A importação da cegueira deliberada para imputação subjetiva no delito de lavagem de capitais
Por: Richarde Pereira da Silva Júnior[1]
Os sistemas jurídicos, tais como o anglo-saxão (common law) e o românico-germânico (civil law) destinam-se há tempos como fontes basilares para a construção jurídico normativa de diversos países ao redor do mundo (Brasil, Espanha, Portugal, Singapura, EUA, Inglaterra). Considerando a multiplicidade de litígios que despontam rapidamente em um universo repleto de mudanças sociais e a dificuldade de enfrentá-los, o ordenamento jurídico brasileiro tem adotado, comumente, as teorias jurídico-penais surgidas no common law cuja aplicação corresponde à possibilidade de punibilidade ante conflitos jurídico-penais complexos, como o de lavagem de capitais. Tal fato é reflexo da sensação de insegurança crescente e dos novos riscos que chamam o Estado a solucionar. [2]
À vista disso, pouco se discute no país, com raríssimas exceções, a problemática profunda acerca da importação de uma dessas teorias, qual seja, a chamada cegueira deliberada (willful blindness doctrine). A teoria, em alguns casos judiciais, vem sendo reiteradamente utilizada pelo judiciário brasileiro, sendo equiparada ao dolo eventual.
Já bem difundida no sistema da common law, mais especificamente nos EUA, por influência do caso inglês Regina vs. Sleep - 1861. Nos Estados Unidos menciona-se que, embora não se saiba ao certo qual foi a extensão da sua aplicabilidade pela Corte, tem-se que a teoria foi discutida, inicialmente, no litígio United States vs. Spurr - 1899.[3] No primeiro caso, na Inglaterra, o imbróglio diz respeito ao desvio de bens do Estado e no segundo, nos Estados Unidos, à emissão de cheques sem fundos em um Banco de Nashville, capital do Estado de Tennessee.
Usualmente conhecida como cegueira deliberada (willful blindness doctrine), ela se traduz pelo desconhecimento fático, deliberado (racional) em relação aos indícios ou práticas de determinada ação delituosa que haveria a capacidade de se ter consciência, caracterizando-se, ainda, como a pretérita viabilidade de determinado agente de ter tido o conhecimento sobre o cometimento de um delito e a sua diligência (ativa ou passiva) quando do momento de tal conhecimento. Em outras palavras: seria a ignorância voluntária em relação à prática criminosa em contrariedade a determinado tipo penal, o escolher não ver.
Dito isso, a linha defensiva do artigo é o de que: (i) o sistema românico-germânico (civil law) que estrutura o ordenamento jurídico no país é inviável para se aderir a uma tipificação penal subjetiva (no caso de lavagem de capitais) como a da cegueira deliberada, cunhada no sistema jurídico da common law, logo, diverso ao brasileiro que se irrompeu, em verdade, apenas para solucionar uma lacuna de imputação existente entre o conhecimento (knowledge) e o descuido (recklessness). Ao passo que: (ii) já há no país arcabouço dogmático o suficiente para uma possível imputação subjetiva, sendo desnecessária a importação da teoria. E que: (iii) inexiste até o presente momento, tampouco existiram ou quiçá está em passos de desenvolvimento quaisquer critérios mínimos, objetivos ou razoáveis que sistematizam, dogmaticamente e logicamente, a aplicação da referida teoria pelos Tribunais brasileiros.
Em breves linhas, a discussão se irrompeu, de início, quando o Poder Judiciário Federal do Ceará a adotou para sentenciar réus por lavagem de dinheiro no caso do furto ao Banco Central no ano de 2005.[4] Embora a sentença tenha sido reformada por instância superior posteriormente (TRF5), foi a partir daí que a teoria se introduziu na jurisprudência brasileira. Posteriormente, notabilizou-se novamente na Ação Penal 470, nacionalmente conhecida como “mensalão”, esquema de pagamento de vultosos valores a parlamentares que apoiassem politicamente o governo federal. À época, o Ministro Celso de Mello decidiu aplicar a teoria no crime de lavagem de capitais, bem como a Ministra Rosa Weber que também decidiu utilizá-la. E mais recentemente, foi novamente discutida e adotada em algumas ações penais no âmbito da chamada “Operação Lava Jato”.
Quando o artigo defende a impossibilidade da importação da referida teoria há que se falar, naturalmente, da sua adoção na Espanha, país cujo ordenamento também se baliza no civil law, motivo pelo qual alguns dos defensores da implantação da teoria no ordenamento brasileiro defendem a sua adoção. Entretanto,“há peculiaridades e vicissitudes inerentes aos respectivos sistemas de imputação criminal de cada país, notadamente a delimitação do conceito legal de dolo, presente no Brasil, mas ausente na Espanha”, como bem assinala Lucchesi.[5] O ponto central, portanto, é “que a simples menção da legislação estrangeira não referenda e não é tão simples para justificar o pretendido, pois o seu teor é diverso do que, no Brasil, se encontra.”[6]
Como se vê, o ordenamento jurídico brasileiro não deve se escorar no ordenamento jurídico espanhol pretendendo justificar a importação da teoria, porquanto mesmo que os sistemas dos dois países procedam da semelhante estrutura romano-germânica, isto, por si só, não justifica a importação da “willful blindness”; eis que: (i) a delimitação dolosa presente na Espanha distingue-se da brasileira e, naquele país, também carece de interpretação unânime e (ii) o Brasil já possui arcabouço normativo o suficiente para imputação subjetiva nos moldes em que se destina a cegueira deliberada e (iii) ainda é inútil para o sistema penal continental “nos moldes em que formulada no âmbito do common law”, conforme, neste caso, bem defende Lucas Pardini.[7]
No que se refere à imputação subjetiva no direito penal brasileiro, especificamente no crime de lavagem de capitais, entendido como aquele que busca dar vistas de legalidade a valores e bens de origem ilícita, temos que a sua concretização só se daria por meio da modalidade dolosa, pois inexiste modalidade culposa. O dolo, portanto, seria identificado por meio do conhecimento de bens ou valores visando “ocultar ou dissimular sua natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade, ou com a assunção do risco de produzir um ou mais desses resultados”.[8] E uma imputação possível, em tais casos, seria por meio do já conhecido dolo eventual, que “com a possibilidade de se imputar a prática de lavagem a título de dolo eventual, seria possível viabilizar uma resposta penal julgada apropriada para esse feixe de casos”,[9] o que dispensaria, logo, a importação da cegueira deliberada.
A enorme vagueza da teoria traz sérios riscos quando da sua aplicação no crime de lavagem, porque acaba por adotar termos que ainda inexistem critérios objetivos que os tipifiquem, tais como: “adquirir”, “vender”, “oferecer”, “ter em depósito”, “transportar”, “trazer consigo” ou “guardar”, termos cabíveis no crime de tráfico de drogas - casos em que se aplica a teoria nos EUA - que diferem-se dos termos usualmente utilizados para a imputação do crime de lavagem de capitais, tais como o de ocultação e dissimulação.[10] Fato pelo qual “qualquer que seja a teoria adotada em relação ao elemento subjetivo, o dolo no direito pátrio sempre exige, ao menos, conhecimento acerca dos elementos objetivos da norma incriminadora”,[11] o que implica, necessariamente, ao menos a mínima sistematização, sem vagueza vocabular, para a imputação no caso do crime de lavagem de capitais.
Logo, conclui-se que a figura do dolo, dotada de critérios de objetividade no ordenamento jurídico brasileiro, não é equiparável à teoria da cegueira deliberada. Ademais, que nos casos do crime de lavagem de capitais, ainda inexiste objetividade nas imputações por conta da enorme vagueza vocabular existente em nosso ordenamento, motivo pelo qual é urgente o desenvolvimento da figura dolosa pela doutrina e jurisprudência nos casos em que se tem em pauta o conhecimento do agente, e não de importação da teoria da cegueira deliberada cuja elaboração se deu para resolver, exclusivamente, um problema de lacuna de imputação existente no ordenamento anglo-saxão (common law).
[1] Graduando do curso de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Intern at - Tauil & Chequer | Mayer Brown (Corporate e Securities - Energy | Oil & Gas)”. Membro da Equipe de Competição e Estudos em Arbitragem da UFRJ - ECEArb. Membro Alumni da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial - Brasil (CAMARB).
Contato: E-mail: richardejunior21@gmail.com.
Telefone: (19) 9844- 44080. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6963598762869543
[2] HERNANDES, Camila Ribeiro. A impossibilidade de aplicação da teoria da cegueira deliberada ao crime de lavagem de capitais no direito penal brasileiro. Dissertação (Pós-Graduação em Direito Público) – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018, p. 19.
[3] PARDINI, Lucas. Imputação dolosa do crime omissivo impróprio ao empresário em cegueira deliberada. Dissertação (Programa de Pós Graduação em Direito - Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019, p. 22.
[4] Processo crime n. 2005.81.00.014586-0.
[5] LUCCHESI, Guilherme Brenner. A punição da culpa a título de dolo: o problema da chamada "cegueira deliberada". Tese (Tese em Direito) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2017, p. 63-64.
[6] SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. A aplicação da teoria da cegueira deliberada nos julgamentos da Operação Lava Jato. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 24, n. 122, p. 255-280, 2016.
[7] PARDINI, Lucas. Imputação dolosa do crime omissivo impróprio ao empresário em cegueira deliberada. Dissertação (Programa de Pós Graduação em Direito - Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019, p. 29.
[8] HERNANDES, Camila Ribeiro. A impossibilidade de aplicação da teoria da cegueira deliberada ao crime de lavagem de capitais no direito penal brasileiro. Dissertação (Pós-Graduação em Direito Público) – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018, p. 54.
[9] LUCCHESI, Guilherme Brenner. A punição da culpa a título de dolo: o problema da chamada "cegueira deliberada". Tese (Tese em Direito) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2017, p. 65.
[10] LUCCHESI, Guilherme Brenner. A punição da culpa a título de dolo: o problema da chamada "cegueira deliberada". Tese (Tese em Direito) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2017, p. 66.
[11] HERNANDES, Camila Ribeiro. A impossibilidade de aplicação da teoria da cegueira deliberada ao crime de lavagem de capitais no direito penal brasileiro. Dissertação (Pós-Graduação em Direito Público) – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018, p. 163.
BIBLIOGRAFIA
HERNANDES, Camila Ribeiro. A impossibilidade de aplicação da teoria da cegueira deliberada ao crime de lavagem de capitais no direito penal brasileiro. Dissertação (Pós-Graduação em Direito Público) – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.
LUCCHESI, Guilherme Brenner. A punição da culpa a título de dolo: o problema da chamada "cegueira deliberada". Tese (Tese em Direito) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2017.
PARDINI, Lucas. Imputação dolosa do crime omissivo impróprio ao empresário em cegueira deliberada. Dissertação (Programa de Pós-graduação em Direito - Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019.
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. A aplicação da teoria da cegueira deliberada nos julgamentos da Operação Lava Jato. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 24, n. 122, p. 255-280, 2016.
Este artigo reflete a opinião de seus autores e não necessariamente a opinião do IBDPE.
Este espaço é aberto aos Associados do IBDPE! Para submeter seu artigo, envie uma mensagem para contato@ibdpe.com
Nova lei de licitações: Em meio ao espírito punitivista, uma abolitio criminis
Por: Guilherme Brenner Lucchesi[1] e Maria Victoria Costa Nogari[2]
No que se refere ao preceito primário dos dispositivos penais, a nova lei, em sua maior parte, operou continuidade normativo-típica.
Foi promulgada a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos - lei 14.133, de 2021. O inciso I do art. 190 da nova Lei determinou a revogação dos crimes previstos nos arts. 89 a 108 da lei 8.666, de 1993, e introduziu dentro do rol dos "Crimes Contra a Administração Pública" o Capítulo II-B intitulado "Dos crimes em licitações e contratos administrativos". Assim, na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos não há mais previsões específicas quanto a crimes licitatórios, tal como dispunha a Lei n.º 8.666.
Foram inseridos onze tipos no Código Penal - arts. 337-E a 337-O -, mas apenas o último é novo tipo penal incriminador ("omissão grave de dado ou de informação por projetista"). Em relação às condutas que já eram criminalizadas pela Lei n.º 8.666 - arts. 337-E a 337-N -, a maioria sofreu modificações no preceito secundário, com o aumento das penas cominadas e alteração do regime de detenção para reclusão (novatio legis in pejus). Aliás, o crime de violação de sigilo em licitação (art. 337-J, CP) foi o único que manteve integralmente o preceito secundário da antiga redação, prevista na Lei n.º 8.666.
No que se refere ao preceito primário dos dispositivos penais, a nova lei, em sua maior parte, operou continuidade normativo-típica1, com a manutenção da incriminação das condutas criminalizadas pela lei 8.666. Consequentemente, permanece hígida a persecução penal dos fatos cometidos antes da vigência desses novos (já conhecidos) tipos penais.
A exceção ficou por conta do art. 337-E do Código Penal ("contratação direta ilegal"), que reproduziu apenas parcialmente a redação do art. 89 da lei 8.666 e, assim, opera-se a abolitio criminis da conduta de "deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade".
