que ainda não houve oferecimento válido da peça acusatória sob a égide da lei vigente à época.

Lembre-se que a alteração da legitimidade para persecução do estelionato - de ação penal pública para ação penal pública condicionada - não indica redução da reprovabilidade do delito. Não somente as penas permanecem as mesmas - ou seja, não foram reduzidas - como foram criadas (i) uma nova hipótese incriminadora com penas consideravelmente elevadas (fraude eletrônica - art. 171, § 2.º-A) e (ii) uma majorante para casos praticados contra idosos e pessoas vulneráveis (art. 171, § 4.º). Isso demonstra que a exigência da representação decorre de razões de natureza prática, operacional, de política criminal numérica, e não propriamente de redução no juízo de reprovabilidade que o legislador faz sobre o fato abstrato criminalizado.

Em havendo exigência de representação tão somente por razões de ordem prática, não faz qualquer sentido estender a retroatividade dessa exigência para os casos em que o marco processual divisor - a partir do qual a representação deixa de ser relevante, pois irretratável - já foi ultrapassado pelo oferecimento válido da denúncia sob a égide da lei anterior vigente à época. Se a intenção do legislador é, presumidamente, reduzir números e economizar atos processuais, a retroatividade desmedida da exigência de representação para os casos que já estavam em fase de ação penal quando da vigência da lei nova causa justamente o contrário: o surgimento da necessidade de praticar um sem-número de atos processuais - buscas de endereços, intimações, abertura de vistas às partes, conclusão aos julgadores, prolação de decisões - que simplesmente não fazem mais sentido após o início válido da ação penal.

Cite-se, inclusive, a existência de outras dificuldades de ordem prática que decorrem da aplicação retroativa da exigência da representação para os casos com denúncia já oferecida quando da entrada em vigor da nova lei: Qual será o termo inicial para apresentação da representação? O prazo legal "geral" de 6 (seis) meses para exercício da representação não exige intimação prévia da vítima; no caso em comento, exigir-se-á ou contar-se-á o prazo a partir da entrada em vigência da nova Lei? Qual será o prazo a partir do termo inicial estabelecido?

Sobre isso, o posicionamento pela retroatividade da exigência da representação às ações penais em curso - atualmente esposado pela 2.ª Turma do STF - entendeu pela aplicação analógica do art. 91 da lei 9.099, de 19954, conforme o qual o ofendido e/ou seu representante devem ser intimados para manifestação em 30 (trinta) dias, sob pena de decadência. Tal solução, contudo, cria mais problemas que resolve. Afinal, não havendo expressa previsão legal de termo inicial para a contagem do prazo decadencial, o único termo inicial válido seria a data em que o ofendido ou seu representante legal toma conhecimento da autoria da infração (art. 38, CPP). Nesse caso, o estabelecimento de um termo inicial posterior - e possivelmente posterior ao decurso de seis meses da data em que o ofendido veio a saber quem foi o autor da infração - dilata o prazo decadencial para data posterior àquela que seria em se aplicando a regra geral do processo penal. Paradoxalmente, tratar-se-ia de analogia in malam partem, e não in bonam partem, como defendem segmentos da doutrina e da jurisprudência.

Por fim, a situação ora discutida parece diferir consideravelmente da discussão a respeito da aplicabilidade retroativa do acordo de não persecução penal. Enquanto esse instrumento prevê diversas consequências de natureza eminentemente material - como a exigência de confissão, necessidade de reparação do dano causado e até aplicação de penas restritivas de direitos -, a exigência de representação trata de mera condição processual de procedibilidade, com efeitos materiais reflexos, e cuja ratio se esgota quando já instaurada validamente a ação penal.

Como se vê, diante da evidente previsibilidade de alcance de fatos praticados anteriormente à vigência da nova regra, andou mal o legislador a não estabelecer, de forma clara, uma regra de transição, da forma como feito na lei 9.099, de 1995. A solução ora apresentada, de impossibilidade de alcance dos fatos já denunciados, somente resolve este problema em parte. Não há segurança jurídica para a persecução penal dos fatos havidos anteriormente à vigência da lei 13.964, de 2019, ainda sem denúncia oferecida.

Considerando que a discussão ainda se encontra "aberta", é importante levar em conta todas essas questões antes da formação de uma solução definitiva. A fim de evitar o surgimento de novos problemas advindos da própria solução, parece coerente reconhecer que, nos casos em que houve oferecimento válido de denúncia antes da entrada em vigência da nova lei, a exigência da representação não deverá retroagir.


[1] Advogado sócio da banca Lucchesi Advocacia. Professor da Faculdade de Direito da UFPR. Doutor em Direito pela UFPR. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico.

[2] Mestrando em Direito pela UFPR. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela ABDConst. Graduado em Direito pela UFPR. Advogado sócio da Lucchesi Advocacia.


1 Ver MENDES, Tiago Bunning; LUCCHESI, Guilherme Brenner. Lei Anticrime: a (re)forma penal e a aproximação de um sistema acusatório? São Paulo: Tirant Lo Blanc, 2020. p. 166-169.

2 Ausente, justificadamente, o ministro Joel Ilan Paciornik.

3 Ver MENDES, Tiago Bunning; LUCCHESI, Guilherme Brenner. Lei Anticrime: a (re)forma penal e a aproximação de um sistema acusatório? São Paulo: Tirant Lo Blanc, 2020. p. 168-169.