Observe-se que o art. 89 da lei 8.666 criminalizava as condutas de "dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade". Repare-se que o novo art. 337-E, introduzido no CP pela lei 14.133, criminaliza a conduta de "admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei". O legislador, claramente, deixou de fora uma das condutas criminalizadas pelo revogado art. 89:
Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público. |
Art. 337-E. Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. |
Para ficar ainda mais claro, sublinha-se que o art. 89 da lei 8.666 veiculava três tipos penais mistos alternativos, de ação múltipla ou de conteúdo variado (aquele em que a prática simultânea/sucessiva de mais de uma conduta configura crime único): (i) "dispensar", (ii) "inexigir" licitação fora das hipóteses previstas em lei ou (iii) "deixar de observar as formalidades" a ela pertinentes2. A incriminação destas condutas foi mantida em sua maior parte no art. 337-E do CP.
Houve, porém, a abolitio criminis quanto à conduta omissiva própria de "deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade". Disso decorre a incidência retroativa do art. 337-E do CP - na parte que descriminalizou a conduta - mesmo aos processos judiciais com sentença transitada em julgado, conforme determina o parágrafo único do art. 2.º do CP.
Frise-se que, em relação à conduta descrita na segunda parte do art. 89 da lei 8.666 não houve continuidade normativo-típica, tal como nos demais crimes em licitações agora previstos no CP. Isso porque, na vigência da lei 8.666, o tipo penal abolido incidia justamente quando se tratasse de uma situação que autorizaria a dispensa ou inexigibilidade de licitação, mas ao fazê-la o servidor público descumpria algum dos preceitos normativos previstos na lei de regência para proceder essa dispensa ou essa inexigibilidade3.
Vale dizer, aquele que deixa de observar as formalidades relativas à dispensa ou inexigibilidade de licitação não pratica a conduta de contratação direta ilegal. Assim, "deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade" não se amolda aos preceitos veiculados no novo art. 337-E - "admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei". Deste modo, não é possível sustentar a manutenção da criminalização da conduta prevista no art. 89 da lei 8.666 pelo novo art. 337-E do CP.
Essa mudança em benefício do acusado é surpreendente se cotejada com o maior rigor empregado pela nova lei aos crimes em licitações de um modo geral. Repisa-se que nove das dez condutas que já eram criminalizadas pela lei 8.666 sofreram novatio legis in pejus, tendo suas penas aumentadas e/ou alterado o seu regime de detenção para reclusão.
À vista disso, embora a abolitio criminis da modalidade prevista na segunda parte do art. 89 da lei destoe do espírito punitivista que permeia as alterações promovidas nos dispositivos penais pela lei 14.133, a doutrina já há algum tempo posiciona-se pela inconstitucionalidade da criminalização4 ou mesmo pela irrelevância penal da conduta em questão5.
Mesmo no âmbito legislativo, a Comissão de Juristas destinada à elaboração do Anteprojeto de Código Penal no Senado - composta por Luiz Flávio Gomes e Luiz Carlos Gonçalves, sob a presidência de Gilson Dipp - também já debatia em 2012 sobre a necessidade de se estabelecer a desnecessidade de pena em relação à conduta de "deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade"6.
Natural que aventassem a desnecessidade de aplicação de pena ao agente público que praticasse essa conduta. Tomada a "higidez" da Administração Pública como bem jurídico tutelado pelo art. 89 da lei 8.666, o delito era classificado como de perigo abstrato7. Ao inexigir ou dispensar licitação quando a lei a impõe, o gestor público pratica uma ação que coloca em perigo a lisura e transparência na contratação pública que, se tivesse sido realizada por meio do procedimento licitatório tal como legalmente imposto, permitiria a ampla competição e a observância da isonomia concorrencial8.
Entretanto, na conduta abolida, a hipótese era mesmo de dispensa ou inexigibilidade de licitação. Vale dizer, são situações em que a própria lei excepciona a exigência do procedimento licitatório para a contratação pública, de sorte que a regra geral de exigência de licitação não teria sido ilegalmente suprimida com a prática da conduta. Simplesmente, o agente público descumpriu uma das formalidades estabelecidas para não licitar, o que não representa nem mesmo um crime de perigo abstrato ao bem jurídico tutelado.
Em suma, com a segunda parte do art. 89 da lei 8.666, o legislador criminalizava mero error in procedendo praticado pelo agente público que erra no aspecto formal da execução do ato administrativo9, o que é, evidentemente, um exagero. Eventual violação nesse sentido pode ser satisfatoriamente resolvida no plano administrativo, com a aplicação das sanções que lhe são próprias. Mais desproporcional ainda tal conduta ser sancionada com a pena de três a cinco anos, a mesma cominada às condutas em que não se realiza o procedimento licitatório nas hipóteses em que não é dispensado ou inexigível.
Absolutamente acertada, portanto, a descriminalização da conduta de "deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade" prevista no art. 89, segunda parte, da lei 8.666, decorrente da nova Lei de Licitações. A razão consiste, basicamente, no fato de não se identificar na conduta descrita um bem jurídico punível pela mais grave das sanções, pelo uso do instrumento de ultima ratio, que é o Direito penal.
A conduta do agente público que comete erro administrativo, descrita na segunda parte do art. 89, não causa lesão ou colocação em perigo a bem jurídico algum - este entendido como "dados ou finalidades necessários para o livre desenvolvimento dos cidadãos, a realização de seus direitos fundamentais"10. Além de que, a respectiva conduta (se for o caso) sujeita-se às sanções da esfera administrativa, de sorte que buscar a sua evitação por meio da ameaça penal viola o princípio da subsidiariedade, em verdadeiro abuso do poder punitivo estatal.
________________
1 O mesmo ocorreu, v.g., com a revogação do art. 214 do CP (atentado violento ao pudor) e inclusão de seu conteúdo normativo-típico nos arts. 213 (estupro) e art. 217-A (estupro de vulnerável). Ver STJ, 5.ª T., HC 217.531/SP, rel. min. Laurita Vaz, DJe 2 abr. 2013.
2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito penal das licitações. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 143.
3 PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 399.
4 Sobre a conduta incriminada na segunda parte do art. 89, comenta BITENCOURT: "A rigor, temos dificuldade em aceitar a constitucionalidade dessa criminalização, que peca pelo excesso, violando, em outros termos, o princípio da proporcionalidade, considerando-se que mero error in procedendo, além de indevidamente criminalizado, e' sancionado com pena de três a cinco anos de detenção e multa". BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito penal das licitações. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 148.
5 Sobre a conduta incriminada na segunda parte do art. 89, comenta JUSTEN FILHO: "Se os pressupostos da contratação direta estavam presentes, mas o agente deixou de atender à formalidade legal, a conduta é penalmente irrelevante." JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 17. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 1399.
6 O tipo penal elaborado no Anteprojeto do Código Penal foi redigido da seguinte forma: "Art. 316. Deixar de observar as formalidades legais pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade de licitação, quando cabíveis: Pena - prisão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Nos casos em que não houve prejuízo concreto à Administração Pública, o juiz poderá, examinando a culpabilidade do agente, deixar de aplicar a pena por ser desnecessária." Disponível em: clique aqui. Acesso 7 abr. 2021.
7 LEITE, Alaor. Dolo e o crime de dispensa ou inexigência ilegal de licitação (art. 89 da Lei 8.666/1993) interpretação restritiva do tipo penal, responsabilidade penal do gestor público e a relevância jurídica da opinião técnica da procuradoria do município (STF, Inq. 2.482/MG). Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 104, p. 13-30, set-out. 2013.
8 BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito penal das licitações. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 132.
9 BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito penal das licitações. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 148.
10 ROXIN, Claus. O conceito de bem jurídico crítico ao legislador em xeque. Revista dos Tribunais, vol. 922, p. 291-322, ago. 2012.
[1] Professor da Faculdade de Direito da UFPR. Doutor em Direito pela UFPR. Mestre pela Cornell Law School (EUA). Attorney-at-law inscrito no New York State Bar. Advogado sócio da Lucchesi Advocacia.
[2] Acadêmica de Direito da UFPR. Associada ao Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico. Estagiária da Lucchesi Advocacia.
As provas obtidas por intermédio do Whatsapp e os Crimes perpetrados contra o Mercado Financeiro: entre a preservação da cadeia de custódia e a eficiência da persecução penal
Por: Iuri do Lago Nogueira Cavalcante Reis[1], Yuri Coelho Dias[2] e Leandro Barbosa da Cunha[3]
Introdução
No âmbito dos delitos perpetrados por organizações criminosas contra o Mercado Financeiro Nacional, dada a complexidade das relações jurídicas hodiernamente envolvidas, é comum que os agentes eventualmente infratores necessitem se manter em contínua comunicação através de aplicativos virtuais de troca de mensagens (como Whatsapp e Telegram, Facebook Messenger, por exemplo), a fim de estruturar o planejamento e a execução dos crimes, evidenciando que os registros das mensagens em seus celulares e aparelhos eletrônicos em geral podem se constituir como importantes elementos probatórios para subsidiar a persecução criminal e o consequente desmantelamento de tais organizações criminosas.
Entretanto, não se pode prescindir da observância da veracidade das provas obtidas por tais meios, porquanto as mensagens, muitas vezes, podem não apresentar a rigidez suficiente para lastrear uma hipotética condenação, vez que é relativamente simples alterá-las ou, de algum modo, modificar seus conteúdos a partir de softwares de edição ou de programação. Por isso, dada a importância do assunto, o presente texto propõe uma reflexão sobre a viabilidade jurídica do uso de provas obtidas por meio do Whatsapp no contexto dos crimes cometidos contra o mercado financeiro nacional.
A proteção do mercado financeiro contra as organizações criminosas e os limites do uso de provas obtidas por meio do espelhamento de conversas Whatsapp
A sociedade contemporânea é marcada pela enorme dinamicidade dos meios e dos veículos de comunicação, os quais, em questão de segundos, são capazes de transmitir um número muito elevado de informações entre os mais variados interlocutores. No entanto, não obstante os aparatos tecnológicos propiciem grandes avanços à humanidade, há de se ter em vista que determinadas pessoas, munidas de má-fé e de intuito delitivo, acabam por empregar a tecnologia em prol de atividades criminosas visando a facilitar a obtenção do produto do ilícito, ou ainda, a mascarar e a ocultar as operações realizadas.
Principalmente perante o mercado financeiro brasileiro, a fim de lograrem êxito na violação dos bens jurídicos tutelados, por exemplo, pela Lei n.º 7.492/1986, as mais complexas organizações criminosas se valem de esquemas muito sofisticados, os quais, na prática, não costumam ser descobertos pelos meios convencionais de prova, de modo que, por vezes, torna-se necessário celebrar um acordo de colaboração premiada com um dos membros integrantes da organização com intuito de obter mais informações[4], ou, até mesmo, realizar a quebra de sigilo para auxiliar na continuidade da persecução criminal instaurada.
De toda sorte, seja mediante delação premiada, seja através de revelações anônimas ou de outras vias, é comum que se busque comprovar a autoria dos crimes perpetrados contra o sistema financeiro nacional por meio de screenshots (ou prints) de conversas do Whatsapp (ou Telegram) que o suposto infrator manteve com outras pessoas, porquanto tendem a ser escassas as provas diretas da prática delitiva (dado que há um grande número de agentes intermediários, vulgos “laranjas”) e as montas de dinheiro ilícito são rotineiramente ocultadas pelo embranquecimento de capitais[5].
Afinal, os esquemas delitivos no mercado financeiro assumem um alto nível de estratificação hierárquica entre os membros da organização, de modo a praticamente blindar seus autores intelectuais contra a investigação policial. Por este motivo, as screenshots das conversas mantidas contribuem para revelar a dinâmica de funcionamento dos grupos, bem como o modo pelo qual se dava a distribuição das tarefas entre os integrantes, a identificação de seus coautores e partícipes, o modus operandi das atividades delitivas, dentre outros aspectos que são importantes para desmantelar a organização criminosa.
Não obstante, há de se ter em vista que prints e screenshots colhidos do Whatsapp nem sempre retratam algo verdadeiro. Isso porque é possível, por exemplo, manipular alguns tipos de conversa ao excluir certas mensagens, ou, até mesmo, empregar métodos bem mais engenhosos para modificar os códigos de programação do aplicativo objetivando alterar o conteúdo daquilo que efetivamente ocorreu. Sem contar que, por intermédio de softwares tais quais Photoshop, Paint, iPiccy, Photoscape – dentre outros –, é possível modificar de maneira praticamente ilimitada as screenshots já existentes na memória de um disco rígido.
Por outro lado, também não parece razoável desprezar por completo as provas obtidas por meio de conversas do Whatsapp tão somente pelo fato de que elas potencialmente podem ser manipuladas, haja vista que tal solução implicaria, em certos casos, na impossibilidade de se promover a persecução criminal, ou de condenar os agentes infratores que ocupam os postos hierarquicamente superiores nas organizações criminosas e que quase sempre se valem de terceiros para manter a prática delitiva no âmbito do mercado financeiro[6].