4 Art. 91. Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência.


Este artigo reflete a opinião de seus autores e não necessariamente a opinião do IBDPE.
Este espaço é aberto aos Associados do IBDPE! Para submeter seu artigo, envie uma mensagem para contato@ibdpe.com


O PREDOMÍNIO DO PARADIGMA POSITIVISTA NA INTERPRETAÇÃO DA LAVAGEM DE DINHEIRO: O CASO DO ADVOGADO

Por: Marcelo Augusto Rodrigues de Lemos[1] Marina Brentano Colombo[2]

 

Desde a alteração da Lei n.º 9.613/98, em 2012, o crime de lavagem de dinheiro se tornou um campo fértil para discussões jurídico-penais. Não por menos. Se antes a lavagem de capitais era um delito desconhecido por parte da maioria dos atores do processo penal – fundamentalmente nas ações de competência do juízo comum –, hoje parece que há, inclusive, uma indevida banalização do crime, de modo a perder a sua própria razão de existência. O que se pretende neste artigo não é trazer razões político-criminais sobre o delito, tampouco trabalhar os aspectos dogmáticos da conduta, mas sim trazer à lume – embasado nos pressupostos teóricos da Crítica Hermenêutica do Direito[3] – a análise do tipo penal sob o enfoque da interpretação judicial. Nesse sentido, trabalhar-se-á com a hipótese do recebimento de honorários maculados e da imputação específica da lavagem de dinheiro em casos tais.

Afinal, por que há juízes que asseveram que a lavagem de capitais se materializa com a simples realização de um dos verbos nucleares do tipo (art. 1.º, caput)? Por que se chama de “lavagem” a conduta que – de acordo com alguns tribunais – se destina tão somente a punir o indivíduo que oculta ou dissimula o ativo, em tese, ilícito? Não é verdade que o crime aqui referido se projeta para coibir a circulação de ativos ilícitos na economia formal? Se o é, por que a simples realização da ocultação ou da dissimulação configuram o tipo penal? Essas são questões tomadas por complexas – em que pese, inseridas em uma tradição, sejam óbvias – uma vez que os tribunais, levando a discricionariedade ao último estágio, tendem a ditar os limites jurídico-penais do tipo penal, descolando-o, por consequência, da sua própria natureza[4].

Sob este espectro, questiona-se, prima facie, se seria possível apenas enxergar o dispositivo legal do crime de lavagem de dinheiro e, a partir disso, concluir-se pela perfeita – e pretendida – interpretação hermenêutica do tipo penal ali inserido. Seria a norma um fim em si mesma? Teria, portanto, a gramaticalidade da norma logrado êxito em alcançar o seu integral sentido interpretativo? Os exegéticos talvez diriam que sim. A questão, entretanto, atinge um ponto sensível e que demanda atenção. Observe-se, nesse sentido, que a leitura amarrada ao puro textualismo da norma do art. 1º da Lei 9.613/98 conduz a uma interpretação limitada, na medida em que, não é possível extrair da sua literalidade, por exemplo, a necessidade de aferição do elemento subjetivo do agente para a configuração do delito de lavagem de dinheiro. E este é o ponto fundamental para a discussão deste ensaio.

Objetivamente: o crime da Lei n.º 9.613/98 censura penalmente a conduta do indivíduo que reintroduz os ativos ilícitos – provenientes de infração penal antecedente – na economia formal. Ao revés, não pode ser utilizado como mecanismo de imputação criminal de condutas que são desdobramentos do crime antecedente (v.g. como aquisição de imóveis) ou mesmo de delitos que sequer se materializaram (como, por ex., a sonegação fiscal). Quer dizer, da forma como introduzido no ordenamento jurídico, a lavagem de dinheiro não existe sem, ao menos, ter indícios veementes de que a prática visa a dar uma capa de legalidade aos ativos ilícitos. Por uma premissa básica, destarte, pagar honorários advocatícios com dinheiro advindo de prática delitiva não configura o tipo penal, uma vez que não há qualquer intenção de acoplar um sentido de licitude aos ativos.

É nesse ponto, de tal arte, que ingressa o debate sobre a interpretação judicial da lavagem de dinheiro e o motivo pelo qual alguns tribunais compreendem a tipificação de tal delito por meio da mera ocultação ou dissimulação. De logo, é possível se afirmar que tal entendimento advém de um problema geral e de uma de suas ramificações: o predomínio do paradigma do positivismo jurídico, expressados através da ausência de superação do exegetismo do século XIX (textualismo)[5]. Portanto, é possível ver, na práxis, os problemas aqui abordados: quando o juiz – ao analisar o art. 1.º da Lei n.º 9.613/98 – diz que o tipo penal se configura por meio da simples ocultação ou dissimulação dos ativos ilícitos, sem considerar a tradição epistemológica que lhe antecede, compreende que o legislador previu todas as hipóteses de aplicação do referido tipo penal, de sorte que a mera subsunção do tipo ao caso concreto é suficiente, quando, na verdade, não o é.

Veja-se que: a interpretação literal do art. 1º da Lei 9.613/98, além de atentar contra a essência da hermenêutica, abre um vasto campo à criação de completas aberrações jurídicas e condenações infiéis ao que, de fato, se pretendia, desde o início, com a criação do tipo penal de lavagem – e para compreender isso basta revolver ao passado histórico da sua criação. É dizer, portanto, que: ao se admitir a interpretação pura e literal da norma, excluindo-se, dessa forma, a aferição do dolo da lavagem, passa-se a admitir que condutas como a de pagar honorários advocatícios com valores ilícitos possam ser configuradas como lavagem de dinheiro - pelo simples fato de se ter, de certo modo, ocultado ou dissimulado o ativo.

E mais: a interpretação puramente literal do referido dispositivo conduz a afirmação de que o crime de lavagem de dinheiro seria um caminho necessário a todos os delitos que visam ou tem como resultado o lucro. Assim, todo aquele que, por exemplo, furta um bem e o vende, e, em seguida utiliza esse valor ilícito – seja pagando honorários advocatícios ou comprando desde um imóvel até uma peça de roupa –, responderá, automaticamente, por lavagem de dinheiro. Tal afirmação não parece, nem de longe, razoável.