Analisando a situação retratada acima, no acórdão proferido no RHC n.º 99.735-SC em 27 de novembro de 2018, o Superior Tribunal de Justiça se posicionou no sentido de que a as screenshots obtidas por meio do espelhamento da ferramenta Whatsapp Web constituiriam prova ilícita, já que seria possível, em tese, tanto visualizar conversas que ocorrem em tempo real (tal qual numa interceptação telefônica), quanto editar, excluir ou enviar novas mensagens, de modo que se trataria de um meio de obtenção de prova híbrido que não foi expressamente adotado pelo Processo Penal Brasileiro.
Ademais, em recente julgado de 23 de fevereiro de 2021 no AgRg no RHC n.º 133.430/PE, a 6ª Turma da Corte Superior reiterou, por unanimidade, o entendimento de que provas obtidas por meio de screenshots da tela do Whastsapp Web seriam ilícitas devido ao fato de não apresentarem uma cadeia de custódia que possa ser verificada. No contexto, dois réus foram apontados por denúncias anônimas, juntamente com prints da tela do Whatsapp Web, de que ambos seriam corruptos. Em seguida, o relator, o até então Ministro Nefi Cordeiro, destacou que as screenshots seriam provas ilícitas e que deveriam ser desentranhadas, haja vista que o espelhamento realizado via Whatsapp Web permitiria a edição e a exclusão de mensagens, sem que isso deixasse qualquer vestígio.
De toda sorte, os referidos precedentes não inviabilizam o reconhecimento da licitude das provas obtidas por meio de screenshots do Whatsapp, mas tão somente daquelas que digam respeito ao espelhamento feito pela ferramenta do Whatsapp Web, dada a possibilidade de edição em tempo real. A autenticidade dos prints, portanto, deve ser aferida de acordo com o caso concreto, de modo que não é possível dissertar em abstrato sobre a viabilidade jurídica de tais meios de prova, sob pena de comprometer a investigação dos crimes de gestão temerária, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, dentre outros que se inserem nos complexos esquemas delitivos das organizações criminosas.
O emprego de ata notarial costuma ser um mecanismo bastante utilizado na prática jurídica hodierna a fim de garantir que as screenshots colhidas do Whatsapp não sofreram nenhum tipo de modificação visual por algum software. Entretanto, embora seja uma opção totalmente válida, não se pode negar que o tabelião somente narrará aquilo que ele de fato viu, o que não assegura por completo que, previamente, o print não tenha sofrido algum tipo de manipulação, ou ainda, que determinadas mensagens possam ter sido enviadas ou excluídas pelos destinatários, de modo a evidenciar que a ata notarial, não obstante seja útil, não é um instrumento capaz de garantir uma análise técnica do conteúdo do Whatsapp.
Conforme consta na norma ABNT NBR ISO/IEC 27037:2013, a qual foi criada pela Organização Internacional de Padronização (ISO), cuja finalidade é a de preservar a evidência digital por meio da padronização dos procedimentos, há uma série de protocolos de coleta e de isolamento para garantir o máximo de integridade da cadeia de custódia das provas e, por consequência, que os dados preservados não venham a ser objeto de manipulações posteriores tal como poderia ocorrer no Whatsapp Web.
Ou seja, a princípio, somente um perito técnico, após aplicar diversos procedimentos metodologicamente estipulados, é que poderia assegurar se as mensagens que constam no aplicativo Whatsapp de um determinado smartphone efetivamente são verossímeis, ou se são fruto de algum tipo de edição, seja fotográfica, seja de programação. Do contrário, sem um exame profundo, ter-se-ia tão somente o registro descritivo daquilo que foi visto – que não necessariamente é real, conforme já explicado.
Contudo, na prática, é sabido que nem sempre as screenshots obtidas pelo Whatsapp podem ser submetidas a tempo a algum tipo de perito ou profissional informático, de modo que deixam de ser observadas as regras que constam da ISO/IEC 27037:2013. Apesar disso, não há uma implicação direta de que a cadeia de custódia da prova foi violada, haja vista que a análise da veracidade dos prints não pode se dar de maneira isolada, isto é, em detrimento do contexto fático-probatório envolvido.
Afinal, a presença de outras provas que corroborem para demonstrar no mesmo sentido aquilo que é retratado é um elemento nevrálgico para o julgador (RAMOS, 2021, p. 546), dado que passam a funcionar como uma espécie de conhecimento prévio acerca dos fatos, permitindo, neste caso, que o juiz pondere se as screenshots obtidas por meio do espelhamento de conversas do Whatsapp apresentam algum grau de correspondência biunívoca àquilo que foi exposto pela Denúncia, ou ainda, alguma correlação com os elementos de informação levantados durante o inquérito policial.
Ademais, também é de nevrálgica importância considerar o sentido no qual as palavras que constam nos prints foram empregadas, bem como o contexto em que se deu a conversa entre os interlocutores. Há, portanto, uma série de elementos que devem ser ponderados pelo Juiz a fim de analisar eventual ilicitude nas screenshots coletadas do Whatsapp, de modo que não se pode concluir que o desentranhamento é necessário em todas as situações existentes, vez que inexiste óbice legal ou jurisprudencial expressos quanto ao emprego de provas de tal jaez em sede processual penal.
Conclusão
A dinâmica da atuação das organizações criminosas no âmbito dos crimes contra o Mercado Financeiro Nacional, devido ao seu alto grau de sofisticação, tende a ocultar quem são os verdadeiros autores intelectuais dos delitos perpetrados – que quase sempre envolvem complexas técnicas de lavagem de dinheiro –, de modo que o espelhamento de conversas coletadas do Whatsapp pode colaborar para que se efetue o desmantelamento de tais organizações criminosas.
Entretanto, ante a impossibilidade de se reconhecer, em abstrato, o respeito à cadeia de custódia da prova, mostra-se imprescindível que o magistrado, quando da análise do contexto fático-probatório e dos elementos de informação existentes, busque sempre que possível o respaldo nos exames técnicos dos peritos a fim de averiguar a veracidade das screenshots, ou, no mínimo, que avalie o caso concreto em conformidade com as outras provas já existentes nos autos, visando a atestar se são lícitos os prints que foram coletados por espelhamento das supostas conversas que ocorreram no Whatsapp, pois, ao revés, deverão ser desentranhados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SILVA, Eduardo Araújo da. Organizações criminosas: Aspectos penais e processuais da Lei 12.850/2013. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.
RAMOS, Vitor de Paula. Da Necessidade de Corroboração Probatória para a Reconstrução de Sentidos em Diálogos Obtidos por Interceptações Telefônicas. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 7, n. 1, p. 537-566, jan.-abr. 2021.
CALLEGARI, André Luís. WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Atlas, 2014.
[1] Mestrando em Direito Econômico e Desenvolvimento no IDP. Endereço: QL 18, Conj. 06, Casa 19, CEP nº 716.50-065, telefone: (61) 9 9273-4748, iuri@cavalcantereis.adv.br.
[2] Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento no IDP. Endereço: QL 18, Conj. 06, Casa 19, CEP nº 716.50-065, telefone: (61) 9 9995-8824, yuri.dias@cavalcantereis.adv.br.
[3] Graduando em Direito pelo UniCEUB. Endereço: QL 18, Conj. 06, Casa 19, CEP nº 716.50-065, telefone: (61) 9 9644-4745, leandro@cavalcantereis.adv.br.
[4] Sobre a engenhosidade das organizações criminosas, confira-se: SILVA, Organizações criminosas, p. 53 e ss.
[5] Um exemplo claro disto é a recente Operação Circus Maximus, na qual dezessete pessoas foram denunciadas por provocar um prejuízo patrimonial de mais de 348 milhões de reais ao Banco de Brasília (BRB).
[6] No mesmo sentido: CALLEGARI; WEBER, Lavagem de Dinheiro, p. 25 e ss.
A urgência de critérios para as nulidades penais
Por: Daniel Zaclis
O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação aos processos da Lava Jato contra o ex-presidente Lula trouxe à tona, uma vez mais, o difícil tema das nulidades penais: a possibilidade de que a Justiça, revendo seus próprios atos, declare nula (sem efeitos) uma série de decisões - às vezes, uma ação inteira - em razão de erros processuais.
Como um manual de instruções, as regras de processo penal preveem a forma, a anatomia, dos atos processuais. Há um juiz competente para cada caso. Há uma maneira de citar o indivíduo contra quem recai a acusação. Há um jeito correto de interrogar o réu. O respeito a essas formas confere legitimidade à pena imposta pelo Estado.
Ao mesmo tempo - e aqui está a causa de muitas confusões -, a inobservância das regras processuais nem sempre ocasiona a invalidação do processo. Nem todo vício do processo gera nulidade, uma vez que as formas dos atos não constituem um fim em si mesmo. Cada regra processual detém uma finalidade específica, que pode estar explícita ou implícita no ordenamento jurídico. Se o defeito não afetar tal finalidade, em tese os atos processuais devem permanecer intactos.
Por isso, o sistema de nulidades tem uma viga-mestre: a regra do prejuízo. Nenhum ato deve ser anulado se não houver prejuízo às partes. Nascido no Direito francês, em pleno século XVII, o adágio “pas de nullité sans grief” (sem dano, não há nulidade) surge como reação dos tribunais para conter a arbitrariedade dos reis, que à época detinham o poder absoluto para decidir sobre a nulidade dos processos judiciais. Hoje, a regra do prejuízo evita que processos sejam anulados por preciosismos ou erros insignificantes, reservando a sanção de nulidade apenas para os casos em que houver a comprovação de um prejuízo para acusação ou defesa.
Em tese, a regra do prejuízo faz sentido. No entanto, há um enorme dissenso sobre sua aplicação prática; por exemplo, quais critérios utilizar para a aferição do prejuízo ou mesmo quais hipóteses em que o prejuízo é inerente ao próprio vício. O resultado é uma aplicação caótica, gerando grande insegurança jurídica.
Há casos em que o prejuízo é evidente. Não se questiona, por exemplo, a nulidade de uma sentença condenatória proferida por um juiz que é irmão da vítima. Ainda que existam provas consistentes para embasar a condenação, o prejuízo existe inegavelmente.
Em outros casos, no entanto, a solução não se mostra tão trivial. Como demonstrar o prejuízo, por exemplo, da ausência de intimação para o acusado comparecer em audiência para oitiva de testemunha de acusação? Ora, uma vez que ele não esteve presente no ato, impossível fazer um juízo hipotético de como poderia sido - quais perguntas seriam feitas, etc. - com o seu comparecimento. É razoável, portanto, haver hipóteses em que o prejuízo seja presumido.
No entanto, diante da falta de critérios claros, os tribunais têm ignorado a maioria dos defeitos cometidos no processo penal, sob a justificativa de ausência de demonstração do prejuízo. Trata-se de uma saída simplista que, além de não resolver o problema, estimula a condução de processos de forma irregular.
A própria separação, existente na doutrina, entre nulidades absolutas (insanáveis) e relativas (sanáveis) hoje é fluida. Não raras vezes, um tribunal caracteriza um erro como nulidade relativa e, no julgamento seguinte, esse mesmo erro é tratado como nulidade absoluta.
Além disso, a legislação a respeito das nulidades está defasada. Enquanto os demais temas relevantes do Código de Processo Penal sofreram profundas modificações, o capítulo das nulidades permanece o mesmo desde a década de 40 do século passado. Tal descompasso, gerador de muitas incongruências e distorções, ficou ainda mais acentuado depois da Constituição de 1988, com a expressa previsão de inúmeros direitos do acusado.
O atual quadro abre um perigoso flanco para a discricionariedade judicial. Se a eventual anulação de atos processuais está sujeita à mera interpretação pessoal de cada julgador, sem critérios minimamente objetivos, o resultado são decisões contraditórias, desprovidas de racionalidade e geradoras de insegurança e perplexidade.
Grandes operações investigativas foram – e, a permanecer o atual quadro, ainda serão – extintas num cenário de aplicação problemática, sem critérios objetivos, das nulidades. E não se pode culpar aqueles que recorrem aos tribunais para ver restabelecido o devido processo.
É imperiosa a necessidade de se estabelecer um marco sólido no tratamento das nulidades. Conceitos abstratos, manipuláveis caso a caso, são incapazes de oferecer um mínimo de segurança em assunto de tamanha relevância.
Na discussão sobre as nulidades, o que está envolvido é muito mais do que um conjunto de regras. É a possibilidade de que qualquer cidadão - seja qual for sua cor, credo, partido ou condição financeira - seja julgado de maneira igualitária. Sem critérios seguros para lidar com as anomalias, a própria finalidade do processo se torna inócua.
Daniel Zaclis é advogado, mestre e doutorando em Direito Processual Penal pela USP e sócio do CAZ Advogados.
O presente artigo foi originalmente publicado na edição de 2 de junho de 2021, no jornal O Estado de São Paulo.
Este artigo reflete a opinião de seus autores e não necessariamente a opinião do IBDPE.
Este espaço é aberto aos Associados do IBDPE! Para submeter seu artigo, envie uma mensagem para contato@ibdpe.com
BITCOIN E DIREITO PENAL: UMA BREVE ANÁLISE DA MOEDA VIRTUAL COMO MEIO PARA O CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL
David Montezuma Mota Ribeiro1
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo fomentar a discussão acerca da importância do bitcoin para o Direito Penal Econômico, com foco no Direito Penal Tributário do Brasil, por meio de uma análise comparativa entre o entendimento jurídico brasileiro e o europeu acerca do tema. Além disso, o trabalho, de forma mais aprofundada, analisa os meios os quais a anonimização das criptomoedas auxilia na prática de crimes de sonegação fiscal, delitos estes tipicamente previstos no art. 1º da Lei 8.137/90. Destarte, este artigo foi construído por meio de pesquisa bibliográfica e documental acerca do tema, com o fito de elucidar as questões levantadas e produzir embasamento teórico.
Palavras-chave: bitcoin. sonegação fiscal. moeda virtual. crime. direito penal.
ABSTRACT: The following article intends to escalate the discussion concerning the importance of bitcoin to Criminal and Economic law, focusing on Brazil Criminal and Tributary law, by means of a comparative inquiry on brazilian and european juridical awareness in the matter. Furthermore, this paper, in a more thorough manner, analyzes the ways in which the anonymous nature of cryptocurrencies facilitates tax evasion crimes, predicted upon Article 1, Section 8.137/90. Correspondingly, this article was composed by means of bibliographic and documental research on the subject, seeking to elucidate the cited inquiries and to produce theoretical foundation.
Keywords: bitcoin. tax evasion. digital currency. crime. criminal law.
1 INTRODUÇÃO
De forma crescente, as criptomoedas, em especial o bitcoin, têm adquirido um grande destaque tanto midiático, quanto mercadológico, sendo uma moeda em circulação que tem chamado atenção da comunidade econômica e jurídica, seja local ou internacional2. Diante desse contexto, o presente artigo propõe abordar a relevância tributária que possuem os bitcoins, por meio da decisão do do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no caso C-264/14 – Hedqvist3, refletindo assim no engajamento do Poder Legislativo, Judiciário e das doutrinas modernas brasileiras acerca do tema. Além disso, no segundo tópico será abordado os impactos da anonimização das criptomoedas via coin mixing4, técnica que torna esses criptoativos mais propícios a se tornarem meios para a prática das condutas descritas no art. 1º da Lei 8.137/905.
Ademais, o referido trabalho possui o objetivo de fomentar, mesmo que sem esgotar o assunto, o debate acerca da relevância tributária das criptomoedas no âmbito brasileiro e dos impactos que a sua anonimização pode causar na seara do Direito Penal. Além disso, o artigo utiliza como metodologia a pesquisa bibliográfica, documental e jurisprudencial por meio da análise qualitativa.
2 DA RELEVÂNCIA DO BITCOIN PARA O DIREITO PENAL ECONÔMICO E PARA O DIREITO TRIBUTÁRIO
Quando falamos do bitcoin como moeda de troca e, logicamente, como objeto de estudo do Direito Penal Tributário, entramos em um debate que busca resolver o conflito entre a utilização da moeda virtual na compra e venda em contraposição à ausência de disciplina normativa acerca do tema, sobretudo em território brasileiro, sendo este último ponto motivo para que muitos autores defendem que o bitcoin não pode ser considerada moeda6.
Com fim na melhor explanação, o Direito Tributário Brasileiro nasce e é desenvolvido a partir da leitura dos clássicos europeus. Diante desta propositura, é imperativo que se considere a análise comparativa entre as normas e entendimentos desenvolvidos no Tribunal Europeu para com o ordenamento jurídico brasileiro7.
A União Européia possui entendimento firmado quanto à tributação dos bitcoins na atividade de câmbio8. Explicitamente, a decisão do do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no caso C-264/14 – Hedqvist9, que buscava resolver o litígio entre a Administração Fiscal da Suécia e o empresário David Hedqvist na incidência de Imposto de Valor
Acrescentado (IVA) sobre operações cambiais com bitcoins, decidiu que as consequências jurídico tributárias de se operar com bitcoin ou com qualquer moeda estrangeira são as mesmas10.
A principal discussão do caso verifica-se à extensão da interpretação do Arts 2°, n.1; 24°, n. 1 e 135, n. 1, da Diretiva 2006/112/CE, para que se incida tributariamente nas operações de câmbio entre divisas virtuais e divisas tradicionais, considerando a prática como prestação de serviço para fins de IVA; bem como a possível isenção dos tributos referidos no art. 135, n. 1, especificamente na alínea “e”, segundo o qual os Estados-membros isentam as operações, incluindo a negociação, relativas a divisas, papel-moeda e moeda com valor liberatório. Assim, afirma Melissa Castello (2019, p. 12):
Ainda que haja essa diferença, o Tribunal pontua que a justificativa para isentar as operações com moedas também está presente quando a operação se dá com moedas virtuais: a dificuldade em definir a base de cálculo do tributo também ocorre neste caso. Por consequência, interpretar a regra de isenção do art. 135, I, e como limitada às operações com moedas tradicionais “equivaleria a privar essa disposição de uma parte dos seus efeitos” (UNIÃO EUROPEIA, 2015a), motivo pelo qual o TJUE estende a regra de isenção às divisas virtuais.
O anonimato jurídico, portanto, é a principal característica do bitcoin que pode ser considerado uma das maiores adversidades para os estudiosos do ramo do Direito. A dificuldade de rastreamento da moeda virtual e a impossibilidade de reembolso nas transações, exigindo a boa-fé quase cega de seus usuários, caracterizam as nocividades que fomentam preocupações jurídica, sobretudo para fins penais11.
Em relação aos aspectos tributários do bitcoin, em maio de 2017 a Receita Federal passou a tratar a moeda virtual como uma espécie de ativo financeiro, incluindo-o na declaração anual do Imposto de Renda, devendo ser declarado na Ficha Bens e Direitos na modalidade de “outros bens”12. Já no âmbito da legislação, tem-se dois projetos de lei, sendo estes o PL n° 3825, de 201913 do Senado Federal e o PL n° 206014 do mesmo ano na Câmara dos Deputados, que tratam, respectivamente, da regulamentação dos serviços referentes a operações realizadas com criptoativos em plataformas eletrônicas de negociação e do regime jurídico destas moedas.
Além disso, no Comunicado n° 25.306/201415 do Banco Central, é alertado que as moedas virtuais não podem ser confundidas com “moedas eletrônicas”16, estas que são tratadas na Lei n° 12.865 e diferem por não serem emitidas nem garantidas por nenhuma entidade monetária, mas sim por entidades e pessoas diversas17. Ainda, segundo a perspectiva de Guilherme Broto Follador (2017, p. 91)18:
Ademais, chama a atenção para a sua volatilidade e para o fato de que elas “... não têm garantia de conversão para a moeda oficial…”, de modo que todo o risco de sua aceitação fica nas mãos dos usuários. Por fim, alerta para o risco de as criptomoedas serem usadas para o financiamento de atividades ilícitas, bem como para os riscos relacionados a perdas patrimoniais em função de ataques pela Internet.
Em consonância, com a influência européia na história do ordenamento jurídico braisliero, além da análise dos autores citados, torna-se evidente a importância que o bitcoin possui como objeto de estudo para o Direito Tributário, bem como também para o Direito Penal Tributário como meio para que se pratique delitos fiscais, como será explicitado adiante.
3 BITCOIN COMO UM FACILITADOR PARA O CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL
Este tópico abordará o estudo do bitcoin como um instrumento viabilizador do delito de sonegação fiscal. Portanto, a análise tomará como base os crimes de sonegação fiscal previstos no art. 1° da Lei 8.137 de 1990, que estabelece em seu caput que “constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório”19.
À Vista disso, a Receita Federal Brasileira exige que anualmente sejam declaradas as moedas virtuais de pessoa física20. Sendo uma das principais características das criptomoedas a anonimização de sua propriedade, é de extrema dificuldade a prova por parte das autoridades competentes a fim de comprovar a omissão por parte do contribuinte21, tornando-se um meio eficiente que viabiliza o crime de sonegação fiscal previsto no art. 1º , inciso I, da Lei 8.13722.
Em consonância, a privacidade das criptomoedas, bem como sua dificuldade de rastreamento, pode ser atingida por meio do coin mixing, técnica que também pode ser utilizado para fins de evasão fiscal23. Para explicitar melhor, as criptomoedas possuem um número de identificação que facilita seu rastreamento por meio de sua respectiva blockchain24, dessa forma, o recurso de coin mixing utiliza da fungibilidade das criptomoedas para preservar sua privacidade por meio da mistura de criptoativos diferentes para, ao final, possuir moedas virtuais com números de identificação completamente diferentes dos iniciais25.
Destarte, os principais defensores do coin mixing afirmam que o recurso é necessário para fins de que se garanta a privacidade não para cometer crimes, mas sim como uma forma de preservar um direito fundamental26. Todavia, o debate acerca do tema permanece polêmico, uma vez que a não declaração das moedas sem liame subjetivo não caracteriza crime de sonegação fiscal27, sendo das autoridades fiscais o ônus de comprovar a existência do dolo da vítima, ou seja de identificar as moedas virtuais que foram utilizadas como meio para se atingir a evasão fiscal.
4 CONCLUSÃO
Inicialmente, o primeiro tópico evidenciou a relevância das criptomoedas para o âmbito tributário brasileiro, abordando a perspectiva europeia no litígio entre a Administração Fiscal da Suécia e o empresário David Hedqvist acerca da incidência de Imposto de Valor Acrescentado (IVA) sobre a tributação de criptoativos.
Em seguida, mostrou-se que é cada vez mais preocupante a utilização do bitcoin como meio para a prática dos crimes presentes no art. 1° da Lei 8.137/90, omitindo as declarações obrigatórias de moedas digitais para as autoridades competentes e impossibilitando o rastreio do número de registro dessas moedas virtuais por meio de coin mixing.
Destarte, é imperativo que os juristas brasileiros estejam envolvidos nas discussões acerca do tema, em vista da importância econômica e consumerista que as criptomoedas adquiriram e os riscos emergentes para o sistema financeiro que surgem de ausência de segurança jurídica e de legalidade nas transações.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITTENCOURT, Luiz. O MERCADO DAS CRIPTOMOEDAS: ENFRENTAMENTO À
SONEGAÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA. Florianópolis, 2020. 79 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito). Universidade do Sul de Santa Catarina.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n° 2060, de 2019. Dispõe sobre o regime jurídico dos Criptoativos. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node0mercpijvus 6t1xzm22yf36pqh3206320.node0?codteor=1728497&filename=PL+2060/2019. Acesso em: 30 abril. 2021. Texto Original.
. Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária Diário, econômica e contra as relações de consumo e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 28 dez. 1990.
. Lei 12.865, de 9 de outubro de 2013. Diário Oficial da União, Brasília, 10 out. 2013.
. Senado Federal Brasileiro. Projeto de Lei n° 3825, de 2019. Disciplina os serviços referentes a operações realizadas com criptoativos em plataformas eletrônicas de negociação. Disponível em:
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7973487&ts=1619553189842&dispos ition=inline. Acesso em: 30 abril. 2021. Texto Original.
CASTELLO, Melissa Guimarães. Bitcoin é moeda? Classificação das criptomoedas para o direito tributário. Revista Direito GV, v. 15, n. 3, 2019, e1931. doi: http://dx.doi.org/10.1590/ 2317-6172201931.
DIONÍSIO, Mariana. Tratamento Jurídico das Criptomoedas: a dinâmica dos bitcoins e o crime de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Vol. 7, n° 3, p. 44-59, 2017.
FOLLADOR, Guilherme. Criptomoedas e Competência Tributária. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Vol. 7, n° 3, p. 80-104, 2017.
MESSA, Ana F; ZANELLA, Everton. Aspectos Controvertidos dos Crimes Contra a Ordem Tributária. In: BOSSA, Marcelo. Crimes Contra a Ordem Tributária. Almedina, 2020. p. 17-46.
PANORAMA CRYPTO. Caso nos EUA levanta questões em torno da fungibilidade do bitcoin e criptoativos. Disponível em:
https://panoramacrypto.com.br/caso-nos-eua-levanta-questoes-em-torno-da-fungibilidade-do- bitcoin-e-criptoativos/. Acesso em: 30 abril. 2021.
PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 8ª ed. Editora Forense, 2018. p. 1-533. SILVEIRA, Renato. “CRIPTOCRIME”: CONSIDERAÇÕES PENAIS ECONÔMICAS
SOBRE CRIPTOMOEDAS E CRIPTOATIVOS. Revista de Direito Penal Econômico e Compliance. vol. 1. 2020.
1 Graduando em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), membro pesquisador do Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais (GEDAI) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
2 FOLLADOR, Guilherme. Criptomoedas e Competência Tributária. Revista Brasileira de Políticas Públicas,
Vol. 7, n° 3, p. 80-104, 2017.