De todo modo, a resposta adequada à problemática está refletida no passado histórico da criação do delito de lavagem de capitais, de sorte que colocou em evidência a necessidade da comprovação da vontade do agente em tornar o ativo ilícito em lícito – do contrário, a própria criação da norma não teria existido, já que derivou da engenhosa conduta da máfia italiana que, buscando driblar a instituição da Lei Seca nos Estados Unidos, criou a venda irregular de bebidas e, para justificar seus ganhos ilícitos com tais práticas, adquiriu lavanderias que serviram de fachada para justificar os seus lucros. E é a partir dessa perspectiva que deve se dar a interpretação da norma do art. 1º da Lei 9.613/98.

Assim, o conteúdo do tipo penal do art. 1º da Lei 9613/98 não se esgota em sua literalidade. Vai muito além. De acordo com Lenio Streck, ‘... há sempre algo que lhe antecede e que foi construído pela cadeia de sentido produzida ao longo da relação entre os sujeitos.’[6]. Nessa perspectiva, o referido dispositivo somente pode ser interpretado adequadamente, e, portanto, em sua integralidade, se houver a compreensão de sua cadeia construtiva.

Em nosso juízo - embora os ares do positivismo exegético ainda pareçam reinar em terrae brasilis - a interpretação literal do art. 1º da Lei 9613/98 é perigosa e conduz a uma compreensão incompleta acerca do dispositivo. A necessidade de exigir que seja ilustrada, na conduta do agente, o intuito de conferir a aparência lícita ao ativo – e, portando, exceder a barreira da literalidade da norma -, é, com inabalável convicção, a correta, pretendida e integral interpretação do delito de lavagem de dinheiro. Nesse sentido, a criminalização do pagamento de honorários advocatícios com valores ilícitos só poderia ser corretamente enquadrada no contexto da lavagem de capitais se a intenção do agente com tal conduta fosse, efetivamente, a de conferir caráter lícito aos ativos, do contrário, estar-se-ia diante de conduta atípica.

 

REFERENCIAS:

 

DE CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. Porto Alegre: Dissertação de Mestrado, 2006.

STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de hermenêutica: cinquenta temas fundamentais da teoria do direito à luz da crítica hermenêutica do Direito. Belo Horizonte (MG): Letramento: Casa do Direito, 2020.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 11 ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014.


[1] Doutorando em Direito (UNISINOS/RS), Mestre em Ciências Criminais (PUC/RS) e Especialista em Direito Penal Empresarial (PUC/RS). Advogado criminalista – marcelo@lemos.adv.br.

[2] Graduada em Direito (UNISINOS/BR) e pós-graduanda em Direito Penal Econômico (PUC/MG). Advogada criminalista – marina@lemos.adv.br.


[3] A propósito: STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 11 ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014.

[4] A construção histórica do tipo penal de lavagem de dinheiro, originalmente, remonta às primeiras décadas do século XX, através da persecução criminal dos membros de organizações criminosas atuantes na comercialização ilegal de bebidas alcoólicas. O referido crime solidificou-se a partir do maior rigor imposto às organizações criminosas, especialmente após a entrada em vigor da chamada “Lei Seca” nos Estados Unidos da América, a qual vetou a comercialização de bebidas alcoólicas naquele país. Esta proibição fez surgir um mercado paralelo e clandestino que visava à efetivação de práticas ilícitas. Neste momento, enalteceu-se a figura do lendário gangster de origem italiana Al Capone e, também, de Meyer Lansky. O termo cunhado para o referido crime, ademais, inspirou-se na prática de Al Capone, porquanto este, por intermédio da manutenção de lavanderias com aparência plenamente lítica, ocultava e dissimulava os ganhos provenientes dos crimes anteriormente aludidos. Ainda que tenha sido materializada, a priori, nos Estados Unidos da América, a lavagem de dinheiro encontra seus primeiros traços legais na Itália. Durante os “anos de chumbo”, por volta de 1978, o grupo armado denominado Brigate Rosse (Brigada Vermelha) provocou uma série de atos, a fim de desmantelar o poder político da época. Nessa linha, em 16 de março de 1978, dando sequência a gigante onda de seqüestros que vinham dando cabo, a Brigada Vermelha capturou o político Aldo Moro que, em maio do mesmo ano, veio a ser assassinado. Tal fato gerou uma relevante comoção internacional e chamou a atenção do governo italiano. Com o escopo de enfraquecer as organizações criminosas, as autoridades italianas introduziram ao Código Penal o art. 648, bis[4], criminalizando a substituição de dinheiro proveniente de ilícitos, notadamente, roubo qualificado, extorsão qualificada ou extorsão mediante seqüestro. DE CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. Porto Alegre: Dissertação de Mestrado, 2006.

[5] Acerca do tema, leia-se o verbete “Positivismo Jurídico” em: STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de hermenêutica: cinquenta temas fundamentais da teoria do direito à luz da crítica hermenêutica do Direito. Belo Horizonte (MG): Letramento: Casa do Direito, 2020.

[6] STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de hermenêutica: cinquenta temas fundamentais da teoria do direito à luz da crítica hermenêutica do Direito. Belo Horizonte (MG): Letramento: Casa do Direito, 2020, p. 184.


Este artigo reflete a opinião de seus autores e não necessariamente a opinião do IBDPE.
Este espaço é aberto aos Associados do IBDPE! Para submeter seu artigo, envie uma mensagem para contato@ibdpe.com


2ª Turma decide que dispositivo da Lei Anticrime deve retroagir para benefício do acusado

Fonte: STF

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, que a alteração no Código Penal que tornou necessária a manifestação da vítima para o prosseguimento de acusação por estelionato pode retroagir para beneficiar o réu. O entendimento se formou no julgamento do Habeas Corpus (HC) 180421, com relatoria do ministro Edson Fachin, no qual também se determinou o trancamento da ação penal aberta pelo Ministério Público (MP) contra o acusado.