3 UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça Europeu. Acórdão da Quinta Secção no caso C-264/14 – Hedqvist. Julgado em 22 out. 2015a. Acesso em: 27 abril. 2021. Disponível em: http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30d62d24c0982c064fa1acdeb3b259a2f635.e34KaxiLc3qM
b40Rch0SaxyMbN50?text=&docid=170305&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1& cid=894165.
4 BITTENCOURT, Luiz. O MERCADO DAS CRIPTOMOEDAS: ENFRENTAMENTO À SONEGAÇÃO DO
IMPOSTO DE RENDA. Florianópolis, 2020. 79 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito). Universidade do Sul de Santa Catarina.
5 BRASIL. Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária Diário, econômica e contra as relações de consumo e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 28 dez. 1990.
6 CASTELLO, Melissa Guimarães. Bitcoin é moeda? Classificação das criptomoedas para o direito tributário.
Revista Direito GV, v. 15, n. 3, 2019, e1931. doi: http://dx.doi.org/10.1590/ 2317-6172201931.
7 FOLLADOR. Op. Cit.
8 Ibidem.
9 UNIÃO EUROPEIA. Op. Cit.
10 CASTELLO. Op. Cit.
11 DIONÍSIO, Mariana. Tratamento Jurídico das Criptomoedas: a dinâmica dos bitcoins e o crime de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Vol. 7, n° 3, p. 44-59, 2017.
12 Ibidem.
13 BRASIL. Senado Federal Brasileiro. Projeto de Lei n° 3825, de 2019. Disciplina os serviços referentes a operações realizadas com criptoativos em plataformas eletrônicas de negociação. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7973487&ts=1619553189842&disposition=inline. Acesso em: 30 abril. 2021. Texto Original.
14 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n° 2060, de 2019. Dispõe sobre o regime jurídico dos Criptoativos. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node0mercpijvus6t1xzm22yf36pqh 3206320.node0?codteor=1728497&filename=PL+2060/2019. Acesso em: 30 abril. 2021. Texto Original.
15 FOLLADOR. Op. Cit.
16 Segundo a Lei 12.865 moedas eletrônicas são “recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento” (BRASIL. Lei 12.865, de 9 de outubro de 2013. Diário Oficial da União, Brasília, 10 out. 2013.).
17 BRASIL. Lei 12.865, de 9 de outubro de 2013. Diário Oficial da União, Brasília, 10 out. 2013.
18 FOLLADOR. Op. Cit.
19 BRASIL. Op. Cit.
20 SILVEIRA, Renato. “CRIPTOCRIME”: CONSIDERAÇÕES PENAIS ECONÔMICAS SOBRE CRIPTOMOEDAS E CRIPTOATIVOS. Revista de Direito Penal Econômico e Compliance. vol. 1. 2020.
21 Ibidem.
22 Segundo o texto do Art. 1°, inciso I:
“Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias” (BRASIL. Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária Diário, econômica e contra as relações de consumo e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 28 dez. 1990.).
23 BITTENCOURT. Op. Cit.
24 trazer a definição de blockchain
25 BITTENCOURT. Op. Cit.
26 PANORAMA CRYPTO. Caso nos EUA levanta questões em torno da fungibilidade do bitcoin e criptoativos.
Disponível em:
https://panoramacrypto.com.br/caso-nos-eua-levanta-questoes-em-torno-da-fungibilidade-do-bitcoin-e-criptoativ os/. Acesso em: 30 abril. 2021.
27 PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 8ª ed. Editora Forense, 2018. p. 1-533.
Este artigo reflete a opinião de seus autores e não necessariamente a opinião do IBDPE.
Este espaço é aberto aos Associados do IBDPE! Para submeter seu artigo, envie uma mensagem para contato@ibdpe.com
Tributação de terço de férias e necessidade de modulação de efeitos no âmbito penal
Por: Thiago Diniz Nicolai e Renata Rodrigues de Abreu Ferreira
Desde fevereiro de 2014 vigorava o posicionamento jurisprudencial, fixado pelo Superior Tribunal de Justiça, de que a natureza jurídica do terço de férias era indenizatória e, portanto, não deveria ser incluído no cálculo da contribuição patronal. Contudo, em agosto do ano passado, esse entendimento foi alterado pelo Supremo Tribunal Federal que, por ocasião do julgamento do recurso extraordinário nº. 1.072.485, decidiu pela sua tributação.
No entanto, durante esses últimos seis anos, diante entendimento consolidado pelo STJ, muitas empresas deixaram de recolher tributos sobre o terço constitucional das férias – amparadas ou não por decisões de primeira e/ou segunda instâncias. De acordo com Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat), o passivo tributário existente por conta dessa situação está na casa dos R$ 80 bilhões.
Em razão da relevância da matéria e possível impacto na economia nacional, a Suprema Corte, em sede de embargos de declaração, decidirá no próximo dia 28 de abril, qual será o alcance temporal de tal decisão: a chamada modulação de efeitos. Isto é, discute-se se a Receita Federal poderá ou não cobrar valores retroativos, que não foram pagos no passado (durante a vigência do entendimento do STJ), das empresas que deixaram de contabilizar o terço de férias no cálculo da contribuição previdenciária patronal ou se a cobrança somente será passível de cobrança dali (da ata de julgamento) em diante.
A verdade é que, como bem ressaltado pelo Ministro Barroso, a decisão da Corte pode reverberar, inclusive, sobre outras matérias. Por isso, é imprescindível que a deliberação leve em consideração todas as consequências jurídicas possíveis advindas da alteração jurisprudencial, isso inclui – ainda que a título de obter dictum – a modulação de efeitos penais.
Do contrário, poder-se-á vivenciar um efeito cascata, afinal, em relação aos fatos pretéritos, os contribuintes estariam obrigados a pagar os valores devidos ou a depositá-los em juízo – tal qual, em certa medida, já se tem observado no âmbito das reversões das decisões anteriormente proferidas – ou serão autuados pela Receita Federal. Assim sendo, se observará a lavratura de uma enxurrada de autos de infração que, consoante a multa arbitrada, poderão culminar em uma representação para fins criminais, dando ensejo a uma investigação criminal.
Eis que para evitar-se que o contribuinte “pague o pato” duas vezes nessa dissonância de entendimentos das Cortes superiores, é crucial que o Supremo anteveja essa situação e, desde já, se posicione quanto à impossibilidade de inauguração de persecução penal contra os contribuintes pelos fatos pretéritos, abarcados durante a vigência do entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
Ainda que evidentemente estejam tais contribuintes em uma situação de inconsciência de ilicitude, não se deve deixar que essa análise fique a cargo das instâncias inferiores, não só porquanto isso geraria um atolamento desnecessário do já tão abarrotado Judiciário, mas também pelo elevado risco de violação ao princípio da isonomia sob a óptica da igualdade de tratamento entre sujeitos processuais que se encontram em situação jurídica idêntica.
Ora, especialmente em casos como este, cujo precedente fora produzido em caráter repetitivo – portanto, vinculativo às instâncias inferiores – é que, para salvaguardar valores tão imprescindíveis, como a confiança e a segurança jurídica, se aplica a prospective overruling.
Afinal de contas, como nos ensina Canotilho, “o homem necessita de uma certa segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se considerou como elementos constitutivos do Estado de direito o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança do cidadão”[1].
Como se sabe, o princípio da proteção da confiança (Vertrauensschutzprincip) decorre da legítima expectativa do destinatário (in casu o contribuinte) oriundo de um ato (decisão consolidada do STJ) específico que origina essa confiança[2], sendo certo que este princípio também toma assento na seara jurisprudencial, a qual também se enquadra entre as fontes de direito.
O mesmo sucede em relação à segurança jurídica. Por óbvio, “é diferente falar em segurança jurídica quando se trata de caso julgado e em segurança jurídica quando está em causa a uniformidade ou estabilidade da jurisprudência. Sob o ponto de vista do cidadão, não existe um direito à manutenção da jurisprudência dos tribunais, mas sempre se coloca a questão de saber se e como a protecção da confiança pode estar condicionada pela uniformidade, ou, pelo menos, estabilidade, na orientação dos tribunais”[3].
Não por outro motivo, senão precisamente para evitar zonas obscuras como a que ora se vivencia, é que o legislador estabeleceu, no § 3º do artigo 927 do Código de Processo Civil, que, na “hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”.
Nessa mesma linha já apontava a Lei de introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942), estabelecendo, em seu artigo 23, que “a decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais”.
Sendo assim, espera-se que nessa nova retomada da discussão os Ministros do STF não se olvidem de debater a respeito, também, da necessária modulação dos efeitos penais.
Thiago Diniz Nicolai. Sócio do escritório Malheiros Filho, Meggiolaro e Prado – Advogados.
Renata Rodrigues de Abreu Ferreira Advogada do escritório Malheiros Filho, Meggiolaro e Prado – Advogados. Mestre e doutoranda em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra.
[1] Canotilho, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional, 6ª ed., Coimbra: Almedina, 1993, p. 370.
[2] Araújo, Valter Shuenquener de. O princípio da proteção confiança: Uma Nova Forma de Tutela do Cidadão Diante do Estado, 2ª ed., Impetus, p. 83.
[3] Canotilho, Op. cit., p.381/382 –grifamos.
Este artigo reflete a opinião de seus autores e não necessariamente a opinião do IBDPE.
Este espaço é aberto aos Associados do IBDPE! Para submeter seu artigo, envie uma mensagem para contato@ibdpe.com
Crimes econômicos no âmbito do Direito Tributário
Jorge Couto de Alencar[1] e Thainara Ribeiro Caminha[2]
O Direito Penal Econômico é uma especialização do direito que objetiva estudar e regular os crimes praticados contra a ordem econômica. Ana Flávia Messa e Everton Luiz Zanella (2020, p. 22) ao discutir a origem desse ramo do direito destacam ser algo recente, tendo seu nascimento ocorrido no século passado e surgido pela necessidade de se caracterizar os crimes cometidos sobre os bens coletivos e difusos. Sendo a ordem econômica e financeira, pela sua importância para o funcionamento o bem protegido no Direito Penal Econômico.
Como dito anteriormente, o Direito Penal Econômico visa proteger a ordem econômica. Entretanto, como destaca Regis Luiz Prado (2018, p. 05), o conceito de ordem econômica é objeto de natureza ambígua podendo ser definida tanto como a “regulação jurídica da intervenção do Estado na economia” como quanto a “regulação jurídica da produção, distribuição e consumo de bens e serviços”. O autor nos lembra que ao consideramos Direito Penal Econômico e ordem econômica devemos pensar qual definição pode ser utilizada de modo mais satisfatório ao tratarmos de bem jurídico a ser protegido, podemos concluir que os bens a ser protegidos são a organização estatal na economia e a organização, desenvolvimento e conservação dos bens econômicos.
De acordo com Alfredo Etcheberry (1964, p.99), delitos econômicos se encontram nas seguintes categorias: a) Crimes contra economia privada; b) crimes contra interesses econômicos de natureza social e c) Crimes contra a ordem pública econômica. No primeiro grupo estariam os crimes contra o patrimônio, no segundo as infrações tributarias aduaneiras e no último grupo constariam as normas e princípios que regem o processo econômico. O direito penal econômico vincula normas penais a todos os campos do direito econômico, assim como aos outros ramos do direito tais como o direito tributário, financeiro e trabalhista.
Como pode ser concluído pela definição acima o Direito Penal Econômico irá proteger uma ampla quantidade de tópicos, passando pela ordem tributária, monetária e relação de consumo além de outros setores relacionados a economia. Ana Flávia Messa e Everton Luiz Zanella (2020, p. 25) afirmam que esse ramo do direito é composto da união de normas penais com a tutela da ordem e da política econômica, objetivando alcançar uma ordem econômica justa, sendo esse um propósito essencial do Estado.
Os delitos abarcados pelo Direito Penal Econômico possuem como objeto situações nas quais meios clandestinos são utilizados para o alcance de vantagem comercial, lucro ou até mesmo o domínio de determinado setor do mercado. A intensificação do processo de globalização e o surgimento de novas tecnologias possibilitaram o desenvolvimento de organizações complexa que adotam práticas cada vez mais sorrateiras e que até parecerem estar travestidas de legalidade. Ao analisarmos esses delitos é importante ressaltar o fato de que muitas das condutas praticadas e dos ativos resultantes de tais situações são difíceis de serem rastreadas e fiscalizadas. Isso ocorre por ser frequente a lavagem desses ativos em um processo no qual os lucros obtidos de modo ilícito passam por transformações para que ele obtenha a aparência lícita (CAPEZ, 2020, p. 682). Apesar dessa difícil identificação, a investigação e punição desses delitos são fundamentais para a manutenção da ordem econômica de um país, visto que o custo resultante de tais práticas rende muito mais prejuízos econômicos e sociais que os demais crimes, sendo relevante salientar que crimes envolvendo o meio ambiente e a saúde pública são ilícitos que podem ocasionar graves prejuízos à coletividade, principalmente aos economicamente menos favorecidos.