Venda de automóvel

O impetrante do HC é o dono de uma revendedora de automóvel, e o caso discute a venda de um carro deixado com ele em regime de consignação. Na época dos fatos, o MP podia apresentar denúncia mesmo sem expressa vontade da vítima. Porém, alteração no parágrafo 5º do artigo 171 do Código Penal, introduzida pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), condicionou o prosseguimento do processo à manifestação do prejudicado contra o suposto estelionatário.

Não interesse

O julgamento foi retomado com o ajuste de voto do ministro Gilmar Mendes, em razão de discussão sobre a tipicidade do delito diante de termo tratado entre as partes em que se acertou a devolução do bem e o estorno do valor pago. O acordo, promovido antes do recebimento da denúncia pelo juízo de primeiro grau, atesta a quitação do veículo e foi comunicado à autoridade policial.

Para o ministro, o caminho mais adequado, nesse caso, é considerar o termo de quitação como indicativo objetivo e seguro do não interesse da vítima na persecução penal. A retração via acordo e a inovação legislativa no Código Penal implicam, a seu ver, o trancamento do processo penal, em razão da ausência de procedibilidade.

Dessa forma, o ministro seguiu, em parte, o voto do ministro Nunes Marques, na sessão anterior do julgamento, no sentido de conceder o habeas corpus e trancar a ação, como consequência.

Novo entendimento

A ministra Cármen Lúcia lembrou que a Primeira Turma havia decidido o tema de forma diferente, mas levou em consideração, no caso, o princípio da máxima efetividade do Direito e das garantias individuais, reconhecendo a natureza mista (material e processual) da alteração legislativa, e, por isso, fundamentou seu voto no princípio da norma penal mais benéfica ao acusado.

Apesar de chegar à mesma conclusão pela concessão do HC, o ministro Ricardo Lewandowski ponderou que o caso trata de conflito de natureza civil, pois, com a celebração do acordo, não há dolo. Para ele, instigar a vítima a apresentar representação é comportamento proibido no Direito. Portanto, sugeriu o trancamento da ação com base na ausência de justa causa.

GT/AS//CF

 


CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGALIDADE DA TEORIA DA LAVAGEM SIMULTÂNEA (OU CONCOMITANTE) DE CAPITAIS

Por: Francisco Torres Soares[1]

Dentro do contexto de combate ao crime de lavagem de capitais, mais precisamente no que concerne à uniformização das medidas de repressão, um dos marcos mais importantes foi a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, celebrada em Viena em 20 de dezembro de 1988.

Tal convenção foi ratificada pelo Brasil em 26 de junho de 1991 através do Decreto 154/91, o qual continha o compromisso de criminalizar a lavagem de capitais oriundos do tráfico ilícito de entorpecentes, sendo tal intenção sedimentada através da lei 9.613, de 04 de março de 1998.

A novel legislação acabou por ampliar o rol dos crimes antecedentes, prevendo a criminalização da ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente não só do crime de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins, mas também de terrorismo, de terrorismo e seu financiamento, de contrabando ou tráfico de armas, etc.

Em que pese a consolidação do combate à lavagem de capitais através da criação de um tipo penal específico no ordenamento jurídico pátrio com um escopo ampliado em relação àquilo que originalmente se pretendia, o resultado ficou aquém do esperado.

Com efeito, o relatório da avaliação feita pelo GAFI – Grupo de Ação Financeira Internacional, organismo criado em 1989 pelos membros do G7 com o propósito de desenvolver internacionalmente o combate à lavagem de capitais, divulgado em 2011, apresentou várias críticas em relação à lei 9.613/98 e aos resultados de sua aplicação prática.[2]

Diante de tal panorama, o legislador realizou modificações no supracitado diploma através da lei 12.683/12, a qual teve como principal novidade a extinção do rol dos crimes antecedentes, permitindo a configuração do delito com a ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores oriundos de qualquer infração penal.

A ideia era emparelhar a legislação nacional com as leis mais modernas de combate à lavagem de capitais.[3]

Ocorre que, a partir da entrada em vigor das modificações trazidas pela lei 12.683/12, o alargamento das hipóteses de configuração do delito encontrou base não somente na supracitada alteração legislativa mas também em inovações jurisprudenciais em boa parte impulsionadas pelo clamor da sociedade de então pela punição dos chamados “crimes de colarinho branco”, ainda que às custas do sacrifício de determinadas garantias individuais.

Nessa toada, surgiu a controvertida construção da “lavagem simultânea ou concomitante de capitais”, a qual teve sua aplicabilidade ampliada no bojo da conhecida “Operação Lava Jato”.

O Juízo da 13ª Vara Federal em Curitiba, então sob a titularidade do Juiz Federal Sérgio Fernando Moro, já no contexto da supracitada operação, tinha o repetido entendimento de que a lavagem de capitais somente poderia ocorrer após a  execução da infração penal antecedente.

Entretanto, no julgamento da Ação Penal 5054932-88.2016.4.04.7000/PR, o aludido Juízo alterou abruptamente tal entendimento, justificando que a aplicação do diploma legal deveria acompanhar o desenvolvimento das técnicas de lavagem de capitais, mais especificadamente no que tange à estratégia de já receber, de forma dissimulada, a vantagem indevida do crime de corrupção.

Trata-se, portanto, de um considerável malabarismo para extrair da lei o sentido pretendido para a ocasião.

Vejamos o trecho da sentença da aludida Ação Penal que trata de tal assunto[4]:

  1. Vinha este Juízo adotando a posição de que poder-se-ia falar de lavagem de dinheiro apenas depois de finalizada a conduta pertinente ao crime antecedente.
  2. Assim, por exemplo, só haveria lavagem se, após o recebimento da vantagem indevida do crime de corrupção, fosse o produto submetido a novas condutas de ocultação e dissimulação.
  3. A realidade dos vários julgados na assim denominada Operação Lava jato recomenda alteração desse entendimento.
  4. A sofisticação da prática criminosa tem revelado o emprego de mecanismos de ocultação e dissimulação já quando do repasse da vantagem indevida do crime de corrupção.
  5. Tal sofisticação tem tornado desnecessária, na prática, a adoção de mecanismos de ocultação e dissimulação após o recebimento da vantagem indevida, uma vez que o dinheiro, ao mesmo tempo em que recebido, é ocultado ou a ele é conferida aparência lícita.
  6. Este é o caso, por exemplo, do pagamento de propina através de transações internacionais sub-reptícias. Adotado esse método, a propina já chega ao destinatário, o agente público ou terceiro beneficiário, ocultado e, por vezes, já com aparência de lícita, como quando a transferência é amparada em contrato fraudulento, tornando desnecessária qualquer nova conduta de ocultação ou dissimulação.
  7. Não seria justificável premiar o criminoso por sua maior sofisticação e ardil, ou seja, por ter habilidade em tornar desnecessária ulterior ocultação e dissimulação do produto do crime, já que estes valores já lhe são concomitantemente repassados de forma oculta ou com a aparência de licitude.

(…)

  1. Assim, se no pagamento da vantagem indevida na corrupção, são adotados, ainda que concomitantemente, mecanismos de ocultação e dissimulação aptos a ocultar e a conferir aos valores envolvidos a aparência de lícito, configura-se não só crime de corrupção, mas também de lavagem, uma vez que ocultado o produto do crime de corrupção e a ele conferida a aparência de licitude. Forçoso reconhecer, diante da concomitância, o concurso formal entre corrupção e lavagem para aqueles responsáveis pelas duas condutas.

 

Desta feita, em tal interpretação peculiar da lei de lavagem de capitais, restaram alijadas questões técnicas basilares, tal como a identificação do dispositivo legal que autoriza a ampliação de uma hipótese de punição, demonstrando que as mesmas, naquele contexto, foram vistas muitas vezes como meras formalidades.

Nesse ponto, faz-se necessário retomar o conceito do delito de lavagem de capitais, definido por Marco Antônio de Barros[5]como:

 

Conjunto de operações comerciais e financeiras que buscam a incorporação, na economia de cada país, de modo transitório ou permanente, de recursos, bens e valores de origem ilícita para dar-lhe aparência legal.

 

 

Ou seja, o termo origem ilícita pressupõe uma infração penal concluída, à qual é possível atribuir o caráter criminoso de forma indubitável, pendente apenas de atos de exaurimento, quando cabíveis ao tipo.

Tamanha é a aludida relação de dependência que alguns doutrinadores defendem que a ocorrência da infração prévia funciona como uma elementar do tipo lavagem de capitais[6]:

            Desta feita, a argumentação exposta na sentença supramencionada, isto é, a ideia de que a infração antecedente poderia ser considerada mesmo sem ter sido concluída, afronta claramente o comando legal criando uma exceção não contida na legislação e embasada mormente no entendimento do magistrado.

          Esse alargamento excessivo na interpretação do dispositivo colide de forma elementar com o Princípio da Legalidade, uma das bases do Estado Democrático de Direito e um marco no estabelecimento de uma persecução penal civilizada e moderna.

O ponto de colisão do entendimento da aludida sentença com o preceito em questão ocorre justamente numa das várias consequências do Princípio da Legalidade: O Princípio da Taxatividade (nullum crimen sine lege scripta et stricta).

A taxatividade determina que o julgador deve aplicar a lei nos exatos limites em que foi redigida, não permitindo ao mesmo flexibilizações que podem implicar em abusos.[7]

          Por outro lado, esqueceu-se, na decisão judicial em comento, de que o crime de corrupção passiva, inserido no artigo 317 do Código Penal, resta classificado como um crime formal, cuja prática se dá com a solicitação da vantagem indevida, sendo o pagamento mero exaurimento.

Ou seja, quem solicita (ou recebe a promessa) e depois efetivamente recebe a vantagem indevida comete um só crime, consumado no momento da solicitação ou da promessa.[8]

Assim sendo, a infração penal antecedente, no caso concreto analisado, já tinha sido consumada no momento em que a vantagem indevida fora solicitada (ou mesmo quando a promessa foi feita), sendo, portanto, o pagamento dissimulado um resultado naturalístico irrelevante para a valoração da conduta.

Consequentemente, estamos diante de uma situação clássica de lavagem de capitais, com um crime antecedente perfeitamente consumado seguido de estratégia de dissimulação característica de tal tipo penal.[9]

A configuração do delito, no caso em análise, não dependeria, portanto, de um novel caso de lavagem de capitais sustentado por uma heroica retórica de combate à corrupção, mas sim da aplicação dos dispositivos legais existentes à luz do “enfadonho”, porém sóbrio, conhecimento doutrinário.

 

CONCLUSÃO

A sentença exarada pela 13ª Vara Federal em Curitiba no bojo da Ação Penal 5054932-88.2016.4.04.7000/PR considerou válida a aplicação da teoria da lavagem concomitante de capitais, muito embora tivesse entendimento contrário já consolidado em julgamentos anteriores.

Ocorre que a fundamentação utilizada para tanto foi bastante vaga e até certo ponto, frívola, pois entendeu que a corrupção passiva poderia ser considerada como crime antecedente mesmo antes de sua conclusão para que o criminoso não seja beneficiado pelo próprio ardil e para que o entendimento jurisprudencial acompanhe o aperfeiçoamento das hodiernas práticas delitivas.

Tal embasamento não encontra suficiente fulcro tanto na legislação quanto na doutrina, sendo provável fruto do reducionismo legal comum naquele momento, onde discussões eram resumidas e análises pormenorizadas eram vistas como meras formalidades ou mesmo procrastinações por parte dos defensores dos réus.

Todavia, vemos hoje que a superficialidade na análise das imputações,   somada à pressa em punir, constantemente verificadas na denominada “Operação Lava Jato”, acabaram por prejudicar a própria efetividade da lei penal e a eficiência no combate à criminalidade, visto que a construção de bases frágeis para as condenações deu inegável azo para ulteriores questionamentos nos Tribunais Superiores, o que, em muitas ocasiões, resultou em nulidades processuais vexatórias que jogaram por terra todo um trabalho investigativo.