Diante dessa nova realidade, grandes esquemas de fraude econômica financeira são idealizados e postos em práticas, na maioria das vezes, por pessoas detentoras de enorme poderio econômico, com grande influência social e até mesmo política. Popularmente a conduta realizada por tais agentes é denominada de “crimes de colarinho branco” (“White colar crimes”). Essa expressão foi utilizada por Edwin H. Sutherland quando de sua exposição na American Sociological Society (1945, p. 132-139). O termo “blue colar” tomou como referência a cor dos macacões utilizados por trabalhadores, referindo-se aos “crimes comuns”. Acredita-se que os prejuízos econômicos causados pelos crimes de colarinho branco são muito mais danosos para a sociedade de modo geral do que a totalidade de blue colar crimes (GERBER; JENSEN; KUBENA, 2007, p. 249).
Muito por conta de seus “status” perante a sociedade em geral, os autores de tais crimes por vezes não são vistos como criminosos e nem se tornam alvo de repúdio, como acontece em outras modalidades criminosas onde a conduta é amplamente rejeitada pela sociedade. No Brasil se pode observar que gradualmente essa visão vem sendo modificada e o sentimento “anticorrupção” é cada vez mais crescente, se exigindo assim, fiscalizações ainda mais intensas por parte dos órgãos responsáveis e punições efetivas aos autores.
A sonegação fiscal é um “crime de colarinho branco” de alto impacto para a saúde econômica de nosso país. O Sindicado Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, através de seu Sonegômetro, estima que apenas nos quatros primeiros meses de 2021 mais de 200 bilhões de reais foram sonegados no Brasil (SINDICATO NACIONAL DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL, 2021). Além de representar um enorme prejuízo aos cofres públicos, tal crime também acaba impactando negativamente na capacidade do Estado de cumprir com suas obrigações.
No âmbito empresarial, infelizmente, essa conduta é recorrente. É sabido que os tributos compõe uma parcela importante do preço final de qualquer produto e muitos empresários acabam encontrando na informalidade uma forma de baratear seu produto e assim sair na frente de seus concorrentes. Essa prática é extremamente lesiva visto que implica em concorrência desleal, pois uma empresa devidamente formalizada e que cumpre pontualmente suas obrigações fiscais e trabalhistas não concorre em pé de igualde com a sonegadora que por sua vez terá mais recursos em caixa e poderá oferecer seus produtos ao consumidor final por um preço mais atrativo, ou seja, a sonegadora acaba adquirindo uma vantagem indevida.
Dentre as razões que podem levar o empresário a decidir por sonegar podemos citar a complexidade do sistema tributário brasileiro. O Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) estima que desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 até o ano 2020 foram criadas, em média, 3,97 novas normas tributárias a cada dia útil (AMARAL et al., 2020). Essa infinidade de regras atua em conjunto com um sentimento de impunidade gerado pela falta de maior rigor nas fiscalizações e punições por parte dos órgãos públicos, resultando no uso de meios escusos com o objetivo de diminuir seus custos e aumentar seus lucros. Além disso, como dito anteriormente o crime de sonegação, por ser um “White crime colar”, possui pouca rejeição perante a sociedade.
O Estado tem trabalhado no combate da sonegação e de outros crimes de colarinho branco. O uso da Inteligência Artificial e a implementação de sistemas que integram as Administrações Tributárias dos entes federativos, como o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), por exemplo, tem aumentado a efetividade da atuação dos órgãos públicos. Além disso, com a promulgação da Lei Complementar nº 123, de 14.12.2006, foi criado um novo regime de tributação diferenciado denominado Simples Nacional, que é destinado às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, e conta com a participação de todos os entes federados, com isso, tem-se unificado e facilitado a arrecadação, assim como, a fiscalização de possíveis infrações cometidas pelos empresários e administradores.
Gradualmente, se percebe uma mudança na mentalidade e no modus operandi das empresas. A prática de cometer ilícitos vem dando lugar a um maior rigor aos processos internos de localização de delitos e imposição de uma cultura de conformidade com os órgãos de controle. Através de ferramentas como o planejamento tributário e o compliance os empresários buscam reduzir seus custos em relação a pagamento de tributos e demais encargos de forma legal, optando por práticas lícitas que gerem um ônus tributário menor e não mais precisando recorrendo a meios escusos como a sonegação fiscal, por exemplo.
Importante ressaltar que não estamos afirmando ser errado uma empresa desejar diminuir o montante que gasta com o pagamento de impostos e consequentemente obter maiores lucros, com uma gestão fiscal eficiente é possível se ter redução de custos que refletem positivamente na saúde financeira e econômica da empresa. É essencial, principalmente para sobrevivência no mercado, que o empresário procure por soluções que diminuam a onerosidade tributaria do negócio. Entretanto, isso deve ser feito de modo legal através de um planejamento tributário cuidadoso e que não haja confusão entre elisão e evasão fiscal.
O Planejamento tributário, que também pode ser denominado elisão fiscal possibilita boa economia fiscal ou mesmo a redução de tributos, através da prevenção e minuciosa análise da legislação vigente aplicável a empresa. O objetivo desse estudo é encontrar meios de diminuir a oneração fiscal dentro dos termos estabelecidos. Ou seja, o planejamento tem como finalidade evitar a incidência tributária, com isso, prevenindo a ocorrência do fato gerador do tributo. Dessa forma é fundamental para sua sobrevivência que uma empresa seja bem estruturada e assessorada contábil e juridicamente para que possa reduzir de forma legal o montante de tributos pagos evitando tanto o pagamento de créditos não devidos quanto o não pagamento de encargos dos quais está obrigado.
[1] Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), em Comunicação Social pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Cursando Especialização em Direito, Processo e Planejamentos Tributários pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
[2] Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Cursando Especialização em Direito, Processo e Planejamentos Tributários pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
Referências
AMARAL, Gilberto Luiz do et al. Quantidade de Normas Editadas no Brasil: 32 anos da constituição federal de 1988. 32 anos da Constituição Federal de 1988. 2020. Disponível em: https://ibpt.com.br/estudo-sobre-a-quantidade-de-normas-editadas-no-brasil-desde-a-ultima-constituicao-2020/. Acesso em: 23 abr. 2021.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. v. 4.
CHAYET, Ellen; WARING, Elin; WEISBURD, David. White-Collar Crime and Criminal Careers. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.
CREPALDI, Silvio. Planejamento Tributário: teoria e prática. 3. ed. Saraiva: Saraiva, 2019.
ETCHEVERRY, Alfredo. Objetividade Jurídica do Delito Econômico. Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, Rio de Janeiro, v. 2, n. 6, p. 99-107, jul./set. 1964.
GERBER, Jurg; JENSEN, Eric L.; KUBENA, Jiletta. Encyclopedia of White-Collar Crime. Lodon: Greenwood Press, 2007.
MESSA, Ana Flávia; ZANELLA, Everton Luiz. Aspectos Controvertidos dos Crimes contra a Ordem Tributária. In: CURY, Rogério. Direito Penal Econômico. São Paulo: Almedina, 2020. p. 18-47.
PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
SINDICATO NACIONAL DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL (Brasil). Sonegômetro. 2021. Disponível em: http://www.quantocustaobrasil.com.br/. Acesso em: 20 abr. 2021.
SUTHERLAND, Edwin H.. Is "White Collar Crime" Crime? American Sociological Review, Washington, v. 10, n. 2, p. 132-139, abr. 1945. SAGE Publications. http://dx.doi.org/10.2307/2085628.
Este artigo reflete a opinião de seus autores e não necessariamente a opinião do IBDPE.
Este espaço é aberto aos Associados do IBDPE! Para submeter seu artigo, envie uma mensagem para contato@ibdpe.com
Justificando a expressão “insignificante” dentro do §2º, II, do Acordo de Não Persecução Penal
Pedro Henrique Nunes1 Letícia Rodrigues Calaça2
Ao tratar sobre o “Pacote Anticrime”, que possui o objetivo de aperfeiçoamento da legislação penal e processual penal, os acordos de não persecução penal (ANPP) vieram como uma mudança significativa sobre os procedimentos pré-processuais. Firmado entre o Ministério Público e o acusado, um dos principais objetivos que perpassa os acordos de não persecução penal é a celeridade, e principalmente, a desburocratização para que se consiga otimizar o processo para a prevenção do crime e abarcar sua reprovação.
Dessarte, o ANPP encontra cabimento quando não há hipótese de arquivamento; o acusado tenha confessado a infração; e o delito compreende pena menor que 4 anos. Não existindo violência na conduta criminosa, o Ministério Público incorrerá no Acordo de Não persecução Penal quando puder albergar a reparação do dano, pagamento de prestação pecuniária, prestação de serviço à comunidade ou outras entidades públicas, dentre outras condições.
O legislador também cuidou de prever hipóteses específicas de não cabimento desses acordos (art. 28-A, §2º, do CPP). Dentre elas, o ponto chave desse artigo paira sobre a vedação no caso do réu que faz do crime uma atividade corriqueira (art. 28-A, § 2º, II). Nele, consta que o ANPP não se aplica “se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas”.
Com base em sua leitura, pode-se delinear situações em que o mencionado inciso não deixa margem para dúvidas em relação ao cabimento ou não do acordo de não persecução, como é o caso de condenação anterior por contravenção penal, já que o próprio artigo 63, do Código Penal, que trata da configuração da reincidência, menciona a necessidade de se estar diante do cometimento de um crime, de modo que a condenação por contravenção não obsta o ANPP.
Outra situação que também deixa pouco espaço para questionamentos é no caso de condenação por posse ou porte de drogas para consumo pessoal (art. 28, da Lei 11.343/06), já
que seria desproporcional não se considerar reincidente aquele que é condenado por contravenção penal, com pena de prisão simples, e considerá-lo aquele condenado pelo consumo de drogas, que nem sequer é punido com pena privativa de liberdade.3
Porém, ao lado dessas situações que, salvo melhor juízo, detêm pouca possibilidade de questionamento, a maneira como o dispositivo foi redigido - valendo-se do emprego de conceitos abertos e inéditos em nossa legislação penal - deixa-o sujeito a distintas interpretações em alguns pontos.
Logo de início, observa-se que o texto se vale dos conceitos “conduta criminal habitual, reiterada ou profissional”, cujo conteúdo pode ser questionável desde um ponto de vista democrático, por flertar com um direito penal do autor, e não do ato. Nesse mesmo sentido, sua própria aferição é alvo de controvérsias, havendo autores que defendem a possibilidade de se utilizar inquéritos policiais e processos em andamentos para demonstrar esses impedimentos.4 Outros sustentam que só seria possível de se preencher o preceito quando o agente deter maus antecedentes5 que indiquem, com clareza, a habitualidade delitiva, a reiterada prática de crimes ou o profissionalismo do agente.6
Mas o termo disposto no referido inciso em que o legislador deixou maior amplitude para interpretações está justamente em sua exceção. Conforme dispõe o final do dispositivo, ao reincidente e ao criminoso habitual, reiterado ou profissional, não se pode ofertar o acordo de não persecução penal, “exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas”.
E o que vem a ser, de fato, tais infrações “insignificantes”? Nesse sentido, a doutrina vem buscando se posicionar a fim de atribuir sentido à vagueza da lei.
Há autores que defendem que o legislador quis aqui se referir aos casos em que, inobstante a existência de tipicidade formal da conduta, verificar-se a carência de sua tipicidade material. Em outras palavras, a exceção contida ao final do inciso estaria a fazer referência às situações nas quais incide o princípio da insignificância.
Esse é o entendimento de Rodrigo Cabral, para quem “quando as infrações antecedentes forem consideradas como insignificantes (é dizer, apesar de dotadas de tipicidade formal, não importarem em relevante violação aos bens jurídicos tutelados) não incidirá a proibição do acordo”, citando como exemplo uma infração pretérita motivada pelo furto de bombons dentro de um estabelecimento comercial.7 Nessa mesma esteira segue Rodrigo Rodrigues, o qual argumenta que a parte final do referido inciso caracterizaria “a consagração legal do princípio da insignificância ou da criminalidade de bagatela”.8
Já Andrey Mendonça também aponta para a margem de apreciação que o legislador deixou para o operador no caso concreto. Porém, ao exemplificar situações em que a exceção em comento poderia ser aplicada, toma como norte eventuais atos infracionais de pequena monta cometidos pelo acusado. Para o autor, “Imagine-se, assim, um adolescente que teve vários atos infracionais por furto de valores insignificantes. Chegado à maioridade, caso venha a praticar um delito, pode ser, excepcionalmente, proposto o ANPP no caso concreto”.9
Porém, tal posicionamento parece concluir que a lei teria se valido da expressão “insignificante” de maneira totalmente desnecessária. Ora, é certo que partindo de um quadro de direito penal mínimo, se uma determinada conduta é insignificante, ela não poderá ser alvo de tutela penal. Conforme sustentam Melo e Broeto, “Não precisa muito para dizer que, se a infração penal é insignificante, de infração penal (crime ou contravenção) não se trata”.10
Portanto, tal interpretação acaba por desconsiderar o acréscimo feito em caráter de exceção pelo legislador ao final do dispositivo, o que não se sustenta.