A situação ora analisada é um exemplo de análise rasa e apressada de um tema de fundamental importância.

Como anteriormente visto, se a sentença em pauta tivesse recorrido ao entendimento doutrinário vigente, teria considerado o delito anterior, no caso a corrupção passiva, devidamente concluído pela mera solicitação ou promessa de vantagem indevida, dada à sua classificação como crime formal, o que levaria ao enquadramento na hipótese clássica de lavagem de capitais, isto é, a dissimulação, ocultação, etc do produto de uma infração penal antecedente.

Como visto, a ideia da lavagem concomitante ou simultânea de capitais representa, na verdade, uma imprecisão técnica, pois se o delito antecedente é formal ou de mera conduta, o mesmo já estaria concluído com a prática do verbo indicado no núcleo do tipo penal, não sendo possível a sua consumação concomitante com a lavagem de capitais, o que conduz à tipificação “clássica” do crime descrito no art. 1º da Lei 9.613/98.

Outrossim, caso estivéssemos diante de um tipo penal classificado como material no tocante ao resultado naturalístico, resta claro que o seu enquadramento como infração penal antecedente, antes de sua consumação, representaria uma afronta grosseira ao Princípio da Legalidade, mais especificadamente à necessária taxatividade na aplicação das leis penais, dado o conteúdo da lei 9.613/98, modificada pela lei 12.683/12.

Destarte, temos aqui um exemplo de como o conhecimento doutrinário, lastreado em análises apartidárias e proeminentemente técnicas, pode fornecer bases mais sólidas para as sentenças criminais, afastando tanto o clamor público quanto o ímpeto pessoal do julgador em prol de um entendimento mais resistente a ulteriores alegações de nulidade, possibilitando, também, uma interpretação mais equilibrada dos dispositivos legais vigentes em detrimento de rocambolescas teorias de propósito claramente condenatório tal como a analisada no presente artigo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentário, artigo por artigo, à lei 9613/98. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

 

HOFFMANN, Henrique; SANNINI, Francisco. Sobre lavagem de dinheiro simultânea ou concomitante. Curitiba, 2020. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-ago-11/academia-policia-lavagem-dinheiro-simultanea-ou-concomitante#:~:text=Como%20se%20pode%20perceber%2C%20trata,ensejo%20ao%20concurso%20de%20crimes. Acessado em 26 de março de 2021.

 

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 3ª Edição. Salvador: Jus Podivum 2015.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 11.ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012

 

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, parte geral: arts  1º a 120. 8. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

 

SANCTIS, Fausto Martin de. Delinquência econômica e financeira: colarinho branco, lavagem de dinheiro, mercado de capitais. Rio de Janeiro: Forense, 2015.


[1]    Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pós-Graduado em Licitações e Contratos Administrativos pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – UNIBRASIL. Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Academia Brasileira de Direito Constitucional - ABDCONST. Militar da Força Aérea Brasileira. Pesquisador na área de Direito Penal Econômico. E-mail: ftsoares82@hotmail.com.


[2]    LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 3ª Edição. Salvador: Jus Podivum 2015. p. 286.

[3]    SANCTIS, Fausto Martin de. Delinquência econômica e financeira: colarinho branco, lavagem de dinheiro, mercado de capitais. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 195.

[4]    13ª Vara Federal em Curitiba. Sentença na Ação penal  5054932-88.2016.4.04.7000/PR. DJ 30/03/2017

[5]    BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentário, artigo por artigo, à lei 9613/98. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.93.

[6]    LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 3ª Edição. Salvador: Jus Podivum 2015. p. 301,

[7]    PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, parte geral: arts  1ºa 120. 8. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 133.

[8]    NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 11.ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 1163-1164

[9]    HOFFMANN, Henrique; SANNINI, Francisco. Sobre lavagem de dinheiro simultânea ou concomitante. Curitiba, 2020. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-ago-11/academia-policia-lavagem-dinheiro-simultanea-ou-concomitante#:~:text=Como%20se%20pode%20perceber%2C%20trata,ensejo%20ao%20concurso%20de%20crimes. Acessado em 26 de março de 2021.


Este artigo reflete a opinião de seus autores e não necessariamente a opinião do IBDPE.
Este espaço é aberto aos Associados do IBDPE! Para submeter seu artigo, envie uma mensagem para contato@ibdpe.com


A LEI Nº 12.850/2013 SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO PENAL ECONÔMICO

Por: José Ewerton Bezerra Alves Duarte[1] Mayara de Lima Paulo[2] e Matheus Ribeiro Barreto Dias[3]

 

1 INTRODUÇÃO

O crime organizado, enquanto um meio para atingir poder e riquezas por meios ilícitos, configuram-se em modalidade típica extremamente complexa e com várias nuances e ramos, que vão desde o uso de meios ilegais/ilegítimos para a geração de lucro, como lobbies nas bolsas de valores e cartéis empresariais, até a exploração dos mais nefastos mercados, por exemplo, o tráfico de drogas, armas, órgãos e humanos (MICHAEL, 2004)[4]. Assim, é oportuno pontuar que a doutrina se debruçou timidamente em relação à análise da Lei 12.850/2013[5], devido, sobretudo, as variadas maneiras de incidência deste tipo penal[6] (CAMPOS, SANTOS, 2004).

A problemática nacional e até internacional, em relação à temática exposta, consiste no fato de o Poder Público não ter logrado ainda êxito pleno no efetivo combate às ações das Organizações Criminosas (OC’s). Neste sentido, enquanto aparato normativo, a Lei de Organizações Criminosas (LOC) aperfeiçoou tanto materialmente quanto processualmente a antiga Lei nº 9.034/1995, diversificando também seus meios de obtenção de provas, visto às excepcionalidades desta modalidade típica, que não se limitam aos métodos tradicionais (DA SILVA, 2014)[7].

A LOC também aparece como uma espécie normativa preparada a coibir os aspectos dos chamados “crimes de colarinhos branco”, cujos agentes possuem elevado poder aquisitivo e se utilizam de modus operandis que envolvem desde a corrupção de agentes estatais até o estabelecimento de estruturas piramidais aptas à lavagem de dinheiro. Mendroni (2015)[8] consigna que a LCO se incorpora à sistemática jurídica e constitui uma importante ferramenta na luta contra a delinquência organizada, evitando-se, outrossim, as mazelas socioeconômicas. Assim, o presente artigo se propõe a problematizar o instituto normativo das OC’s utilizando-se de metodologia bibliográfica e documental por meio de uma abordagem exploratória, doutrinária e jurisprudencial.

2 DAS PROVAS NA LEI 12.850/2013

Conforme discorre Capez (2013)[9], as provas são de extrema importância para a ciência do processo, pois é nelas que estão o alicerce para dar seguimento a um processo de forma efetiva (amparando a justa causa), devendo elas serem válidas e idôneas. Fazendo-se valer como um meio de compreensão dos fatos que dizem respeito ao crime, sua presença em termos processuais, é vital para a instauração do rito processualístico criminal.

Sendo o juiz orientado pelo princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional, cabe a ele, como julgador (e não como combatente do crime), julgar os fatos, aplicando-lhe a subsunção deles à norma, inclusive tendo o próprio Código de Processo Penal vedado a possibilidade de se basear exclusivamente nas provas colhidas na investigação. Noberto Avena (2013)[10] explica que a valoração da prova investigatória colhida pode vir a possuir elementos secundários de motivação, isto é, supletiva ou subsidiariamente, como forma de reforço às conclusões extraídas do contexto judicializado, onde em relação às organizações criminosas, as provas necessitam de novo revestimento, aplicabilidade e hermenêutica.

2.1.  O INSTITUTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA

Tratando-se de meio apto à variação da colheita de provas, a colaboração premiada foi modernizada na Lei 12.850/2013. Mendonça (2013)[11] a define como a eficaz atividade do investigado, imputado ou condenado de contribuição com à persecução penal - na prevenção ou na repressão de infrações penais graves - em troca de benefícios penais, segundo acordo formalizado por escrito entre as partes (investigado e Polícia Judiciária ou Ministério Público) e homologado pelo Juízo após realização do devido controle da legalidade do instituto.

2.2 DA AÇÃO CONTROLADA

Em se tratando ainda do art. 3º da LOC e, mais adiante, em seu art. 8º, a ação controlada se mostra como mais uma de suas possibilidades de obtenção de prova. Masson e Marçal (2018, p. 258, 259)[12] entendem que a ação controlada não seria um meio, mas, sim, fonte probatória, que origina provas testemunhais e documentais, não se confundido, inclusive, com alguma espécie de flagrante preparado ou forjado que são, a propósito, ilegais.

Também chamada de flagrante prorrogado ou retardado que, mediante autorização legal para que as Autoridades Policiais e seus agentes possam efetuar uma prisão com a intenção de uma melhor apuração criminal (CABETTE, NAHUR, 2014)[13], revela-se como forma de prender um maior número de integrantes de determinada OC ou obter provas mais robustas para uma possível condenação da organização (FELTRIM, 2018)[14].

Importante salientar que seu uso também é expandido às autoridades administrativas, tais como os agentes das receitas estaduais e federais, integrantes da ABIN, órgãos do Ministério Público, corregedorias e afins também irão poder retardar sua atuação para um momento mais oportuno para obter maior eficácia na colheita de elementos de informação, como em caso de crimes de posse ou tráfico de drogas (FELTRIM, 2018)[15]. Sendo assim, a ação controlada também se demonstra primordial como meio de embate ao crime organizado.

2.3 AS INFILTRAÇÕES POLICIAIS

Segundo Cunha (2013)[16], a infiltração de agentes policiais é uma técnica de investigação que consiste em um agente de polícia se inserir no meio criminoso, passando a participar dos delitos ou de seu planejamento, com a finalidade de conseguir o maior número de provas e informações possíveis para evitar ou reprimir a prática de crimes praticados por essas OC’s.

Portanto, tratando-se de meio de obtenção de prova extraordinário, o inquérito policial que o precede necessita ser sigiloso e sob prévia consulta ao Ministério Público. Salienta-se, inclusive, que esta tática pode ser requisitada pelo Ministério Público e pela Autoridade Policial, sendo vedada a sua decretação de ofício pelo Juiz, sob pena de ilicitude de obtenção de provas.

Todavia, a proporcionalidade e a razoabilidade devem ser os princípios motrizes desta modalidade, visto que o agente encarregado não pode permitir eventuais descompassos e falta de adequação em seu principal objetivo, quer seja, o investigativo. Por se tratar de figuras proeminentes e de difícil acesso aos elementos de autoria e materialidade (e os bens lesados em crimes dessa espécie costumam ser de significante valor socioeconômico), em que pese ser o período mínimo de seis meses para a investigação, a doutrina e a jurisprudência são pacíficas ao estabelecer que o número de prorrogações deste tempo é indeterminado até que se consiga as eventuais provas e indícios acerca do caso em concreto, conforme o artigo 10, §3º da LOC.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme abordado, ainda que sucintamente pelo presente trabalho, a LOC se revelou, não somente como parâmetro inovador e modernizador do processo penal por parte do Estado na atuação da persecução criminal, mas também revestiu de constitucionalidade e razoabilidade os institutos já existentes no ordenamento jurídico, mas ainda pouco desenvolvidos.

Em se tratando do Direito Penal Econômico, as OC’s constituem gravíssimas afrontas ao Estado Democrático de Direito nos planos doméstico e internacional, visto que organizações desse tipo não costumam se prender às fronteiras estatais. E nisto, a LOC assegura seu lugar como um excelente instrumento de garantia de segurança socioeconômica, devido, em muito, aos seus métodos excepcionais de colheita de provas e táticas investigativas.