Carvalho e Dias também discordam desse posicionamento inicial, porém chegando a conclusões diferentes. Para eles, “o princípio da insignificância exclui a própria infração penal, por atipicidade material, de modo que não há equivalência entre o princípio e o novo conceito
Porém, tal conclusão peca exatamente no mesmo ponto da anterior, tendo em vista que continuaria sendo desnecessário o acréscimo ao final do dispositivo, já que o artigo 28 não pode ser utilizado para fins de reincidência ou conduta criminal, habitual ou reiterada, tal como mencionado acima.
Assim, buscando uma interpretação que pudesse de fato conferir algum sentido à expressão “insignificantes as infrações penais pretéritas”, sem tornar o texto completamente inócuo, alguns autores sustentam que, nesse caso, enquadrar-se-iam os crimes de menor potencial ofensivo. O argumento é motivado pela baixa reprovabilidade existente nessas condutas - ainda que não necessariamente implique na aplicação do princípio da insignificância em todos os casos -, bem como considerando que, diferentemente das contravenções, são aptos a gerar os efeitos da reincidência, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça.12
Compactuando com essa interpretação, leciona Renato Brasileiro de Lima que “Revela-se inadequado, portanto, falar em infração penal pretérita insignificante, exatamente porque, ausente a tipicidade material, a infração penal jamais terá existido”. Ao que conclui “Por tais motivos, somos levados a crer que o legislador usou o termo insignificante em seu sentido vulgar, possivelmente se referindo às infrações de menor potencial ofensivo”.13
Santos também perfila esse entendimento, apontando que “relevada a (descomunal) impropriedade terminológica, mostram-se neutras, para fins de ANPP, condenações anteriores por infrações de menor potencial ofensivo, assim devendo ser interpretado o adjetivo insignificante.”14. Por fim, é justamente esta a interpretação defendida pelo próprio Ministério Público por meio do Enunciado n. 21 da Comissão Especial do Grupo Nacional de Coordenadores
de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), acerca da Lei Anticrime, equiparando-se a expressão “insignificantes” a “delitos de menor potencial ofensivo”.15
E com efeito, tal posicionamento parece ser aquele que melhor se amolda aos objetivos que levaram à instauração do ANPP em nosso ordenamento. Ora, tal instituto foi implantado sob a justificativa de proporcionar celeridade na resolução de casos menos graves, de modo a priorizar os recursos aos casos mais graves; minorar os efeitos deletérios de uma condenação penal; e desafogar os estabelecimentos prisionais.16
Então, se o objetivo do ANPP é justamente o de reduzir a massificação do sistema penal e seus efeitos, é coerente que o instituto não pode ser tomado como uma exceção ao réu. Por isso, a proposta de interpretar o final do inciso II, §2º, art. 28-A, do CPP, a fim de serem abarcados os crimes de menor potencial ofensivo, além de conferir um substrato ao texto legal e impedir de torná-lo inócuo, também é a que mais amplia seu alcance e permite o respaldo dos fundamentos de sua instauração em nosso ordenamento.
1 Graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Membro fundador e Coordenador do Núcleo de Estudos de Direito Penal Econômico da Universidade Federal do Paraná (NUPPE). E-mail: nunespedro1998@gmail.com.
2 Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Membra do Núcleo de Estudos de Direito Penal Econômico da Universidade Federal do Paraná (NUPPE). E-mail: leticia.calaca@ufpr.br.
3 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5ª Turma). Habeas Corpus nº 453.437/SP. Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. DJe 15/10/2018.
4 MENDONÇA, Andrey Borges de. Acordo de não persecução penal e o pacote anticrime (Lei 13.964/2019). In: GONÇALVES, Antonio Baptista. Lei Anticrime: Um olhar criminológico, político-criminal, penitenciário e judicial.
- ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
5 Valendo-se, para tanto, do que foi fixado pelo STF na tese de repercussão geral no RE 591.054, a fim de sustentar que a simples existência de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito em julgado não pode ser considerada como maus antecedentes.
6 NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote anticrime comentado. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 62.
7 CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do Acordo de Não Persecução Penal. 2ª ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2021. p. 120.
8 RODRIGUES, Rodrigo Alves. Principais Aspectos Do Acordo de Não Persecução Penal. Âmbito Jurídico. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-processual-penal/principais-aspectos-do-acordo-de- nao-persecucao-penal/. Acesso em 19/04/2021.
9 MENDONÇA, op. cit. RB-11.9.
10 MELO, Valber; BROETO, Felipe Maia. Acordo de não persecução penal e suas (relevantes) implicações no processo penal brasileiro. Olhar Jurídico. Disponível em: https://www.olharjuridico.com.br/artigos/exibir.asp?id=917&artigo=acordo-de-nao-persecucao-penal-e-suas- relevantes-implicacoes-no-processo-penal-brasileiro. Acesso em: 18/04/2021.
(infrações penais insignificantes) introduzido pelo legislador”.11 Sua conclusão, então, é a de que o único tipo criminal que se amolda à exceção em comento seria aquele previsto no já mencionado art. 28, da Lei de Drogas, tendo em vista sua tutela por medidas alternativas à pena de prisão.
11 CARVALHO, João Henrique M. C. de; DIAS, Ádhryans Wylly. As ‘infrações penais insignificantes’ segundo a Lei 13.964/2019. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/as-infracoes-penais-insignificantes- segundo-a-lei-13-964-2019-17072020. Acesso em: 19/04/2021.
12 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6ª Turma). Habeas Corpus nº 355.763/SP. Relator: Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Julgado em 21/06/2016. DJe 30/06/2016.
13 LIMA, Renato Brasileiro de. Pacote Anticrime: Comentários à Lei nº 13.964/19. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 228.
14 SANTOS, Marcos Paulo Dutra. Comentários ao pacote anticrime. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. P. 226.
15 Enunciado nº 21: Não caberá o acordo de não persecução penal se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas, entendidas estas como delitos de menor potencial ofensivo.
16 LIMA., op. cit. p. 219.
Este artigo reflete a opinião de seus autores e não necessariamente a opinião do IBDPE.
Este espaço é aberto aos Associados do IBDPE! Para submeter seu artigo, envie uma mensagem para contato@ibdpe.com
A Suspensão do Crédito Afeta a Materialidade do Crime Tributário?
João Vieira Neto[1]
O delito contra a ordem tributária só se consubstancia após o exaurimento da esfera administrativa e lançamento definitivo do tributo, à luz da Súmula 24 do STF, por ser o art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, de ordem material, com extensão aos crimes dispostos nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal. A exceção reside no art. 2º da Lei nº 8.137/90, em razão de não exigir para a sua consumação a produção de um resultado específico, pois este é formal.
Contextualizada a tônica deste ensaio, sem viés essencialmente doutrinário, até porque a construção das teses de Direito deverá discorrer de cognição reflexiva, face à possibilidade da estanqueidade da materialidade dos crimes tributários a partir da suspensão do crédito por decisão judicial, como causa prejudicial à análise de mérito e da persecução penal é o cerne da questão.
Não por menos, há muito se revela a necessidade de conjugar normas em prol de criar mecanismos de investigação dos delitos fiscais, seja por quebra de sigilos bancários, fiscais, ou outras medidas invasivas, aos olhos atentos do Poder Judiciário a fim de evitar excessos e devassas desprovidas de legalidade.
Contudo, deixou de ser incomum o manejo de ações anulatórias a afetar diretamente a higidez do crédito tributário sob diversas percepções quanto a matérias preliminares, ou até mesmo invocando a falta de reserva legal no que tange à aplicação das sanções administrativas, onde o ente de fiscalização impõe multas, juros e penas alheias aos regramentos pautando-se em consultas internas, em completo desapego à Constituição Federal.
Para tanto, a relevância do assunto em debate tem o prisma de demonstrar a desnecessidade do avanço punitivo penal quando, ainda que precariamente por intermédio de decisões cautelares, houver impugnação judicial do crédito tributário a contaminar a materialidade do crime fiscal, mercê da independência das esferas penal e administrativa.
Até porque, “Punir uma conduta materialmente atípica é admitir o uso do Direito Penal desvinculado da sua função legitimadora. Se não há lesão efetiva a um bem jurídico, o uso do Direito Penal não é mais que violência gratuita.”[2]
Na prática, os Magistrados Fazendários se deparam com o ajuizamento de ações anulatórias de débitos fiscais pautadas estritamente na ilegalidade da confecção de autos de infração e, de logo, deferem liminares no sentido de suspender a exigibilidade da cobrança, sob a premissa de proteger o contribuinte do excesso estatal de punição.
Nessa senda, quando uma decisão suspende a exigibilidade do crédito tributário por vergaste à gênese do ato administrativo, decerto, impede-se a sua cobrança judicial via execução fiscal ou qualquer ato de coação (inclua-se a persecução penal) ou cobrança direta ou indireta, nos termos do art. 151, V, do CTN, isto, inclusive, viabiliza a expedição de Certidão Negativa de Dívida.
E como se resolve a querela penal no seu nascedouro por inquérito policial ou já instrumentalizada em ação penal quando sobrestado o executivo fiscal? Simples! A conduta tipificada depende de um resultado e, obviamente, em havendo alguma causa prejudicial de sua salubridade, sendo por deferimento de medida liminar ou decisão de mérito na esfera judicial-fazendária há de se aguardar o seu trânsito em julgado, pois colide frontalmente no pressuposto básico da ação penal, em virtude de decorrer de ato administrativo materialmente nulo/inexistente, face ao defenestrado lançamento do tributo, além da própria (des)constituição do crédito, sob o comando dos artigos 93, caput, e 94, ambos, do CPP, porque para o reconhecimento da existência do tipo penal dependerá da resolução da questão cível.
Em guinada jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça vem, especialmente quanto à temática foco, revisitando vetusto entendimento para dissentir quando revelada a plausibilidade jurídica da tese, pois (agora) “A orientação desta Corte Superior disciplina que o simples ajuizamento de ação anulatória na esfera cível não configura óbice à persecução penal. Contudo, a procedência da ação anulatória, ou mesmo o deferimento de tutela provisória com suspensão da exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, V, do CTN, prejudica o exame da materialidade do delito tributário.” (STJ - RHC 113.294/MG, 5ª T., Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, j. 13/08/2019, p. DJe 30/08/2019).
Na linha de intelecção ventilada, “... constatando-se dúvida razoável sobre a própria materialidade do delito, materializada com o deferimento da medida liminar na ação anulatória, é aconselhável aguardar a definição da controvérsia no juízo cível, determinando-se a suspensão do inquérito policial...” (STJ - AgRg no RHC 66007/CE, 5ª T., Ministro RIBEIRO DANTAS, j. 28/04/2020, p. DJe 05/05/2020).
Primando-se no raciocínio lógico suso referido, em havendo o deferimento de tutela de urgência em ação anulatória de débito fiscal, com pauta a afetar diretamente o auto de infração, torna-se automática e razoável dúvida quanto à materialidade do delito-tributário, sendo, por óbvio, recomendada a suspensão da investigação ou a paralisação da ação penal, até ulterior deliberação no juízo cível.
Em arremate, “A procedência da ação anulatória, mesmo que ainda pendente de recurso, repercute diretamente sobre a constituição definitiva do crédito tributário, enfraquecendo a materialidade delitiva. Dessarte, é recomendável que o Juízo Criminal aguarde o trânsito em julgado da referida decisão, para dar continuidade ou não à Ação Penal.” (STJ – RHC 113.294/MG, 5ª T., Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, j. 13/08/2019, p. DJe 30/08/2019).
Portanto, é cabível (sim) a suspensão do procedimento investigatório ou da ação penal à espera do deslinde da referida causa tributária, como preconizado no art. 93 do CPP, pois, não havendo condições procedibilidade ou de processamento para a tramitação da persecução penal, tal medida torna-se obrigatória em razão do dever de cautela.
De forma cirúrgica, “Em primeiro lugar, é importante retomar o ambiente jurídico no qual foram pensadas as causas supralegais de exclusão do crime (tipicidade, ilicitude e culpabilidade) e compreender qual o direcionamento dado pela doutrina e pela jurisprudência. Em segundo, é fundamental destacar o contexto político no qual a materialização das causas de exclusão do delito perverteu o direito por meio da fundamentação de incriminações supralegais”[3], ensina Salo Carvalho.
Sendo assim, em havendo vulneração da constituição do crédito tributário por decisão judicial, ainda que de maneira incipiente, a ponto de afetar a concretude da materialidade delitiva, não por menos, a única solução para garantir direitos à pessoa do acusado-contribuinte é a suspensão das vias de incriminação no aguardo da resolução de mérito da esfera cível.
[1] é advogado criminalista. Sócio do escritório João Vieira Neto Advocacia Criminal. Conselheiro Estadual da OAB-PE. Presidente da Comissão de Direito Penal da OAB-PE. E-mail: joao@jvn.adv.br.
[2] JORIO, Israel Domingos. Vulnerabilidade relativa, sim! In Boletim IBCCRIM: São Paulo, ano 20, n. 236, p. 08-09, jul., 2012.
[3] CARVALHO, Salo. A Materialização da Antijuridicidade na Dogmática Jurídico-Penal: Análise desde a teoria crítica do delito. In: Garantias Penais: Estudo alusivo aos 20 anos de docência do professor Alexandre Wunderlich / organizadores: Fabiane da Rosa Cavalcanti, Luciano Feldens e Alberto Ruttke. Porto Alegre: Boutique Jurídidca, 2019, p. 612.
Este artigo reflete a opinião de seus autores e não necessariamente a opinião do IBDPE.
Este espaço é aberto aos Associados do IBDPE! Para submeter seu artigo, envie uma mensagem para contato@ibdpe.com
O PROBLEMA DOS MÚLTIPLOS REGIMES DE LENIÊNCIA E O NECESSÁRIO ALINHAMENTO PÚBLICO INSTITUCIONAL
Samuel Justino de Moraes[1]
A higidez da ordem econômica, como aborda Patrícia Sampaio, constitui direito difuso de que é titular toda a coletividade[2]. Por essa razão, o Estado estrutura uma política rigorosa de prevenção e repressão às práticas anticompetitivas, buscando salvaguardar a saudável disputa entre os agentes no mercado.
Este estudo, por sua vez, volta-se para os instrumentos não repressivos utilizados alternativamente no combate às práticas anticoncorrenciais. Com efeito, por meio de uma reciprocidade de concessões, os negociantes firmam um acordo que lhes traga benefícios, de modo a extinguir um cenário de litigiosidade.
Nesse sentido, seguindo uma tendência do direito moderno, o ordenamento jurídico pátrio assistiu, recentemente, a um “verdadeiro espraiamento da figura dos acordos de Leniência Administrativa, em paralelo ao uso de institutos análogos na seara criminal”, como pontuado pelo Min. Gilmar Mendes no julgamento do MS 35.435[3].
Esses acordos, ainda segundo o Ministro, são instrumentos relevantes voltados ao fortalecimento de uma política de combate às infrações econômicas, de modo a desarticular ilícitos que envolvem a atuação concertada de uma multiplicidade de agentes econômicos com o intuito de restringir a concorrência ou fraudar as regras de processos seletivos públicos. Nessa linha, no âmbito da atuação do Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE)[4], há dois instrumentos fundados no consenso utilizados alternativamente para o enfrentamento de práticas infracionais anticompetitivas, a saber, o acordo de leniência e o termo de compromisso de cessação.
Em linhas gerais, como dispõem Giannini et al, o acordo de leniência pode ser entendido como um instrumento de cooperação entre o integrante de eventual prática ilícita e a autoridade pública, em que, auxiliando na obtenção de provas de determinadas infrações à ordem econômica e na identificação dos demais envolvidos na prática, o leniente recebe um abrandamento da sua punição ou, ainda, imunidade administrativa e penal. O termo de compromisso de cessação, por sua vez, é um instituto destinado a possibilitar à autoridade antitruste o encerramento de processo instaurado para apurar infração à ordem econômica, por meio de acordo em que o representado assume obrigações visando à cessação da prática investigada ou de seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo fundamentado de conveniência e oportunidade, entender a autoridade que a medida atende aos interesses protegidos pela legislação[5].
Esses instrumentos de consenso desburocratizantes permitem, indubitavelmente, respostas estatais mais céleres, efetivas e menos onerosas, concretizadas por meio da negociação entre o aparelho estatal e o representado ou investigado.
No que tange ao acordo de leniência, instituto objeto do estudo, a relevância é ainda mais notória, vez que se projeta como instrumento para romper com as dificuldades de detecção de práticas anticompetitivas. Com efeito, sua utilização materializa a estratégia estatal de desestabilização dos laços de confiança entre os integrantes das práticas ajustadas, permitindo que o agente colaborador receba benefícios para expor os meandros da conduta, trazendo provas relacionadas à atuação das quais o Estado não tinha conhecimento. No entanto, a multiplicidade de regimes de leniência existentes torna problemática a atuação multifacetada do Estado, o que pode comprometer a própria eficácia do instrumento, como pontua Luiz Guilherme Ros[6].
Com efeito, uma prática anticoncorrencial pode repercutir em diversas áreas do direito, de modo que cada uma das respectivas autoridades públicas pode ter interesse na investigação e na punição do infrator. A título do exemplo, uma prática ajustada entre uma pluralidade de agentes econômicos pode ser considerada criminosa, corruptiva sob a ótica da pessoa jurídica, anticoncorrencial e ofensiva ao erário. Diante disso, por um mesmo fato, é possível, quando não necessária, a celebração de acordos de leniência com múltiplas autoridades, a exemplo da Superintendência Geral (SG) na esfera do CADE, da Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia Geral da União (AGU) no âmbito da Lei Anticorrupção, do Ministério Público Federal (MPF) e do Tribunal de Contas da União (TCU).
Esse fenômeno desnuda, assim, a falta de alinhamento institucional, o que pode minar a eficiência dos mecanismos de solução consensual adotados pelo Poder Público. Como o acordo visa a romper com o silêncio dos agentes envolvidos na conduta ilícita, retirando-os de uma situação confortável e vantajosa, o sucesso do programa de leniência depende da previsibilidade e da sensação de segurança jurídica provocada pela negociação, além da necessária garantia de proteção ao leniente em outras áreas que o possam atingir mais severamente, como o direito penal. Não por outro motivo garante-se imunidade penal e administrativa ao colaborador, até pela necessidade de reconhecimento de participação na conduta anticoncorrencial, o que pode resultar na incriminação do leniente em outras esferas.
No entanto, não basta a mera promessa, mas a garantia de efetivo desfrute das vantagens oferecidas, com a previsão potencial das consequências do ajuste com o Estado, sob pena de se desestimular a cooperação. Entretanto, a coexistência dos diversos regimes de leniência previstos no direito brasileiro, não raras vezes, colide com essa exigência, ante o descompasso da atuação estatal com a sobreposição de múltiplas autoridades interessadas na celebração do acordo. Nesse sentido, destaca-se o julgamento do MS 35.435 pelo STF, case apto a ilustrar a controvérsia que ora se demonstra.
No caso, a sociedade empresária Andrade Gutierrez S.A. havia firmado acordo de leniência com o MPF e termo de compromisso de cessação com o CADE, em função de ilícitos relacionados às contratações para as obras de Angra III. Não obstante, o TCU aplicou à leniente a sanção de declaração de inidoneidade, determinando, contudo, a suspensão da execução da medida, subordinando a eficácia do acordo de leniência junto ao MPF ao cumprimento de outras condições impostas pelo TCU, a saber, a reabertura das negociações com o parquet para que se obtivesse o compromisso de cooperação com as fiscalizações e de ressarcimento integral do dano causado ao erário.
Nota-se, portanto, que, embora os ilícitos investigados tenham sido objeto de acordos firmados em programas de leniência com outras instituições a nível federal, o TCU veiculou ameaça expressa de declaração de inidoneidade pelos mesmos fatos. Por isso, a discussão versava acerca da possibilidade de aplicação da sanção, de modo a garantir-se a completa reparação dos danos, sem que a medida se traduzisse em comportamento contraditório do Estado, o que poderia ofender o princípio da unidade estatal, da legítima confiança, da segurança jurídica e da eficiência da atuação pública.
Em assim sendo, em que pese a relevância do poder sancionatório do Tribunal de Contas, parece insustentável a aplicação da referida sanção, vez que, quando da celebração, o suporte fático que sustentou o acordo não incluía as condições impostas pelo TCU, de modo que não poderia a Corte, posteriormente, determinar a reabertura das negociações para inclusão de condições inicialmente não previstas no ajuste originário. Do contrário, a sensação que se poderá causar é a de que o Estado não cumpre com os seus compromissos, o que poderia minar os incentivos para a colaboração no âmbito do acordo de leniência. Caso estritamente cumpridas as condições do acordo, não há espaço para aplicação de sanção por outro órgão estatal, se assegurada, nesse mesmo instrumento negocial, a não aplicação da referida penalidade.
Diante desse cenário, o Min. Gilmar Mendes apontou, acertadamente, para aquilo que entendeu evidenciar o desalinhamento entre os diversos regimes de leniência, a saber, a ausência de convergência nos requisitos para a celebração dos acordos, bem como a inexistência de harmonia entre os benefícios passíveis de serem obtidos, além da imprevisibilidade acerca da extensão desses benefícios às outras frentes da atuação pública.
Para solucionar os fatores da controvérsia elencados, o aludido Ministro indicou que, para prestigiar os múltiplos regimes de leniência, deve-se zelar pelo alinhamento de incentivos institucionais à colaboração e pela realização do princípio da segurança jurídica, a fim de que os colaboradores tenham previsibilidade quanto às sanções e benefícios premiais cabíveis quando optarem por cooperar com a Administração Pública.
Para tanto, é importante que a atuação do Poder Público se expresse de maneira coordenada, de modo que as empresas investigadas não tenham a percepção de que o Estado falta com os compromissos assumidos. Além disso, sob o viés prático, as sanções aplicadas pelo Estado não podem esvaziar o cumprimento de outra medida por ele determinada, ainda que pela via negocial, como no caso da declaração de inidoneidade, verdadeira “pena de morte” para o empresário, dado o comprometimento da capacidade econômica, o que pode inviabilizar o cumprimento das obrigações assumidas no instrumento consensual.
Por essa razão, o STF formou maioria para reconhecer a impossibilidade de imposição de sanção de inidoneidade pelo TCU pelos mesmos fatos que deram ensejo à celebração de acordo de leniência, ante a incompatibilidade com os princípios constitucionais da eficiência e da segurança jurídica.
Essa decisão mostra-se paradigmática para demonstrar a necessidade de harmonização da atuação das diversas entidades no âmbito dos regimes de leniência. A existência de inúmeros instrumentos de acordos nas mais diversas frentes de atuação do Estado exigem atuação alinhada, de modo que reste assentada a transparência e a previsibilidade necessárias para a celebração dos ajustes de vontades, como o é em toda negociação jurídica. Uma atuação mais harmônica, coerente e coordenada do Poder Público implica em ganhos institucionais e consolida a credibilidade desejável para o sucesso dos instrumentos consensuais institucionalizados para o enfrentamento das infrações à ordem econômica.
Em meio a esse contexto, em maio de 2020, a Presidência do Supremo Tribunal Federal tomou a iniciativa de capitanear a celebração de um Acordo de Cooperação Técnica envolvendo a AGU, a CGU, o TCU e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, no âmbito da atuação da Lei Anticorrupção, o qual foi assinado em setembro de 2020.
No documento, ficou assentado que, quando algum ilícito envolver fatos de competência do TCU, as entidades enviarão informações à corte, para estimação dos danos. Ademais, após a celebração do acordo de leniência, a CGU e a AGU compartilharão as informações e documentos fornecidos pela empresa colaboradora com as demais autoridades, não podendo esses dados serem usados para punir a companhia pelos mesmos fatos. Estabeleceu-se, ainda, que a AGU e o MPF poderão buscar a responsabilização, por meio de ações de improbidade administrativa, das demais pessoas e empresas envolvidas nos atos revelados pela companhia colaboradora, o que, no âmbito administrativo, incumbirá à CGU e ao TCU. Por fim, as instituições também concordaram em estabelecer mecanismos de compensação ou abatimento de multas pagas pelas empresas em condutas tipificadas por mais de uma lei[7].
Esse acordo, mesmo que relacionado apenas à matéria de combate à corrupção, é positivo, pois é elementar a consolidação de uma cultura de alinhamento institucional, dado que a consolidação e o fortalecimento da estratégia estatal de enfrentamento às práticas antijurídicas por meio da colaboração dos envolvidos na prática dependem da percepção de atratividade da celebração de acordo com o Estado, o que perpassa, sobretudo, pela observância dos marcos de previsibilidade e de segurança jurídica. A expectativa é a de que medidas como essa se disseminem por todas as frentes da atuação estatal em temas de acordo de leniência, de modo a garantir uma atividade mais coordenada do Poder Público.
[1] Bacharelando em Direito pela PUC Minas.
[2] SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. A utilização do termo de compromisso de cessação de prática no combate aos cartéis. Revista de Direito Administrativo, v. 249, p. 245-265, 2008.
[3] BRASIL. STF. MS 35.435, 36.173, 36.496 E 36.526. Relator: Ministro Gilmar Mendes. 27 mai. 2020.
[4] BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Brasília 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm. Acesso em: 25 abr. 2021.
[5] GIANNINI et al. Comentários à nova lei de defesa da concorrência: lei 12.529, de 30 de novembro de 2011 / coordenadores Eduardo Caminati Anders, Vicente Bagnoli, Leopoldo Pagotto– Rio De Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.
[6] ROS, Luiz Guilherme. Criando incentivos, a partir da teoria dos jogos, para celebração de termos de compromisso de cessação por pessoas físicas: uma análise das ações penais da lava jato. 114 f. Dissertação (mestrado em direito). Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Brasília, 2020.
[7] TCU aprova termo de cooperação com instituições para acordos de leniência. Consultor Jurídico. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-ago-05/tcu-aprova-cooperacao-instituicoes-acordos-leniencia2. Acesso em: 03 mar. 2021.