O Magistrado, enquanto aplicador da norma aos fatos, deve se atentar às particularidades e à evolução no tratamento e percepção das OC’s, visto que seu relacionamento com figuras públicas e estatais de poder não surpreendentemente é muito mais próximo do que dos crimes comuns. Portanto, cabe ao Direito Penal Econômico tutelar as condutas que venham a ferir os bens jurídicos protegidos por sua esfera, seja no campo mercantil, tributário, empresarial, difuso-coletivo e até mesmo das políticas públicas.

4 REFERÊNCIAS

AVENA, Norberto. Processo Penal: Esquematizado. 5. ed. atual. e ampl. São Paulo. Método. 2013. p. 150.

 

CABETTE, Eduardo Luiz Santos; NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. Criminalidade organizada & globalização desorganizada: curso completo de acordo com a lei 12.850/13. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2014.

 

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 20. ed. Saraiva. 2013.

 

CUNHA, Rogério Sanches. Crime organizado – comentários à nova Lei sobre o Crime Organizado – Lei nº 12.850/2013. Juspodivm, 2013. p. 95.

 

DA SILVA, Eduardo Araújo. Organizações criminosas: aspectos penais e processuais da Lei nº 12850/13. São Paulo: Atlas, 2014, p. 33.

 

FELTRIM, Victor Kfouri Palma. "A (in) possibilidade da aplicação da ação controlada na Lei 12.850/2013 (Lei de Organizações Criminosas) frente a súmula 145 do STF." Direito-Tubarão (2018). p. 23.

 

MEIRA, José Boanerges, et al. "A colaboração premiada e processo penal brasileiro: uma análise crítica." Virtuajus 2.3 (2017). p. 32.

 

MENDONÇA, Andrey Borges de. "A Colaboração premiada e a nova Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/2013)." Revista Custos Legis. Vol. 4 – 2013, p.4.

 

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Comentários à lei de combate ao crime organizado: Lei n° 12.850/13. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1.

 

MICHAEL, Andréa. “Crime Organizado funciona como holding, diz estudioso”. Folha. In. CAMPOS, Lidiany Mendes e SANTOS, Nivaldo dos. "O Crime Organizado e as prisões no Brasil." Artigo Científico, CONPEDI, ciências penais UFG (2004), p. 2.


[1] Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC). Pós-graduando em Docência do Ensino Superior pela Universidade Federal de Campina Grande. Pós-Graduando em Direito Constitucional pela Faculdade Futura de São Paulo. Bacharel em Direito pela Faculdade São Francisco da Paraíba (2017). Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade São Francisco da Paraíba (2019) e em Direito Público pela Faculdade Legale de São Paulo (2020). Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito e Assuntos Internacionais (GEDAI/UFC). Aprovado no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Servidor Público Efetivo na Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado da Paraíba. E-mail: ewertonduartecz@gmail.com

[2] Advogada. Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC). Bacharela em Direito pela Universidade de Fortaleza (2012). Membro do Núcleo de Estudos Aplicados Direito, Infância e Justiça (NUDIJUS/UFC) e do GEDAI/UFC. Membro do Conselho Jovem da OAB/CE. E-mail: mayaralp.adv@gmail.com

[3] Graduando em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pesquisador do GEDAI/UFC. Pesquisador bolsista do projeto “Proteção e Promoção dos Direitos Humanos no Brasil à luz de casos emblemáticos da Corte Regional Interamericana: Controle de Convencionalidade e Desafios de Integração Normativa”, e do Laboratório Internacional de Investigação em Transjurisdicidade (LABIRINT), vinculados à UFPB. Estagiário junto ao MPF-PB. E-mail: matheusbarreto14@hotmail.com


[4] MICHAEL, Andréa. “Crime Organizado funciona como holding, diz estudioso”. Folha. In. CAMPOS, Lidiany Mendes e SANTOS, Nivaldo dos. "O Crime Organizado e as prisões no Brasil." Artigo Científico, CONPEDI, ciências penais UFG (2004), p. 2.

[5] CAMPOS, Lidiany Mendes e SANTOS, Nivaldo dos. Op. Cit. p. 4.

[6] “Considera-se Organização Criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”

[7] DA SILVA, Eduardo Araújo. Organizações criminosas: aspectos penais e processuais da Lei nº 12850/13. São Paulo: Atlas, 2014, p. 33.

[8] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Comentários à lei de combate ao crime organizado: Lei n° 12.850/13. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. P. 1.

[9] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 20. ed. Saraiva. 2013.

[10] AVENA, Norberto. Processo Penal: Esquematizado. 5. ed. atual. e ampl. São Paulo. Método. 2013. P. 150.

[11] MENDONÇA, Andrey Borges de. "A Colaboração premiada e a nova Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/2013)." Revista Custos Legis. Vol. 4 – 2013, p.4.

[12] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 20. ed. Saraiva. 2013.

[13] CABETTE, Eduardo Luiz Santos; NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. Criminalidade organizada & globalização desorganizada: curso completo de acordo com a lei 12.850/13. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2014

[14] FELTRIM, Victor Kfouri Palma. "A (in) possibilidade da aplicação da ação controlada na Lei 12.850/2013 (Lei de Organizações Criminosas) frente a súmula 145 do STF." Direito-Tubarão (2018). P. 23.

[15] FELTRIM, Victor Kfouri Palma. Op. Cit. P. 25

[16] CUNHA, Rogério Sanches. Crime organizado – comentários à nova Lei sobre o Crime Organizado – Lei nº 12.850/2013. Juspodivm, 2013. P. 95


Este artigo reflete a opinião de seus autores e não necessariamente a opinião do IBDPE.
Este espaço é aberto aos Associados do IBDPE! Para submeter seu artigo, envie uma mensagem para contato@ibdpe.com